Ainda hoje, o nome de Jim Clark transpira misticismo e veneração. A figura taciturna, juntada à velocidade e versatilidade e ao domínio que impôs na F1 durante os anos 60, converteu o jovem roceiro do interior escocês numa entidade transubstancial. Um vulto que exerce fascínio mesmo nos que não assistiram às corridas de seu tempo, tamanha a repercussão de seus feitos até hoje.
O culto é justificável. Quando morreu num acidente de F2, em abril de 1968, Clark era o piloto mais bem-sucedido na história da F1. À altura do GP da África do Sul, seu último na carreira, o escocês era o recordista de vitórias e poles no esporte. E, ainda com a ascensão de nomes como Michael Schumacher e Ayrton Senna, algumas marcas notáveis permanecem em seu poder. Ele ainda é o piloto com maior número de Grand Slams (pole, vitória, melhor volta e líder de ponta a ponta) na história e também é o único a ter obtido 100% de pontos possíveis em duas temporadas distintas (1963 e 1965).
Neste fim de semana, mais precisamente no sábado (1º), completam-se 50 anos do segundo e último título mundial de Clark. Um título oficializado com fleuma, já que boa parte das corridas se resumiram à demonstração de poder do escocês em conjunto com sua imbatível Lotus 33. Em nove provas disputadas, foram seis poles, seis vitórias e seis melhores voltas. Clark só não participou do GP de Mônaco – ele decidira disputar as 500 Milhas de Indianápolis, que geralmente são agendadas no mesmo dia do páreo em Monte Carlo.

As vitórias em 1965 humilharam a concorrência. Em East London, Clark liderou todas as voltas e fechou o percurso com 30s de folga para o segundo colocado (e então atual campeão) John Surtees, da Ferrari. Em Spa, novamente ponteou a corrida inteira, cruzando 44s8 à frente da BRM de Jackie Stewart. Por fim, no GP da Alemanha, disputado no Nurburgring, mais um triunfo soberano: líder de ponta a ponta, 15s9 à frente do vice-campeão Graham Hill, da BRM.
Foi uma campanha tão aterradora que, durante 50 anos, o título de Clark em 1º de agosto foi o mais precoce da história. O recorde apenas seria quebrado em 2002 por Schumacher, cujo pentacampeonato se deu no dia 21 de julho.

A exceção foi o GP da Inglaterra. Mesmo com o carro mais rápido, às vezes a confiabilidade dos modelos de Colin Chapman o deixava na mão. No caso de Silverstone, o motor Climax do Lotus 33 começou a espirrar óleo nas voltas finais. Para controlar a máquina, Clark precisou diminuir a rotação do propulsor em determinados pontos da pista e administrar a distância para Hill, que tirava cerca de 2s por volta. No fim, cruzou com 3s2 de diferença para o inglês, num feito classificado como “de brilho incomparável” pelo tradicional periódico “Autocourse”.
Mas Clark não se contentou apenas com a F1. Uma distinção que comumente se faz entre o escocês e outros titãs do esporte, como Schumacher e Juan Manuel Fangio, é a versatilidade. Clark pilotava qualquer coisa. E em 1965, o bicampeão provou a questão da forma mais sensata: na pista.
Em maio, ele venceu as 500 Milhas de Indianápolis (veja no vídeo abaixo) e se tornou – involuntariamente – o único homem na história a unificar as coroas do Brickyard e do Velho Mundo na mesma temporada. Como na F1, o domínio se deu no percurso inteiro: ainda que perseguido por A. J. Foyt na primeira metade do páreo, liderou 190 dos 200 giros e venceu com certa folga para o segundo colocado Parnelli Jones. Àquela altura, tornou-se o primeiro não-americano a vencer a corrida em quase 50 anos.
A excelente fase se estendeu às categorias de menor expressão. Campeão do BTCC (Inglês de Turismo) no ano anterior, Clark venceu três etapas do certame em 1965: Goodwood, Crystal Palace e Oulton Park, todos a bordo do egrégio Lotus Cortina. Já na F2, disputou o Inglês e o Francês e obteve vitórias em Mallory Park, Brands Hatch e Pau – na época, os pilotos de F1 eram autorizados a participar de divisões menores no automobilismo, num sistema muito parecido com o que ocorre hoje na Nascar. No primeiro semestre, também triunfou na Tasman Series, uma espécie de Torneio Início da F1, disputado na Oceania.

A inquietação não passava em branco: muitos questionavam se o escocês não participava deste enxame de eventos por questões financeiras. É preciso lembrar que, embora àquela altura já tivesse um status de “categoria-mãe”, a organização fazendária da F1 ainda era bastante confusa e entregue às administradoras de GPs. Jackie Stewart garante que não. Era a permanente curiosidade do bicampeão.
“Jimmy [Clark] entrava em algumas coisas que eu nunca pensaria em entrar. Num determinado ano, teve uma corrida de carros históricos em Rouen e lá estava ele, correndo num ERA de Pat Lindsay mais rápido que o próprio Pat!”
No fim do ano, Clark foi eleito pela emissora americana ABC como o melhor atleta da temporada. Depois, mesmo com carros inferiores, a boa fase do britânico prosseguiu em 1966 e 1967, período em que conquistou cinco vitórias e oito pole positions. Neste ínterim, correu de rali e até de Nascar.
O ano de 1968 começou em tom favorável e Clark dominou com folga o GP da África do Sul. Provavelmente ele teria confirmado o tricampeonato naquela temporada; em abril, porém, o acidente em Hockenheim o tirou do mundo dos vivos e transformou no mito que continua vivo até hoje. Mas todo mito nasce de um momento histórico que proporciona comoção e admiração: no caso de Clark, não há dúvidas de que esse componente mágico foi 1965.