Lauda conquistou o título de 84 com sua McLaren Porsche

Como McLaren e Porsche criaram um dos melhores conjuntos da F1

Entre 1983 e 87, McLaren e Porsche trabalharam muito próximas para desenvolver um pacote de chassi e motor que teria muito, mas muito sucesso na F1. A parceria renderia três títulos de pilotos, dois de construtores e 25 vitórias em 68 GPs.

Ao assumir a McLaren de Teddy Mayer na fusão com sua equipe Project 4, no final de 1980, Ron Dennis sabia que precisava dar uma chacoalhada no time, que andava por baixo. Ele contratou o projetista John Barnard, que já tinha passado pela equipe no começo dos anos 70 e que vinha de muito sucesso na Indy.

O primeiro projeto da “nova” McLaren foi o modelo MP4/1, em 1981, primeiro F1 da história a ter um chassi monocoque inteiramente em fibra de carbono, algo que se tornaria padrão na categoria. Os resultados vieram também rapidamente, incluindo uma vitória de John Watson no GP da Inglaterra. O time que tinha marcado 11 pontos em 80, fez 28 com o novo carro.

A McLaren, no entanto, precisava de mais. Para enfrentar as grandes equipes da época, ela precisava se preparar para o viria pela frente. E para isso, Dennis e Barnard chegaram à conclusão de que era necessário desenvolver um motor para surfar na onda dos turbo, que aos poucos estavam ganhando cada vez mais espaço contra os aspirados Ford-Cosworth, que se ainda tinham bastante sucesso, já estavam no seu limite.

Motor Porsche e o trabalho feito em parceria

É importante entender que em 1982, quando esse novo projeto interno da McLaren nasceu, existiam dois fatores técnicos muito fortes na F1. O primeiro era o auge da utilização do efeito solo e a evolução cada vez mais rápida da aerodinâmica como um todo. E o segundo era a evolução dos propulsores turbo.

Além de Renault e Ferrari com seus próprios motores turbo, a Brabham também já iniciava naquela temporada um trabalho de desenvolvimento do equipamento da BMW, que viria pagar bons dividendos em um futuro próximo. A Toleman também já vinha com o Hart Turbo, porém, este, com problemas de desenvolvimento.

Para 1983, a Lotus faria uma parceria para ter os motores da Renault, enquanto a Alfa Romeo também largaria mão de seu enorme V12 de 3 litros aspirado para ter um turbo, que o regulamento limitava a 1,5 litros, com oito cilindros, diferente da receita mais usual de seis.

A questão toda parecia óbvia: os turbos iriam dominar a F1 em breve. Então, que tal comprar um motor Renault ou BMW? Não era o que Barnard queria. Na visão do projetista, não adiantava apenas ter um motor do tipo no carro, eles precisavam de um projeto integrado, como se fosse uma equipe de fábrica.

Ele e Dennis então olharam no mercado quem poderia ser esse parceiro. A Porsche já tinha uma boa tradição nos esporte-protótipos, porém, apesar de uma breve participação nos anos 60 com equipe própria na F1, nunca curtiu muito a aventura dos monopostos.

O departamento esportivo da marca, liderado pelo engenheiro Hans Mezger, achou que a empreitada valia à pena, porém, alguém deveria que bancar a aventura, já que a empresa naõ estava disposta a abrir um novo programa para a F1. Lá foi Ron Dennis bater na porta de potenciais parceiros comerciais. A maioria recusou a proposta, até que o inglês conversou com Mansour Ojjeh, presidente da Techniques d’Avant Garde, mais conhecida como TAG para os íntimos. A empresa estava na F1 como patrocinadora da Williams e topou financiar o desenvolvimento do novo motor pela Porsche com uma condição: ele deveria ser rebatizado de TAG. A montadora alemã não viu problema, até porque se o propulsor fosse um fracasso, ela teria a publicidade negativa.

O projeto TAG-Porsche-McLaren

O plano original de Barnard e Mezger era de um seis cilindros boxer. O projetista da McLaren pretendia deixar o motor mais alto no carro para poder trabalhar melhor a passagem de ar pelo assoalho. Só que no meio do processo, após muita pressão decorrente dos constantes acidentes, a FIA resolveu banir o efeito solo e os assoalhos passariam a ser planos para 1983.

Isso fez McLaren e Porsche reverem o conceito e adotarem um V6 com 80 graus de ângulo.O objetivo agora era fazer o motor o mais estreito possível e mais no chão, para deixar o centro de gravidade do carro mais baixo.

O grande pulo do gato foi a integração total do trabalho entre os engenheiros da McLaren e da Porsche. Barnard praticamente deu a receita do que queria em seu novo modelo e Mezger, junto com sua equipe, trabalharam para entregar o pedido.

Niki Lauda voltou da aposentadoria em 1982 e acompanhou boa parte do trabalho. Em 83, ele achou melhor encarar aquela temporada como uma transição, e pressionou McLaren e Porsche para que o motor já fosse utilizado naquele ano como uma forma de teste. Assim, quando o novo carro ficasse pronto, o motor estaria com seu desenvolvimento adiantado.

A equipe encaixou o novo TAG V6 1,5L turbo no modelo MP4/1E para o GP da Holanda 1983, 11ª prova do campeonato. Lauda faria a estreia enquanto o companheiro, John Watson, ainda andaria com o Ford Cosworth DFY V8 3L aspirado. Naquela corrida, o TAG-Porsche produzia 750 cavalos a 11.800 RPM em ritmo de corrida. Não era exatamente algo extraordinário perto dos rivais. Os pilotos passaram utilizar o modelo nas três provas seguintes (Monza, Brands Hatch e Kyalami), que fecharam o campeonato.

A escolha de Lauda por antecipar a estreia se mostrou acertada. O motor teve problemas de várias naturezas. Além disso, ele não tinha a mesma potência dos adversários. Mas Porsche e McLaren não estavam preocupadas com isso, já que sabiam que a jogada era outra.

O reinado

Em 1984, o motor produzido pela Porsche e financiado e rebatizado pela TAG foi colocado no novo carro da McLaren, o MP4/2. E o conjunto, com Lauda e Alain Prost ao volante, sobrou na temporada. A McLaren conquistou 12 das 16 corridas e levou o campeonato de construtores com incríveis 157,5 pontos contra apenas 57,5 da vice, Ferrari. Uma sova. O austríaco, mais experiente, levantou o caneco de pilotos batendo o companheiro por apenas meio ponto, no que é até hoje a menor diferença que decidiu um título na história da F1.

E se o motor TAG-Porsche não era o mais potente, por que ele era tão especial? O primeiro fator foi o trabalho integrado de fabricante de motor e a equipe construtora do chassi. Os dois nasceram desenhados especificamente um para o outro. Dessa forma, Barnard conseguiu aproveitar ao máximo as possibilidades de equilíbrio, distribuição de peso e desenho aerodinâmico.

O TAG-Porsche era compacto e bem rígido. Esse segundo ponto permitia que ele fosse parafusado diretamente no chassi, sem a necessidade de uma estrutura ao seu entorno, como no caso dos rivais. Isso dava mais espaço para passagem de tubulações e, claro, ajudada no peso.

O motor também era consideravelmente mais leve do que os outros turbos, pesando 145 kg chegava a ter menos 35 kg a menos que os principais rivais. O único que ganhava dele era o Hart, com 135 kg, porém, com muitos outros problemas. A Porsche ainda optou por um sistema de twin-turbo contra o de turbina única da BMW, o que fazia com que o motor entregasse potência de uma forma mais suave quando o piloto acelerasse. Isso ajudava na administração dos pneus e no equilíbrio do carro nas saídas de curva. Essa característica foi uma das que mis evoluiu com os anos.

E para terminar, a grande vantagem: eficiência de combustível. Para quem acha que isso é coisa da era híbrida, economizar combustível se tornou algo bastante importante na F1 na década de 80, principalmente a partir de 84, quando o reabastecimento foi proibido. Os motores turbo eram potentes, porém, beberrões. Os pilotos precisavam dosar durante as corridas, e muitas vezes as equipes precisavam alterar a pressão do turbo em determinados circuitos para não correrem o risco de ficarem sem gasolina no meio do caminho. E isso acontecia com alguma frequência na F1 naquela época.

A Porsche desenvolveu um sistema de refrigeração e de manutenção de temperatura interna dos cilindros que exigia menos combustível. Isso fazia com que o propulsor consumisse muito menos que os adversários, o que permitia um ótimo ritmo de corrida durante toda a prova.

Essas características, somadas a um carro equilibrado, nas mãos de dois pilotos técnicos como Lauda e Prost, eram a receita perfeita para o sucesso. A McLaren sequer se preocupava em largar nas primeiras posições do grid, já que com melhor administração dos pneus e do tanque de combustível sabia, que na segunda metade das corridas, teria grande vantagem sobre os rivais.

Fim do programa

Depois da temporada de 84, os rivais correram atrás. Prost ainda conquistou o título de 85 e em 86, apesar do novo triunfo do francês, o conjunto McLaren-Porsche já era claramente superado pelo da Williams-Honda.

Pilotos começaram a pressionar equipe e fornecedora por motores específicos para os treinos, mas a resposta é que o desenvolvimento seria muito caro. Ao final de 87, em uma temporada em que a McLaren foi amplamente superada pela Williams, a TAG resolveu cortar o financiamento do projeto e a equipe inglesa conseguiu um acordo com a Honda para receber os motores japoneses, que passavam a dominar a F1.

A Porsche tentaria um retorno à F1 em 1991, em parceria com a equipe Footwork, desta vez em um programa oficial usando a marca da empresa, em programa mais uma vez liderado por Hans Mezger. Desta vez, porém, o projeto, que usou um V12 aspirado, foi um retumbante fracasso e marcou a despedida definitiva da montadora na categoria. Pelo menos, até o momento.

Mezger, que entrou na Porsche em 1956, saído diretamente da faculdade de engenharia mecânica, seguiu na empresa até os anos 90. Além do trabalho no TAG, ele foi peça fundamental em carros marcantes da marca nas corridas de esportivos, como nos modelos 911 e 917. O engenheiro alemão, nome importante da história da marca, morreu no último 10 de junho, aos 90 anos.

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