Mugello é lugar de frequentes eventos da Ferrari
(Foto: Circuito de Mugello)

Dos GPs em estradas à modernidade: a história da pista de Mugello

O autódromo de Mugello irá receber em 2020 a F1 pela primeira vez em sua história, se tornando a quarta pista diferente da Itália a sediar uma etapa do Mundial, junto com Monza, Pescara e Imola. O nome da prova é bem convidativo, GP da Toscana, em alusão à região em que o circuito é localizado e uma das mais famosas da Europa por conta de seus vinhos, paisagens e cidades históricas sempre alvo de turistas.

Mugello trará à F1 um ar de tradicionalismo ao mesmo tempo de modernidade. A região que dá o nome ao circuito, ao nordeste da Toscana, recebe grandes eventos do automobilismo desde 1900. O autódromo foi construído nos anos 70 e desde a década de 90 passa por constantes atualizações que o deixa entre os de melhor estrutura da Europa.

Não é à toa que há poucos anos, em 2012, ele recebeu uma bateria de testes intertemporada da F1 com todas as equipes e foi muito elogiado por pilotos e times. O traçado é bastante desafiador, com uma extensão de 5.245 metros. Ele tem uma grande reta principal com uma forte freada ao final, seguida por esses e curvas de média com uma pequena reta no meio.

Circuito de Mugello, na Itália, é de propriedade da Ferrari
Circuito de Mugello, na Itália, é de propriedade da Ferrari (Foto: Circuito de Mugello /Facebook)

Antes de seguir para a parte de trás do traçado, os pilotos passam por duas curvas de alta velocidade, a Arrabbiata 1 e a Arrabbiata 2, sendo a segunda feita em subida e em aceleração, o que deixa seu contorno bastante complicado para os pilotos. A sequência final tem mais alguns esses de alta com duas curvas de raio longo, até chegar novamente à grande reta dos boxes.

As arquibancadas têm capacidade para 50 mil pessoas e normalmente ficam lotadas principalmente para as etapas anuais da MotoGP, que se tornaram uma grande tradição. Infelizmente, para a F1, é bem provável que por conta da pandemia, os espectadores locais não possam comparecer para assistir a este inédito evento.

Raízes de Mugello

Constituído em 1900, o Clube Automobilístico de Florença, capital e cidade mais conhecida da Toscana, organizou diversas competições de automóveis por estradas desde seus primeiros anos de atividade. Em 1914, ele iniciou seu maior evento, o Circuito Automobilístico Toscano, em um circuito de 67,5 km composto por estradas da região de Mugello, um vale nas encostas das montanhas que segue o curso do rio Sieve.

Só que apenas uma semana depois deste primeiro evento, a Grande Guerra explodiu na Europa e nenhuma prova de automobilismo aconteceu até 1920. No retorno, a competição voltou como GP de Mugello.

A corrida foi imediatamente um sucesso, porém, a partir de 1926, perdeu espaço para a Mille Miglia, que fazia um trecho entre a cidade de Bréscia, ao norte, na região da Lombardia, e Roma, no Lácio, mais ao sul, passando pela Toscana e suas montanhas no meio do caminho. Sendo assim, a corrida no famoso circuito de Mugello acabou abandonada em 1930, chegou a ter uma edição solitária em 55, mas voltaria mesmo somente em 1964, alguns anos depois da Mille Miglia deixar de acontecer por conta de seus frequentes acidentes e mortes.

A prova voltou a acontecer um traçado bastante parecido com o original, de 66,2 km, em que os pilotos completavam oito voltas. Na corrida, as estradas eram obviamente fechadas, porém, incrivelmente, os pilotos realizavam treinos com elas abertas em outros dias. Isso causou diversos problemas. A gota d’água foi um forte acidente durante um destes treinos, em 1970, em que Spartaco Dini saiu da pista com sua Alfa Romeo GTA quando passava por trecho no vilarejo de Firenzuola. Diversas pessoas que estavam próximas à estrada foram feridas, inclusive duas crianças, e um bebê de sete meses morreu.

Ficou claro para autoridades locais que não existiam condições de segurança para tal tipo de competição nas estradas e ruas da região e a corrida foi extinta. Porém, já existia na gaveta um plano para um circuito permanente que foi revisitado. Assim, o Clube Automobilístico de Florença investiu em um terreno de 170 hectares e iniciou a construção em 1972. A inauguração aconteceu apenas dois anos depois, com uma corrida de F5000.

O GP de Mugello renasceu na mesma temporada, como uma prova de F2, sendo realizado de forma ininterrupta até 1984. Depois, ele ainda retornou como uma etapa de F3000 (que entre os anos 80 e 90 se tornou a principal categoria de acesso à F1) por mais cinco vezes, sendo as últimas três edições, em 1996, 97 e 2000, vencida pelos brasileiros Ricardo Zonta (duas vezes consecutivas) e Ricardo Sperafico, respectivamente.

Etapa da MotoGP já se tornou tradição em Mugello
Etapa da MotoGP já se tornou tradição em Mugello (Foto: Circuito de Mugello / Facebook)

Além de diversas categorias de base e nacionais italianas, a pista também recebeu entre 1982 e 85 o Mundial de Marcas, antiga categoria precursora do atual Mundial de Endurance (WEC). Sua maior tradição de corridas internacionais, no entanto, ficou mesmo com as motos. Apenas dois anos depois de sua inauguração, Mugello recebeu pela primeira vez o GP da Itália do Mundial de Motovelocidade, que se tornaria o que hoje é a MotoGP. Depois de se revezar durante os anos 70 e 80 com Imola, Monza e Misano, o autódromo se tornou definitivamente palco do evento a partir de 1994, recebendo o campeonato de forma ininterrupta desde então.

Aquisição pela Ferrari

Mugello passou nos anos 80 por uma grave crise financeira e quase foi fechado. Muito se falou na época de se aproveitar o local em uma vale para a construção de uma grande represa no para abastecimento de água da região metropolitana de Florença. Foi então que a Ferrari resolveu comprar o autódromo para ter uma segunda casa, principalmente focada para seus testes de F1 e outros grandes eventos, muito por causa das limitações da pista de Fiorano, que fica ao lado de Maranello e sua fábrica.

Apesar de estarem em regiões diferentes da Itália, o circuito de Mugello fica a apenas 120 km de Maranello (Região da Emilia-Romagna), por isso, o circuito tinha uma boa localização para a equipe trabalhar em uma época em que os testes particulares eram liberados na F1. Assim, em 1988, a Ferrari fechou a aquisição do autódromo.

A partir de 1991, a marca iniciou um processo de grande revitalização do local, com o redesenho de áreas de escape e itens de segurança, total readequação das instalações de boxes e infraestrutura, e sempre mantendo o circuito com o nível mínimo da FIA para receber a F1. Tudo isso sem mexer no traçado, que segue o mesmo desde a construção da pista. A única alteração foi a desativação da versão “curta”, que já era muito pouco utilizada.

Além dos extensivos testes da equipe Ferrari de F1 (dizem que a Ferrari alugava uma casa ao lado do autódromo em que Michael Schumacher chegava a dormir de macacão entre os inúmeros treinos secretos para aperfeiçoar o carro nos anos 90), a pista passou a receber mais e mais eventos importantes, incluindo corridas do DTM, FIA GT, campeonatos nacionais e europeus de fórmulas e GTs, e até 2019 fazia parte da Série 24 Horas, composta apenas por etapas com esta duração. Isso sem contar, é claro, com os diversos eventos e campeonatos da própria Ferrari e a visita anual da MotoGP.

Para receber a F1 em 2020, a ocasião não poderia ser mais especial. Por coincidência (ou não), o GP da Toscana vai marcar exatamente a milésima participação da Ferrari em uma etapa do Mundial, permitindo, de alguma forma, que a equipe mais tradicional, famosa e popular da F1 faça essa festa no quintal de sua casa.

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