Lewis Hamilton, Leonardo da Silva e Valtteri Bottas, no pódio do GP de São Paulo de 2021
(Foto: LAT Images/Mercedes)

O engenheiro brasileiro que levantou a taça pela Mercedes em Interlagos

A vitória de Lewis Hamilton no GP de São Paulo de 2021 foi cheia de nuances e muito significativa para o piloto e para a Mercedes, pelo fato do time vir de derrotas seguidas e ter ainda que se recuperar de uma desclassificação na sessão classificatória de sexta-feira e uma punição por troca de motores no grid de domingo. E o triunfo ganhou também um sabor mais especial para um integrante específico da equipe: o brasileiro Leonardo Donisete da Silva, que ganhou a chance de subir ao pódio para receber o troféu da vitória de construtores.

Aos 30 anos, o engenheiro nascido em Patos de Minas, no estado de Minas Gerais, está na Mercedes há cinco anos trabalhando na área de estratégia de corridas. E confessou ao Projeto Motor, após a prova, que não esperava um convite como esse, mesmo em uma corrida no Brasil. Acabou assim sendo pego de surpresa pelo chefe da equipe, Toto Wolff.

“Eles só decidem depois que acaba para não dar azar. Eu não sabia. Eu tenho dois amigos que estão aqui no autódromo. Quando acabou a corrida, tirei o rádio e fui buscar eles para irem ver o pódio. Aí, no que eu passei, o Toto me chamou e disse que era para eu ir lá representar. Eu de cara achei: ‘Isso não é sério, né’. É uma honra, uma coisa muito única. Tem muitos engenheiros aqui e a grande maioria talvez nunca tenha a oportunidade”, contou bastante emocionado, poucos minutos depois da cerimônia.

E em um final de semana em que a Mercedes teve tantos contratempos, especialmente com Hamilton, o mineiro admitiu que a situação não podia ser mais especial para ele subir ao pódio representando o time.

“Fico muito feliz que foi uma corrida histórica. A corrida de hoje é provavelmente a corrida mais marcante da temporada, que é uma das temporadas mais marcantes da história recente. Estou muito feliz. Espero que aqueles que sabem que me ajudaram a chegar aqui se sintam representados ali em cima. Assim como todos os brasileiros, que não tem muitos por aqui, e sou muito grato por ser um deles”, seguiu.  

A história de Leonardo na Mercedes

Formado em engenharia mecânica pela Unicamp, Leonardo da Silva saiu do Brasil para fazer um intercâmbio na França, onde avançou em seus estudos na área na Escola Polytechnique, uma das mais tradicionais da Europa. “O intercâmbio foi algo que abriu muitas portas na época.”, disse.

Assim, ele começou então a perseguir o sonho de trabalhar na F1. E a insistência foi a sua chave. Após inúmeras tentativas de contato, ele acabou sendo chamado pela Mercedes para uma entrevista, a princípio, para outro setor da equipe. Mas as coisas acabaram se encaixando.

Leonardo Donizete da Silva mostra sua camiseta de "vencedor" do GP de São Paulo pela Mercedes
Leonardo Donizete da Silva mostra sua camiseta de “vencedor” do GP de São Paulo pela Mercedes (Foto: Lucas Santochi/Projeto Motor)

“Eu mandava e-mail aos profissionais da F1 toda semana. Uma vez consegui uma entrevista para uma área diferente da Mercedes, e meu atual chefe foi na entrevista por curiosidade. E ele acabou se interessando. E aí comecei em janeiro de 2017”, relembrou.

Leonardo da Silva entrou na área de estratégia da equipe. Ele coordena um grupo de engenheiros que estuda as alternativas e cenários que podem surgir diante dos pilotos. Ele então manda as sugestões para o pit wall, onde ficam os principais engenheiros do time que tomam as decisões finais.

Isso não acontece apenas na corrida. Durante todo o final de semana, ele tem a responsabilidade de informar os pilotos sobre os planos. Assim, nas reuniões, ele passa para Lewis Hamilton toda a análise que está sendo feita para que o piloto entenda o que está se desenhando para o domingo. “Temos que manter ele a par sobre quais são os planos, qual é a estratégia que a gente planeja executar na corrida, quais são os cenários que ele precisa estar preparado e fazer de forma que ele saiba tudo o que precisa saber para quando for começar a corrida”, explicou.

Para a etapa em Interlagos, como a Mercedes já sabia que Hamilton teria que pagar uma punição de cinco posições no grid pela troca de motor, e depois ainda viu seu piloto cair para último na corrida de classificação de sábado por conta da desclassificação da sessão classificatória de sexta-feira, o foco principal do trabalho ficou em como Hamilton poderia fazer para se recuperar na pista.

“Acho que o que a gente ajudou o piloto hoje em particular foi de dar uma ideia visual de o quão perto do carro adiante ele tinha que estar para saber a hora que ele tinha que usar tudo que ele tinha para fazer a ultrapassagem na primeira curva. A gente faz várias análises do piloto, e cada circuito tem sua peculiaridade. E aqui no Brasil, um dos pontos era esse. Porque se o piloto gastar a bateria na hora errada, é uma chance a menos [de ultrapassar]”, apontou.  

Outro momento importante foi ainda na corrida de classificação de sábado. A princípio, acreditava-se que o melhor pneu para a prova era o composto médio, pois não se esperava que os macios fossem durar por 24 voltas com bom desempenho. O time de estratégia da Mercedes decidiu, no entanto, colocar Valtteri Bottas com macios, acreditando que assim ele poderia ganhar posições na largada e manter o ritmo por conta da queda da temperatura no momento da miniprova.

O plano acabou dando certo, pois o finlandês pulou de terceiro para primeiro logo na primeira curva, deixando as duas Red Bulls para trás. Depois, o finlandês ainda conseguiu segurar a ponta à frente de Max Verstappen.

“A satisfação de ganhar uma corrida dessa… E ainda mais na nossa área, pois cabe a nós fazermos os planos certos de corrida. Por exemplo, a decisão de ontem [sábado] de começar com o pneu macio para tentar ganhar posição na largada e tudo mais. É crucial para a gente conseguir recuperar as posições. E de último para primeiro, não tem como você fazer melhor. Ainda mais a forma como foi a punição e tudo mais. Então, essa vitória é muito marcante para mim”, apontou.

A relação com Hamilton

Leonardo da Silva contou à roda de jornalistas da qual o Projeto Motor fez parte em Interlagos que Lewis Hamilton é um líder para a equipe de engenheiros, e o chamou de “inspiração” por estar sempre motivado, independente da situação. Segundo o engenheiro brasileiro, o piloto gosta de saber não só das decisões, mas quais os dados que as embasam, e mesmo assim, muitas vezes, ainda quer se aprofundar para entender melhor o caminho que a equipe está tomando.

“Ele confia muito na gente. Ele é uma pessoa muito aberta e é muito inquisitivo. Ele pergunta tudo, quer saber de tudo. Se você disser uma coisa que ele não está convencido, ele vai perguntar. Ele é um cara que quer saber de tudo porque é assim que ele consegue ser tão bom no que ele faz. Então, ele é um cara muito envolvido com o time.”

Hamilton, Bottas e Leonardo celebram no pódio de Interlagos
Hamilton, Bottas e Leonardo celebram no pódio de Interlagos (Foto: LAT Images/Mercedes)

O mineiro admitiu várias vezes que esta é a temporada em que a Mercedes está sob maior pressão desde que ele chegou, há cinco anos. Mas que ao mesmo tempo, a equipe formou uma cultura de foco em se manter sempre na briga, mas nunca se abalar com as derrotas.

“Acho que a mensagem principal é que o mais valioso é a gente ter a honra de brigar pelo título. Assim como eu disse antes pelos pódios, posso dar até um passo mais adiante, tem muito mecânico e engenheiro aqui [na F1] que nunca ganhou uma corrida. Então, brigar pelo título em si é uma honra. E é assim que a gente encara”, diz.

E assim, com Hamilton ainda 14 pontos atrás de Verstappen no campeonato, ele prometeu não só que a Mercedes seguirá na perseguição por mais uma taça, como apontou o GP de São Paulo como a prova que a virada ainda é possível.

“Esse é um campeonato que até a última corrida tinha gente que dava a Mercedes por vencida. Taí um exemplo que vai até a última volta de Abu Dhabi.”

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