Eagle Aircraft Flyer foi um dos carros mais bizarros a aparecer em Indianápolis
(Foto: IMS)

Eagle Aircraft Flyer: a bizarrice perigosa criada por um curioso na Indy

Os anos 70 foram recheados de grandes experiências e invenções no automobilismo. A aerodinâmica sempre foi algo explorado nas corridas de carro, mas neste momento da história, ela ganhou um novo nível de importância. E assim, grandes gênios, dos dois lados do Atlântico, como Colin Chapman e Jim Hall, entre outros tantos, entraram para a história, influenciando as décadas por vir. Só que também existiam os amadores curiosos, como os que construíram o Eagle Aircraft Flyer Special.

Provavelmente um dos modelos mais feios de monoposto, seja da Indy quanto da F1, esse carro construído em 1982 também se mostrou extremamente perigoso. Aliás, de todos seus problemas, que incluía também falta de velocidade e de senso e conhecimento de princípios de aerodinâmica de um carro de corridas, o menosprezo pela segurança no Eagle Aircraft Flyer Special realmente era o pior.

E isso tudo por conta de um caso de incrível teimosia de um engenheiro de aviões agrícolas que não queria ouvir seu piloto e seguia confiando em preceitos que não faziam muito sentido para quem sabia algo sobre corridas.

“Pera aí. Aviões agrícolas?!”, você deve estar se perguntando. Pois é. O projeto inteiro nasceu dali. A Eagle Aircraft Company é uma fabricante de Idaho, no noroeste americano, especializada em aviões pequenos, principalmente para uso agrícola, como aplicação de agrotóxicos, fertilizantes e sementes. A companhia foi fundada em 1977 por Dean Wilson, que era o responsável por projetar as máquinas de perfil bastante especializado.

Contente com o seu Eagle e fã de corridas de carro, o empresário Joe Turling, proprietário de uma rede da Caterpillar, fabricante de máquinas pesadas, convenceu Wilson que ele poderia utilizar seu talento no projeto de um carro de corridas para competir nas 500 Milhas de Indianápolis. E ainda se ofereceu para bancar a empreitada.

O desenvolvimento (ou falta) do Eagle Aircraft Flyer Special

Após convencer Dean Wilson a começar projetar o carro para a Indy de 1982, Turling contratou Kenny Hamilton para não só ser o piloto, mas ajudar a desenvolver o novo modelo. Hamilton era um conhecido nome de competições locais no noroeste americano em midget cars, conhecidos pelas suas gaiolas e que correm em pequenos ovais de terra.

Ele chegou a fazer uma tentativa frustrada de se classificar para a Indy 500 de 1981 com um chassi Riley por uma equipe própria, a Spirit of Idaho. O seu motor Chevrolet estourou antes mesmo dele fazer suas voltas cronometradas e por isso ele ficou com o gosto amargo de ficar fora da sessão. Sendo assim, quando foi convidado por um empresário rico que prometeu um carro sem precisar levar nenhum patrocínio, ele não demorou muito para pensar. Mal sabia ele…

Dean Wilson estava conseguindo sucesso com seus biplanos que voavam baixo nas plantações americanas, mas ele não tinha nenhuma conexão com o que estava acontecendo no mundo do automobilismo. Naquele momento, no começo da década de 80, tanto a F1 como a Indy estavam na louca busca pela otimização do efeito solo e refinamento de seus carros asa.

Na cabeça de Wilson, no entanto, aquilo tudo era papo furado da turminha dos autódromos. Segundo relatos, ele chegou a mostrar um projeto para Hamilton que era muito na linha do que se estava fazendo em Indianápolis e que deixou o piloto contente. Só que algum tempo depois, o projetista teria dito que os resultados em testes de túnel de vento tinham deixado a desejar e que por isso ele tinha um desenho totalmente novo.

Dessa vez, os planos assustaram Hamilton. O novo conceito era bastante estreito, em formato de agulha, o que praticamente acabava com qualquer chance de aproveitamento do efeito solo. O entreeixos era enorme, de 2,99 metros. E mais: o carro não tinha asas nem sidepods para direcionamento do ar. Apenas algumas carenagens em torno das rodas.

Para não estragar o formato “agulha”, Wilson encaixou os radiadores na frente do carro, dentro da asa dianteira. Essa solução, na verdade, não era algo incomum, inclusive vista na F1, porém, nunca se mostrou muito efetiva, pois atrapalhava a função de direcionamento do ar da asa.

Desenho do Eagle Aircraft Flyer Special ignorava os conceitos mais modernos de aerodinâmica
Desenho do Eagle Aircraft Flyer Special ignorava os conceitos mais modernos de aerodinâmica (Foto: IMS)

O que mais chamou a atenção, no entanto, foi certo desprezo com medidas de segurança. Na época, apesar de ainda não utilizar fibra de carbono, que estava apenas começando a aparecer na F1, a maior parte dos carros da Indy usava estrutura do monocoque em formato de colmeia em alumínio.

O Eagle Aircraft Flyer Special era feito com tubos de aço cromo-molibdênio, uma carroceria com placas finas de alumínio e placas de madeira e compensado na traseira. Parecia algo dos anos 60. O cockpit era tão para frente, que os pés do piloto ficavam apenas a 15 cm do final da frente do carro, o que o deixava bastante exposto no caso de uma batida no muro.

Hamilton de cara reclamou com Wilson, como ele mesmo contou em entrevista ao podcast do jornalista Marshall Pruett, tentando o convencer de que para fazer as curvas de Indianápolis em altas velocidades, o carro precisava de asas para ficar estável. O projetista, no entanto, teria respondido que aquilo era besteira, já que o seu chassi não precisava de tal artifício pois utilizava um tal de princípio “efeito ar”, provavelmente inventado por ele mesmo, sem muita explicação.

Vendo que perderia a queda de braço na questão aerodinâmica, Hamilton pelo menos se adiantou na mecânica e usou seus contatos para conseguir pacotes de suspensão, transmissão e motor que já eram utilizados por outros fabricantes de chassis de corrida, antes que Wilson se empolgasse com alguma outra aventura. Dessa forma, o Eagle Aircraft Flyer Special seria equipado com um Chevrolet V8 de 5,8 litros, que gerava em torno de 730 cavalos de potência.

Conceito falho e o fim do projeto

Apesar de ter participado dos treinos das 500 Milhas de Indianápolis do ano anterior, por conta do desenho extremamente atípico do acarro, a organização da prova exigiu que Hamilton participasse das sessões de novatos antes do início dos primeiros treinos livres com o Eagle Aircraft Flyer Special, inscrito por sua equipe.

Eagle Aircraft Flyer se mostrou problemático desde as primeiras voltas em Indianápolis (Foto: IMS)

E assim que entrou na pista, todos os medos de Hamilton se comprovaram. O carro era totalmente instável. Ele não produzia quase nenhuma pressão aerodinâmica e seu longuíssimo entreeixos fazia a traseira deslisar o tempo todo. Nas primeiras voltas, Hamilton conseguiu uma média de 281 km/h. Isso era 30 km/h mais lento que a pole do ano anterior. Além disso, a média mínima para poder se classificar para o grid era de 305 km/h, também muito longe.

Cansado da teimosia de Wilson, Hamilton resolveu apelar para os conhecidos de Indianápolis e conseguiu que um loja de competição local construísse uma asa traseira de última hora para ele colocar no carro. O próprio piloto pagou do bolso U$ 1.000,00 pela peça e a levou para o autódromo para ser instalada.

Hamilton partiu para a pista com o novo dispositivo, mas pouco conseguiu melhorar, agora para 292 km/h. Mas já era algo. Talvez com mais alguns ajustes, ele até poderia tentar algo na classificação.

Na sessão livre seguinte, no entanto, em sua primeira volta lançada, ele rodou na curva um, passou perto do muro e acabou parado no gramado da área interna da pista, sem bater em nada. O carro foi rebocado, e quando chegou ao box, Hamilton foi informado por seus mecânicos que Wilson tinha mexido na geometria da suspensão sem avisar o piloto.

Lógico que Hamilton ficou furioso e foi dizer algumas “verdades” para o projetista, que cada vez mais se mostrava mais um curioso do que qualquer outra coisa. O piloto ainda tentaria uma terceira volta lançada em Indianápolis, mas rodou novamente, agora na curva quatro. Percebendo que estava colocando sua vida em risco, ele imediatamente abortou o projeto.

Ken Hamilton sendo rebocado em Indianápolis com seu Eagle Aircraft Flyer Special
Ken Hamilton sendo rebocado em Indianápolis com seu Eagle Aircraft Flyer Special (Foto IMS)

Avisou os mecânicos e mandou Wilson voltar para Idaho, provavelmente de uma forma não muito amistosa. Ele ainda tentou alugar um March para competir, mas não conseguiu orçamento. Assim, Hamilton desistiu de participar da corrida.

No final das contas, de forma até curiosa, nos acertos de conta, ele ainda acabou ficando, meio a contragosto, com o Eagle Aircraft Flyer Special. Ele vendeu tudo que tinha algum valor, como motor, radiadores e outras peças que poderiam ser utilizadas em outros carros. E deixou o chassi abandonado em uma de suas lojas de pinturas automotivas.

Anos mais tarde, o filho de Hamilton, Davey, estava negociando uma participação nas 500 Milhas de 1991 pela equipe Hemelgarn Racing. O acordo não saiu, mas o dono do time, Ron Hemelgarn, lembrou da história do Eagle Aircraft Flyer Special e pediu para Davey perguntar se o pai tinha interesse em vender o chassi. Claro que Hamilton nem pensou muito e aceitou a proposta.

O carro foi levado para a cidade de Toledo, em Ohio, onde foi restaurado e passou a fazer parte da coleção particular de carros históricos de Hemelgarn, onde está em uma exposição permanente desde 2000.

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