Pacto de Concórdia: o que é e por que é tão importante para a F1
A F1 anunciou nesta quarta-feira (19) que todas as 10 equipes do campeonato assinaram o novo Pacto de Concórdia. O acordo passa a reger as regras comerciais e de governança da categoria de 2021 a 25.
Isso quer dizer basicamente que não só todos os times concordaram com ideias da atual proprietária da F1, a Liberty, já que o atual Pacto de Concórdia foi assinado ainda na era Bernie Ecclestone, como também se comprometeram com o campeonato para os próximos cinco anos. Então temos a garantia de que ninguém certamente deixará o Mundial neste período? Não necessariamente, mas no mínimo terá que encontrar um comprador para seu lugar ou declarar falência.
A assinatura dos contratos é mais uma enorme vitória para a Liberty, que desde que assumiu o controle comercial da F1, vem realizando reformas estruturais no campeonato. Ela já tinha passado também por um novo regulamento técnico que será implementado em 2022 e o teto de gastos que entra em vigor em 21.
“Todos os nossos fãs querem ver corridas mais acirradas, roda-a-roda e com todas as equipes tendo a chance de chegarem ao pódio. O novo Pacto de Concórdia, em conjunto com o regulamento de 2022, será a fundação para fazer com que isso se torne realidade e criar um ambiente que é financeiramente mais justo e que irá diminuir a diferença entre as equipes na pista”, declarou Chase Carey, presidente da F1.
Ok, tudo muito bom e muito bonito, mas final, o que é esse tal Pacto de Concórdia que os dirigentes prometem revolucionar tanto a F1? Vamos explicar.
O histórico do Pacto de Concórdia
Antes de entendermos as mudanças para o próximo quinquênio, é preciso entender o que é e de onde vem o conceito do Pacto de Concórdia. Para se compreender a importância dele, podemos resumir dizendo que é a pedra fundamental da F1 moderna, que transformou um campeonato de corrida de carros em um grande evento internacional que fatura bilhões de dólares.
Até o final da década de 1970, a F1 era basicamente um torneio regulamentado pela FIA e sem um comando central. A entidade basicamente decidia o regulamento técnico e esportivo, os promotores dos GPs pagavam às equipes e pilotos para comparecerem às suas corridas, as TVs fechavam com estes seus acordos de transmissão e bola para frente.
Foi neste momento que Bernie Ecclestone, então proprietário da Brabham, percebeu que ele podia tomar as rédeas da situação e organizar a festa. Junto com Max Mosley, um dos fundadores da March (ele é o “M” do nome da empresa), ele assumiu o controle da Foca (Associação dos Construtores da F1) e partiu para briga contra a FISA, braço esportivo da FIA que anos mais tarde seria dissolvido, que era liderada pelo polêmico dirigente francês Jean-Marie Balestre. Ferrari, Alfa Romeo e Renault, como montadoras e obrigações extra competição, não se alinharam com a Foca.
A guerra teve suas baixas pelo caminho, incluindo corridas canceladas e boicotadas. O GP da Espanha de 1980 foi um caso importante. A FISA resolveu multar e cassar as licenças dos pilotos de equipes da Foca que não participaram dos briefings do GP da Bélgica e Mônaco, em movimento orquestrado pelos dirigentes dos times.
O rei da Espanha, Juan Carlos, teve que entrar na parada para costurar uma solução para que a corrida no quintal de seu palácio não fosse cancelada de última hora. Assim, as equipes da Foca participaram da prova em Jarama, mas não contou pontos para o Mundial e foi considerada um evento extracampeonato.
A equipes independentes que formavam a associação chegaram a tentar romper de forma definitiva com a FISA e F1, e fundaram em novembro de 1980 a Federação Mundial do Automobilismo, com a pretensão de criar um campeonato paralelo, o que não foi para frente por falta de interesse das montadoras, imprensa e público.
Com patrocinadores e até mesmo fornecedores como a Goodyear começando ameaçar a deixar o campeonato e tudo indicando para um colapso da F1, Bernie Ecclestone organizou às pressas em janeiro de 1981 um encontro entre as equipes da Foca, montadoras, Balestre e outros dirigentes importantes da FIA e FISA para buscar um alinhamento.
Depois de 13 horas ininterruptas de discussão, o resultado foi o Pacto de Concórdia, que ganhou esse nome por ter sido concebido e assinado na sede da FIA, que fica na Praça da Concórdia, em Paris. Neste primeiro acordo, que seguiu sempre confidencial em seus detalhes, os signatários concordaram que a Foca passaria a comercializar os direitos de transmissão das corridas de F1 e acordos com promotores dos GPs, que as etapas passariam a respeitar uma padronização de organização de formato e horários, que cada time teria que construir seu próprio carro, entre outras questões.
A FIA seguiria a entidade regulamentadora e que teria o poder de decisões do aspecto técnico, mas se comprometia em respeitar a voz das equipes para aprovação das regras, dentro de uma nova governança, além de manter a estabilidade do regulamento por um tempo pré-determinado para proteger as equipes de constantes mudanças e exigência de novos investimentos. Este acordo expiraria em 31 de dezembro de 1987, quando as partes seriam obrigadas a fecharem um novo pacto.
Desde então, de tempos em tempos, o Pacto de Concórdia é renovado e reformado dependendo das novas necessidades de cada época e da opinião dos novos participantes da F1.
Reforma sob a Liberty
A Liberty Media adquiriu a F1 em 2017 e desde o início de sua gestão passou a trabalhar em um novo formato para o Pacto de Concórdia. O que ainda está em vigor tem como prazo final 31 de dezembro de 2020.
Historicamente, todos os acordos assinados entre F1, FIA e equipes são confidenciais e nunca tiveram seus itens oficialmente revelados, apesar de muitos terem vazado com os anos. E um dos maiores problemas sempre foi a divisão das verbas distribuídas pela categoria, vindas de seus acordos comerciais, entre acionistas e equipes, e entre as próprias equipes.
Durante os anos, Bernie Ecclestone fez acordos da forma como achava melhor e que principalmente conseguisse prender alguns participantes no campeonato, sem observar necessariamente o que era mais saudável para disputa dentro da pista. Desta forma, a Ferrari sempre saiu bastante fortalecida, negociando seus pontos quase que de forma independente (apesar de publicamente muitas vezes se dizer alinhada com seus concorrentes). Além da premiação normal por seus resultados, a equipe de Maranello passou a ter direito a uma espécie de luva nas assinaturas e um dinheiro extra a cada temporada justificado como verba por importância histórica e outros nomes nesta linha. Além disso, o time italiano também tem um direito de veto em discussões sobre o regulamento, mesmo que esteja isolada.
Com o passar do tempo, outros times também conseguiram arrancar uma verba a mais de Ecclestone, principalmente os times que tinham títulos mundiais como Williams, McLaren e depois a Mercedes, porém, sempre muito longe do que a Ferrari tinha. Isso passou a criar anomalias como o fato da Force India ser a quarta colocada no campeonato de construtores por três anos consecutivos e mesmo assim continuar recebendo menos do que rivais como a McLaren, que andou frequentando a parte de trás do grid.
A Liberty entende que tamanha disparidade financeira causava dois sérios problemas no médio prazo. O primeiro era da saúde financeira das equipes, já que algumas nunca teriam o dinheiro das concorrentes e assim precisavam investir sem ter de onde tirar dinheiro. E o segundo, claro, era dentro da pista, já que por mais que uma Force India conseguisse por um período emplacar uma sequência de boa fase, os times grandes sempre teriam uma vantagem quase que injusta do ponto de vista financeiro.
A ideia passou a ser de diminuir os bônus de times como Ferrari, McLaren e Mercedes, distribuir as verbas de uma forma mais justa perante os resultados nos campeonatos de construtores, porém, com uma disparidade menor para permitir que times pequenos possam sobreviver e terem capacidade de investimento para crescerem.
Além disso tudo, a proprietária da F1 também queria reformar a governança, para evitar que o veto de uma equipe (algumas mudanças de regulamento exigiam unanimidade) pudesse adiar ou comprometer alterações importantes. E incluir todos na discussão, já que o último Pacto de Concórdia não dava cadeira para todas as equipes na mesa de negociação sobre regulamento técnico.
E a questão toda era convencer quem tinha a perder, como a Ferrari, de que uma F1 mais forte no geral seria benéfica para todos no médio prazo. Não adianta a Ferrari receber mais dinheiro se daqui uns anos a categoria não atrair mais fãs e interesse de mídia, o que a faria faturar menos e atrair menos patrocinadores.
Ninguém acredita que os times que ganhavam algo a mais zeraram estes bônus, porém, segundo declarações públicas de representantes, parece que a Liberty conseguiu convencer de alguma forma a pelo menos diminuir a distância entre os participantes.
Mais uma vez, os termos do novo acordo são confidenciais, mas, pelo menos seguindo o discurso de todos, parece que no mínimo alguma evolução nestes pontos críticos foi alcançado. Claro que é ingenuidade acreditar em uma mudança radical no status quo em um ou dois anos. Porém, no médio prazo, somado ao teto orçamentário, o novo Pacto de Concórdia, se realmente segue os preceitos defendidos publicamente pela F1, pode trazer em algum tempo benefícios para a competição de uma forma que não vemos em décadas na categoria.
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