Sai Globo e entra… A mudança dos direitos de TV da F1 no Brasil
Na última semana, uma informação que começou a circular há alguns meses foi confirmada sobre as transmissões da F1 para o Brasil: a TV Globo não terá mais a categoria em sua grade a partir de 2021. A emissora carioca era responsável por levar as imagens do Mundial desde os anos 70, com a única exceção da temporada de 1980, que passou na Band.
As negociações entre Globo e F1 vinham se arrastando fazia um tempo. O primeiro sinal de que existiam problemas foi quando a empresa brasileira não fechou para transmitir em 2020 a F2, que há anos passava ao vivo no Sportv. Segundo o Projeto Motor apurou, o problema foi a pedida da categoria, administrada por executivos apontados pela empresa Liberty Media, grupo que adquiriu o controle da companhia que detém os direitos comerciais do campeonato.
O contrato entre Globo e F1 termina ao final desta temporada e diversos fatores começaram a pesar na negociação. Apesar de ter lucro com as cotas de publicidade, que normalmente são vendidas facilmente por conta da grande visibilidade dos anunciantes não só durante as transmissões, mas em faixas de grande audiência do canal como Jornal Nacional e Fantástico, a Globo assumiu uma posição um pouco mais cautelosa.
E isso não vale apenas para a F1, mas para todas as discussões sobre direitos esportivos e principalmente os internacionais. Uma das questões é o valor do dólar, que em setembro de 2016 chegou a bater em R$ 3,20 e hoje está por volta de R$ 5,50. A Globo também vem discutindo de forma bastante dura os direitos de futebol de campeonatos como Libertadores e Copa do Mundo. No Sportv, ela já tinha deixado de renovar com a MotoGP e o circuito Masters 1000 de tênis.
Diante da mudança do valor dos contratos por conta do estouro do dólar, a Globo fez uma proposta e a F1 respondeu com um adicional em moeda americana ao que a emissora vinha pagando antes. Além disso, a categoria também quer (e vai) lançar no Brasil seu pacote F1 TV, um streaming próprio com transmissões do campeonato, entre outros serviços. Alguns deles até já estão disponíveis no país como corridas antigas, reprises das etapas recentes e edição com melhores momentos.
Ou seja, estamos falando de mais dinheiro e ainda uma concorrência. A Globo então resolveu fincar o pé no valor máximo que estava disposta a pagar, que segundo algumas fontes, seria de U$ 20 milhões. A F1, do outro lado, começou a sondar possíveis concorrentes à emissora carioca tentando esquentar a disputa. No entanto, descobriu que são poucos os grupos de mídia brasileiros que possuem condições financeiras para uma empreitada como esta. Sabe-se que Record e Band foram consultadas e até mostraram interesse, mas não se mostraram dispostas a pagar as quantias pedidas.
Além disso, o próprio mercado publicitário se mostrou claudicante com a possível mudança, pois apesar de considerar o pacote F1 na Globo bastante interessante, ele só é por conta do espaço de mídia em horários nobres da TV do Jardim Botânico, com audiências que as concorrentes simplesmente não possuem. Isso sem considerar ainda todo o trabalho que a empresa também faz de visibilidade para as corridas no Sportv e no Globo Esporte.com, que simplesmente não existiria.
Entra a Rio Motorsports na briga pela F1
Paralelamente a todo este caso, existe também uma grande negociação sobre o GP do Brasil, do qual a Globo até já foi sócia da atual empresa promotora, e no qual anualmente faz parcerias por camarotes para parceiros comerciais, entre outras ações.
O contrato da cidade de São Paulo para receber a etapa também termina em 2020 e a corrida deste ano já foi cancelada pela F1, que alegou que a pandemia inviabiliza sua realização. A prefeitura paulistana e o governo do Estado de São Paulo, junto com o promotor Tamas Rohonyi, tentam manter a corrida em Interlagos. Porém, Rohonyi não é visto com bons olhos pela Liberty por ser bastante ligado a Bernie Ecclestone, antigo administrador da F1, e por isso a categoria não só endureceu a conversa como passou a buscar uma opção. A ideia, desde que a empresa assumiu o controle do campeonato, foi de encontrar novos parceiros no Brasil e isso acabaria acarretando em mudanças drásticas.
Surgiu então uma alternativa de prova no Rio Janeiro, em um autódromo a ser construído no bairro de Deodoro, na zona oeste carioca. A área é de propriedade do Exército, que a repassou à prefeitura local para a obra. A licitação realizada em 2019 teve apenas uma interessada, a Rio Motorpark Holding S.A, que utiliza o nome fantasia Rio Motorsports. Os sócios da empresa são Jose Antonio Soares Pereira Junior, presidente e rosto que aparece mais, incluindo em reuniões com o presidente Jair Bolsonaro sobre o tema, e Jeferson Sidnei Santos Salles, diretor.
A empresa venceu assim a concorrência para uma Parceria Público Privada em que constrói o autódromo e poderá explorar a área por um período de pelo menos 35 anos, que pode ser renovado. O acordo está em fase final para ser oficializado, com uma audiência pública de debate sobre o processo tendo sido realizada no último 12 de agosto. Ambientalistas defendem que se escolha outro local para obra por conta da necessidade de desmatamento da Floresta do Camboatá e a discussão prossegue.
Confiante na evolução e concretização de seu projeto, a Rio Motorsports assinou um contrato para receber a MotoGP a partir de 2022 e passou negociar com a F1 para também sediar a etapa do Mundial de monopostos a partir de 21. A companhia fez uma proposta acima dos valores oferecidos por São Paulo montada em cima de um projeto de incentivo fiscal do Estado do Rio de Janeiro, assinado pelo então governador Wilson Witzel, afastado na última semana do cargo pelo STJ, e que pode chegar a R$ 302 milhões para pagamento das taxas à F1 nos dois primeiros anos do evento.
Segundo o Projeto Motor apurou, o acordo entre Rio Motorsports e F1 só não foi anunciado ainda porque a categoria aguarda a liberação do início da construção do circuito em Deodoro, e mantém São Paulo, por enquanto, como uma alternativa para o caso do projeto ter algum problema. A opção inclusive de não se ter GP do Brasil em 2021 está na mesa.
A Rio Motorsports, no entanto, passou a mostrar outros interesses para controlar toda a imagem em torno da F1 no Brasil e entrou também na briga pelos direitos de TV com a Globo. Em abril, inclusive, ela tentou a aquisição da Fox Sports, empresa que foi comprada pelo Grupo Disney na aquisição internacional da Fox. A Disney, segundo norma do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), precisaria vender o canal por já ser dona da ESPN, mas após um ano sem interessados, ela resolveu pedir autorização para uma fusão.
A Fox Sports já vem desde 2020 transmitindo a MotoGP em um acordo justamente com a Rio Motorsports, que também adquiriu os direitos do Mundial de Motovelocidade para o Brasil. Só que a Disney não aceitou avançar com a conversa, e recebeu o apoio do Cade, porque a Rio Motorsports não apresentou garantias nem documentação necessária para demonstrar que tem capacidade financeira de realizar não só a aquisição como de manter depois o canal. A Rio Motorsports entrou com o pedido de impugnação da decisão e aguarda o desenrolar dos fatos.
De qualquer maneira, segundo relatos tanto publicados na imprensa brasileira como ouvidos pela equipe do Projeto Motor de pessoas ligadas à Globo e empresas patrocinadoras da F1 no Brasil, a negociação da Rio Motorsports para ficar com os direitos de transmissão da categoria no país também está bastante avançada.
Estratégia da Rio Motorsports para a F1
Mesmo que não seja proprietária de um canal para transmitir a F1, a Rio Motorsports tem um grande interesse na aquisição dos direitos de transmissão da categoria por questões comerciais. Hoje, por exemplo, a Heineken patrocina a F1, o GP do Brasil, porém, a Itaipava é dona da cota de publicidade do espaço na Globo. É um caso que coincidentemente ouvimos de várias fontes diferentes, o que significa que deve ser bastante repetido nas conversas internas e entre as partes.
Sabemos que é um exemplo emblemático porque a cervejaria holandesa há tempos tenta comprar uma cota da transmissão da Globo, porém, a emissora carioca tem como política comercial de dar vantagem para atuais parceiros renovarem. Assim, se uma companhia de determinado setor não desistir de seu patrocínio, outra não consegue entrar. Algo semelhante também acontece com o lugar da Renault, que é desejado pela Fiat, e até no futebol, com o Bradesco, que aguarda uma brecha do Itaú.
A Rio Motorporsts acredita que pode lucrar mais se oferecer um pacote completo de TV e GP do Brasil (o que inclui mídia e camarotes) para as empresas interessadas. Assim, os cotistas teriam seus nomes em todas as propriedades vinculadas à F1 no país.
E onde a F1 passaria? Como teria um lucro com o pacote conjugado, a companhia poderia repassar a transmissão com o pacote comercial amarrado em uma parceria para algum interessado em ter o campeonato em sua grade, o que poderia ser qualquer emissora, incluindo a própria Globo.
Ou seja, o canal, seja qual for, receberia para transmitir a corrida (como se fosse uma compra de espaço) ou pode fazer um acordo em que divide as cotas comerciais. Um exemplo hipotético, a Rio Motorsports venderia e ficaria com o valor de três anunciantes e a emissora de outras três, sendo que alguém teria a preferência no caso de interessadas concorrentes de um mesmo setor da economia.
Se um acordo for alcançado, nada exclui a própria Globo de transmitir a F1 através da Rio Motorsports. A questão, no entanto, pode ser um pouco complexa, já que a emissora pode ser obrigada a aceitar um pacote de acordos comerciais do qual não necessariamente teria total controle.
Outras alternativas da Rio Motorsports, a princípio, seriam Record e Band, além dos canais fechados da Disney, o que tiraria a F1 da TV aberta brasileira pela primeira vez desde que as transmissões começaram, no início dos anos 70. O que é certo, de qualquer maneira, é que a categoria irá lançar seu serviço de streaming, o F1 TV, seja quem for a parceira.
Existe chance de uma reviravolta?
O projeto da Rio Motorsports, claro, depende muito da evolução do autódromo de Deodoro. Sem ele, a estratégia teria que ser repensada. Mas não exclui o interesse da empresa em direitos esportivos. Ela já possui da MotoGP e poderia completar a aquisição dos da F1 e trabalhar de forma parecida com a qual explicamos acima.
A Globo, como já citamos, assumiu uma nova postura de endurecer nas negociações, seja qual for o esporte. Isso não tem nada a ver, como alguns boatos circulam, com uma possível dificuldade financeira da emissora. Bem pelo contrário. A empresa segue lucrativa e com baixo endividamento. Segundo balanços dos últimos dois anos, a companhia carioca tem faturamento acima dos R$ 14 bilhões, um caixa líquido de R$ 10 bilhões e uma dívida de apenas R$ 3 bilhões, sendo a maior parte de longo prazo.
Então, por que tantos cortes de direitos e demissões do jornalismo e de artistas? Simples, a receita da Globo caiu entre 2018 e 19 e a empresa identificou que isso pode continuar acontecendo nos próximos anos por conta da mudança do mercado com a chegada dos serviços de streaming (Netflix, Disney+, HBO Max e etc). Isso era um movimento que já vinha sendo monitorado e o impacto da pandemia no mercado publicitário pode ter acelerado o processo de decisão sobre novas mudanças.
Por isso, a Globo tem cortado custo fixo, unificado estruturas sobrepostas (equipes diferentes por exemplo de Sportv, GE.com e TV Globo para cobrir os mesmos eventos) e reduzido gastos com direitos de transmissão que não tragam grande rentabilidade, que sejam arriscados comercialmente ou que estejam muito inflacionados. Tudo por um novo modelo de negócios, com um investimento pesado na plataforma Globo Play. No esporte, existe ainda uma aposta em E-sports, com o Sportv aumentando cada vez mais seu espaço para transmissões do tipo. Para 2021, já estão previstos novos eventos e o Sportv 3 deve se tornar quase que uma casa da modalidade.
A equipe de automobilismo do jornalismo da empresa carioca recebeu a informação que segue com a cobertura normal e o com mesmo espaço até o final de 2020 em todas as plataformas (Globo, Sportv, GE.com e etc) e que a princípio o espaço diminui em 21 com a saída da F1 da grade, porém, o acompanhamento com interesse jornalístico seguirá existindo.
Com este cenário, sim, a Globo pode voltar a transmitir a F1, porém, a categoria terá que se enquadrar no novo momento da emissora. A alternativa é se contentar em ficar em um canal aberto com menos alcance, se esconder na TV paga ou, no cenário mais improvável, simplesmente sumir da televisão brasileira ao ficar apenas no streaming, assinado por fãs mais assíduos.
Procuramos a F1 para uma posição oficial sobre a situação e a assessoria de imprensa da categoria respondeu apenas “infelizmente, não comentamos acordos ou negociações comerciais”.
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