Como Yuji Ide teve uma passagem desastrosa pela F1 em 2006
Yuji Ide teve uma passagem curta, mas desastrosa pela F1. O japonês competiu por quatro GPs em 2006, pela novata equipe Super Aguri, mas deixou a categoria depois de algumas trapalhadas que o fizeram ser expulso do grid e virar motivo de chacota.
Inclusive, o nome de Ide é frequentemente lembrado por fãs em discussões sobre os piores pilotos que já passaram pelo Mundial. Mas a sua má reputação é justa? Ou ele teve azar em entrar em um projeto que era uma barca furada, no momento errado de sua carreira?
Antes de chegar à resposta, é preciso entender o contexto em que sua passagem pela F1 aconteceu. Ao longo de 2005, o ex-piloto Aguri Suzuki traçava ao lado da Honda um plano de estabelecer uma espécie de equipe-satélite da fabricante japonesa a partir de 2006. O projeto já começava a sair do papel: a sede seria em Leafield, antigo prédio da finada Arrows, com o objetivo original de usar uma versão modificada do mesmo chassi da Honda de 2006.
Para isso, a equipe precisaria de uma liberação especial das concorrentes, já que o compartilhamento de chassis entre dois times era (e é até hoje) proibido pelo Pacto de Concórdia. Mas, logo de cara, já veio o primeiro revés: as equipes não autorizaram a Super Aguri a dividir o chassi com sua “irmã”. Assim, o novo time teria de arrumar um outro carro em um espaço curto de tempo para poder competir em 2006.
A solução foi inesperada. A Aguri compraria dois chassis da Arrows de 2002 (um carro que sequer era competitivo em sua época) para adaptá-los ao motor Honda e ao regulamento de 2006. Uma curiosidade: estes chassis eram de propriedade de Paul Stoddart, ex-chefe da Minardi, sendo que um destes carros estava sendo usado como modelo de exposição no aeroporto de Melbourne ao longo de 2005, pintado com as cores da equipe italiana. Todos estes acontecimentos fizeram com que a Super Aguri só tivesse sua vaga confirmada oficialmente no grid de 2006 no dia 26 de janeiro, o que era relativamente tarde para uma preparação adequada.
O currículo de Yuji Ide
Ainda faltava à Super Aguri definir os seus pilotos. Um deles era uma escolha até que óbvia: Takuma Sato. Japonês, ligado à Honda, com experiência na F1 (incluindo até um pódio) e livre no mercado para 2006. Já quanto à segunda vaga, havia outros candidatos: Anthony Davidson (reserva da Honda), Adam Carroll (da GP2 e piloto de testes da BAR em 2005) e Kosuke Matsuura (da equipe de Aguri na IRL), eram apontados como alguns dos favoritos. Mas, no dia 15 de fevereiro (25 dias antes da primeira corrida do ano), a Super Aguri confirmou que o escolhido era Yuji Ide. Quem?
O piloto atuava no automobilismo japonês e até que tinha um retrospecto razoável. Em 2001, ele ficou em quinto no prestigioso GP de Macau de F3 – corrida que foi vencida pelo mesmo Takuma Sato. Em 2004, Ide foi terceiro colocado na F-Nippon, atual Super Fórmula, inclusive superando seu companheiro de equipe, Benoît Tréluyer, que anos mais tarde venceria as 24 Horas de Le Mans por três vezes com a Audi. Em 2005, Ide foi vice-campeão da mesma categoria, duas posições à frente do consagrado André Lotterer, outro que se consagraria em La Sarthe. Outro ponto que contava a favor de Ide, obviamente, era o fato de ser um japonês, o que ajudava a Super Aguri a se promover no país com uma dupla 100% nipônica.
Mas havia alguns pontos que já geravam grande desconfiança em torno do piloto. Primeiro, ele já tinha 31 anos, idade considerada avançada para um estreante e que o tornava no sétimo nome mais velho do grid de 2006.
Segundo, Ide não falava inglês. As conversas de dentro do carro tinham de ser feitas em japonês para Aguri Suzuki, que então traduziria as informações em inglês para seu engenheiro Toni Cuquerella, o que deixava a comunicação mais extensa e complicada. Terceiro, Ide não tinha experiência alguma com um carro de F1. E quarto, toda sua adaptação à categoria iria acontecer em um carro com quatro anos de defasagem. Para piorar, a Super Aguri nem teve tempo de fazer um banco do carro exclusivo para Ide, de modo que o japonês teve de usar uma versão modificada do assento que era de Heinz-Harald Frentzen ainda nos tempos de Arrows, em 2002. É, não seria nada fácil.
Um começo todo atrapalhado
Como todos os preparativos aconteceram em cima da hora, a Super Aguri teve tempo de participar de somente uma sessão da pré-temporada, em Barcelona, com o carro ainda com as configurações originais de 2002. E o treino foi repleto de problemas mecânicos. No único dia em que foi à pista, em 22 de fevereiro, Ide completou apenas 44 voltas e marcou um tempo 10 segundos mais lento que Jenson Button, da Honda, o mais veloz da semana.
Ide ainda daria mais três voltas em Silverstone para experimentar pela primeira vez o carro já adaptado paras regras aerodinâmicas de 2006, e foi só. O próximo compromisso seria já no primeiro treino livre de seu GP de estreia.
Apesar de todos os reveses, Ide não se mostrava preocupado. Ele considerou que o salto para a F1 não seria tão difícil quanto o que ele deu da F3 para a F-Nippon, sendo que seria só uma questão de aprender as novas pistas.
Só que não era bem assim. Como não existem milagres na F1, a Super Aguri era muito mais lenta do que todas as outras concorrentes no GP do Bahrein, e Ide, por sua vez, também andava longe do ritmo de Sato. Na classificação, o estreante ficou com o pior tempo, 2s8 atrás do companheiro de equipe e 7s8 distante da marca de Fernando Alonso na volta mais rápida do Q1. Na corrida, Ide quase atropelou seus mecânicos durante um pitstop e abandonou mais tarde com um problema de motor.
O otimismo era um pouco maior para o GP da Malásia, já que Ide conhecia a pista de Sepang dos tempos de Fórmula Nippon. Só que não mudou muito: novamente a diferença era grande para Sato na classificação, agora em 1s7, e mais uma vez Ide abandonou na corrida com problemas de motor.
A terceira parada da F1 seria em Melbourne, uma pista mais difícil e traiçoeira. As expectativas, que já não eram das melhores, foram confirmadas: Ide escapou da pista mais de uma vez no Q1, provocou uma bandeira vermelha e ainda por cima atrapalhou uma volta rápida de Rubens Barrichello, o que eliminou o brasileiro da sessão – lembrando que Barrichello era piloto da Honda, equipe irmã da Super Aguri. No fim, ele terminou a tomada de tempos a incríveis 3s8 de Sato. Já a corrida teve um único ponto positivo: Ide conseguiu receber a bandeirada, mesmo que a uma volta de Sato.
Posição dentro da F1 em risco
Ide já chegou à temporada europeia sob grande pressão (Foto: Reprodução/yuji-ide.com)
O desempenho ruim e os erros de Ide nas três primeiras corridas do ano causavam incômodo. A Super Aguri comentou que iria dar uma sessão de testes ao piloto em Barcelona para que ele acumulasse mais quilometragem e se acostumasse com o carro. Caso o rendimento continuasse apagado no começo da temporada europeia, a equipe estaria “pronta para tomar ações” a respeito.
O problema é que o teste não se concretizou: o obsoleto modelo SA05 enfrentou problemas mecânicos na mão de Sato, nas primeiras horas da sessão, e a Super Aguri não conseguiu fazer os reparos a tempo para colocar Ide na pista.
A etapa seguinte foi em Imola. Em um circuito estreito, sinuoso e ondulado, Ide deu mais algumas escapadas no fim de semana e se classificou a 1s6 de Sato – diferença ainda grande, mas pelo menos era a menor entre todas as outras classificações. Só que na corrida as coisas pioraram.
Apenas na sexta curva após a largada, Ide tentou mergulhar por dentro da Midland de Christijan Albers. A manobra desastrada resultou em um toque, o que fez com que o holandês capotasse por várias vezes e desse um susto. O japonês abandonaria voltas mais tarde com problemas na suspensão.
A reação imediata de Ide foi de “sacudir a poeira” e seguir em frente. “Eu não acho que estava forçando demais na largada, mas quando eu estava saindo da segunda chicane, Albers estava na minha trajetória e não pude evitar o contato com seu carro”, descreveu. “Meus tempos de volta estavam um pouco mais rápidos neste fim de semana, então quero manter o meu ritmo e melhorar na próxima corrida.”
Albers, mesmo irritado, mostrou empatia pela situação de Ide, uma vez que o japonês era cada vez mais contestado dentro do paddock. “Eu espero que ele possa permanecer [na F1], porque acho que todos que são novos na F1 deveriam ter uma chance”, comentou o holandês. Os comissários do GP de San Marino inicialmente aplicaram uma reprimenda no piloto japonês por conta do acidente.
Fim da linha para Ide
Ide se preparava normalmente para a quinta etapa do campeonato, em Nurburgring, mas na véspera do início dos treinos as coisas viraram de cabeça para baixo. A FIA aconselhou a Super Aguri a tirar o japonês do cockpit de titular e lhe dar mais oportunidades em testes para depois, quem sabe, colocá-lo de volta para correr. A equipe acatou a dica e colocou no lugar de Ide Franck Montagny, que foi piloto de testes da Renault por vários anos. O francês, mesmo tendo problemas durante a classificação, mostrou um ritmo muito mais competitivo do que vinha fazendo Ide, sendo que seu déficit para Sato estava na casa de poucos décimos de segundo.
Só que a história ainda não tinha acabado. A Super Aguri pediu clarificações da FIA para saber se poderia colocar Ide novamente no cockpit no GP da Espanha, a sexta corrida do ano. No dia 10 de maio, a entidade deu o golpe de misericórdia: ela confirmou que cassou a Superlicença de Ide, de modo que o japonês não poderia mais competir na F1 em 2006.
Os sentimentos foram mistos no paddock da F1. A Super Aguri lamentou a decisão: “É com tristeza e lamentação que a equipe aceita a decisão. No entanto, Aguri Suzuki continuará buscando por oportunidades para Yuji”, disse a equipe em comunicado.
Já Kimi Raikkonen, geralmente comedido com as palavras, até mostrou certo alívio. “Em Mônaco, poderia ter sido um desastre. Ele é um cara legal, mas era bem lento. Ele rodava tanto que você nunca sabia se ele iria rodar à sua frente quando você estava perto dele”, disse o então piloto da McLaren.
Nick Heidfeld, da BMW, acrescentou: “Sem querer julgar sua pilotagem, mas não acho que mudaria muito se ele testasse mais.” O fato é que nunca saberemos se mais testes fariam alguma diferença, pois Ide nunca guiaria um carro de F1 novamente e sua passagem pela categoria estava definitivamente acabada
Comentários