Curva inclinada do circuito de Avus

AVUS: quando a F1 correu em um dos circuitos mais insanos da história

Chega a ser recorrente vermos fãs sonhando ou imaginando como seria uma corrida da F1 em algum circuito exótico ou de importância para o automobilismo geral em que a categoria nunca correu. Nós mesmos já fizemos isso aqui no Projeto Motor. Por outro lado, é legal também lembrar o dia em que ela teve a chance de andar em uma das pistas mais interessantes e loucas da história: AVUS.

A experiência aconteceu há 60 anos, no campeonato de 1959, mais exatamente no dia 2 de agosto. O traçado de AVUS foi sede do GP da Alemanha, que em suas sete edições anteriores dentro do campeonato da F1 tinha acontecido em Nurburgring. O circuito, no entanto, já tinha sido palco da prova antes, em 1926, justamente no primeiro GP da Alemanha da história.

A construção de AVUS, localizado nas cercanias de Berlin, começou em 1907, financiada pelo Automóvel Club da Alemanha (KAC). O nome é uma sigla para Automobil-Verkehrs- und Übungsstraße (Estrada de Automóveis e Pista de Treinos, em tradução livre). A obra foi paralisada durante o período da Grande Guerra e retomada depois graças a alguns empresários locais. A pista foi finalmente inaugurada em 24 de setembro de 1921, contando ainda com um grande portão de entrada e arquibancadas para o público.

E agora entramos na parte interessante: por que esta pista era tão insana. O circuito original de AVUS tinha 19,5 km e consistia basicamente de duas retas imensas (cada uma com quase a metade da extensão do traçado) e dois hairpins de cada lado. O primeiro, a Curva Sul, era mais fechado, exigindo uma forte freada. A tomada Norte era uma sequência de três curvas, uma para direita para aumentar o raio e depois duas para esquerda, e tinha um contorno mais aberto e de mais velocidade.

Versão do circuito de AVUS que receberia a F1 em 1959
Versão do circuito de AVUS que receberia a F1 em 1959

Logo nos primeiros treinos para abertura da pista, em 1921, vários acidentes aconteceram. A corrida foi realizada sob forte chuva e três comissários de pista acabaram morrendo quando Adolf Rosenberger, um dos grandes pilotos do período, perdeu o controle de sua Mercedes e bateu no posto dos fiscais. A prova foi vencida por outro ícone do automobilismo alemão, Rudolf Caracciola.

Por incrível que pareça, motos também competiam no traçado, e AVUS, por alguns poucos anos, foi considerado o grande traçado alemão, sendo escolhido inclusive para ser sede do GP da Alemanha de 26. Só que após tantos acidentes, em 27, a prova foi realocada para Nurburgring, considerada uma pista mais segura. E olha que estamos falando da velha Nurburgring, com um traçado de 28 km e 187(!) curvas.

AVUS continuou funcionando normalmente e recebendo provas nacionais e até mesmo alguns eventos internacionais. Quando não era pista de corrida, suas duas retas eram utilizadas como uma via pública. E aí vale a curiosidade: ela é considera a estrada expressa mais antiga da Europa, ainda fazendo parte da Bundesautobahn 115, uma espécie de Anel Viário de Berlim.

A pista passou por algumas adequações durante a década de 30 com o intuito de deixar o traçado ainda mais rápido e desafiador. A Curva Norte ganhou um desenho com uma inclinação absurda de 43°, o que permitia aos pilotos contorná-la de pé embaixo. Para se ter ideia, os superspeedways de Talladega e Daytona tem inclinações máximas de 33° e 31°, respectivamente. O trecho tinha o pavimento feito de tijolos e logo foi apelidado de “Muro do Inferno”.

O local da pista ainda recebeu competições da Olimpíada de 1936 de Berlim tanto no atletismo (maratona) quanto do ciclismo.

Após a II Guerra e a formação do Campeonato de F1, AVUS sediou provas de F2 e F3 a partir de 1951 e uma etapa não válida para o Mundial em 54, que recebeu o nome de GP de Berlim. A Mercedes conquistou uma dobradinha em casa com seus pilotos Karl Kling e Juan Manuel Fangio muito pela falta de concorrência, já várias equipes se recusaram a andar na pista.

Em 1959, alguém achou que seria uma boa ideia levar uma etapa da F1 para AVUS. O traçado utilizado foi um pouco diferente, com a Curva Sul sendo recuada para ficar mais próxima da Norte. Assim, a extensão do circuito caiu para 8,3 km.

Além disso, a corrida teve um formato diferente do que a categoria normalmente usa. Por conta de temores de problemas de desgaste dos pneus, a prova foi dividida em duas baterias de 30 voltas. O vencedor do GP da Alemanha seria definido pelo agregado das provas.

Antes mesmo dos treinos, os pilotos se mostraram bastante desconfortáveis com a segurança do traçado, principalmente da Curva Norte com sua inclinação e o pavimento de tijolos, que causava trepidações. No sábado antes da corrida, o piloto francês Jean Behra morreu em uma acidente em uma corrida suporte de esportivos ao bater forte com um Porsche RSK.

Curva Sul do circuito de Avus, em Berlim
Curva Sul do circuito de Avus, em Berlim

A Ferrari dominou a etapa, sendo pouco ameaçada em cada uma das provas. Na primeira, Masten Gregory, com seu Cooper-Climax, chegou a assumir a ponta, mas acabou sendo superado pelos pilotos da casa de Maranello, Tony Brooks e Dan Gurney. A quatro voltas do final, ele sofreu um problema mecânico e deixou o caminho livre para Phil Hill completar a trifeta ferrarista.

Na segunda bateria, Bruce McLaren, com outro Cooper-Climax, tomou a ponta das Ferrari na largada. Só que a velocidade dos carros italianos casou com o traçado de grandes retas de AVUS e em poucas voltas o neozelandês foi superado por Hill. Em seguida, Jo Bonnier, da BRM, Brooks e Gurney também deixaram McLaren para trás.

Bonnier até segurou por boa parte da prova a segunda posição, mas acabou sendo ultrapassado por Brooks e Gurney, que deram nova chegada com um 1-2-3 para a Ferrari. No agregado, Brooks ficou com a vitória do único GP da Alemanha de F1 realizado em AVUS, com Gurney e Hill completando o pódio completo da Ferrari.

A corrida ainda teve um acidente grave, quando Hans Herrmann ficou sem freio na chegada à Curva Sul. A BRM do alemão bateu nos fardos de feno que delimitavam o contorno do traçado e saiu capotando. Herrmann foi arremessado do carro, mas incrivelmente não sofreu ferimentos graves.

AVUS não voltou a ser utilizada pela F1. A partir dos anos 60, pistas com grandes inclinações deixaram de sediar competições importantes europeias por questões de segurança, o que resultou em modificações em autódromos como o de Monza.

Em 1967, a curva inclinada da pista de Berlim foi finalmente remodelada e deixou de existir, dando lugar a um curvão plano e sem área de escape. O circuito seguiu recebendo corridas, incluindo etapas da F3 e do DTM, passando frequentemente por alterações por mais segurança, incluindo uma chicane antes da Curva Norte.

Mesmo assim, os acidentes continuaram acontecendo. Em 1990, em um caso curioso, Dieter Quester capotou sua BMW na saída da Curva Norte e cruzou a linha de chegada deslizando de cabeça para baixo em uma chegada que valeu um terceiro lugar pelo DTM.

Quatro anos depois, também em uma etapa do DTM, foi a vez de uma batida feia de John Winter, que acertou o guardrail antes da Curva Norte. O Opel do piloto alemão voltou para a pista carregando a barreira de pneus e pegou fogo no meio da pista, mas ele conseguiu escapar bem.

A categoria voltou a AVUS na temporada seguinte e teve novos problemas. Desta vez, um grande acidente envolvendo diversos carros fez com que a segunda bateria da etapa fosse interrompida e cancelada. Em setembro do mesmo ano, em uma prova do Campeonato de Super Turismo, o inglês Kieth O’dor morreu em novo acidente na pista.

Em 1998, o governo local resolveu fechar a pista, só que não por conta de seus acidentes, mas pelo fato de o fechamento da estrada pública para realização de corridas ter se tornado algo cada vez mais problemático na região. Assim, um evento com pilotos veteranos e carros clássicos foi realizado em 1999 para a despedida do circuito, que não seria mais utilizado.

A torre de controle, localizada onde era a saída da Curva Norte, foi mantida com os patrocínios da Mercedes e da Bosch, porém, se tornou um restaurante e motel. Já as grandes arquibancadas de madeira são mantidas como monumento histórico local.

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