Chris Amon: o exemplo de talento que supera qualquer estatística
Se você sabe um pouco de história de automobilismo conhece Chris Amon e sua fama de ser o piloto mais azarado que passou pela F1. Só que para falar deste neozelandês, que morreu vítima de câncer, aos 73 anos, no último dia 3 de agosto de 2016, essa é só a crosta de um bolo recheado de muita velocidade.
Nas estatísticas do Mundial, Amon é um nome que passa quase despercebido. E é aí que mora o grande legado dele: o desafio aos números para se analisar a habilidade de um piloto. Apesar de nunca ter vencido sequer uma corrida na categoria, é possível se dizer que ele merece seu lugar entre os grandes e que poderia facilmente ter se sagrado campeão se uma ou outra coisa tivessem acontecido de forma um pouco diferente em sua carreira.
Antes de mais nada, não se pode deixar de destacar o momento em que Amon passou na F1. O período entre o final dos sessenta e começo dos setenta foi um dos mais ricos em termos de talentos na pista: Jim Clark, Jack Brabham, Graham Hill, Denny Hulme, Jacky Ickx, Jackie Stewart, Jochen Rindt e Bruce McLaren são alguns dos que dividiram curvas com ele. É contexto importante, já que, mesmo diante deles, Amon soube, de alguma forma, ganhar seu espaço.
Não são poucos os relatos de companheiros de época que nas últimas décadas fizeram testemunhos elogiando o neozelandês e admitindo sua falta de sorte e também suas decisões um pouco questionáveis fora do cockpit, principalmente quando teve chances de decidir os caminhos de sua carreira.
Amon era filho de fazendeiros na Nova Zelândia e aprendeu a dirigir carros com um empregado da família aos seis anos. Ainda na adolescência, convenceu o pai a comprar um Austin A40 Special, com o qual ele começou a competir em provas locais de subida de montanha.
Não demorou para sua paixão pelo esporte a motor crescer, e aos 17 ele já guiava uma Maserati 250F em corridas no seu país, chamando a atenção de muita gente. Em 1962, ele participou de um campeonato na Oceania (que dois anos mais tarde daria origem à famosa Tasman Series) contra alguns pilotos de F1, saindo-se muito bem.
O desempenho chamou a atenção de Reg Parnell, que convenceu Amon a ir para a Inglaterra e entrar, aos 19 anos, na F1 por sua equipe. A temporada de estreia, em 63, não foi fácil, com quatro abandonos, mas o seu talento já começava a impressionar.
Ele continuou nos anos seguintes na Parnell, conquistando alguns resultados surpreendentes, como um quinto lugar na Holanda-64, além de passar a participar anualmente das 24 Horas de Le Mans. Seu primeiro grande triunfo internacional, inclusive, foi na prova de Sarthe, com a vitória na edição de 66, ao lado de Bruce McLaren com o Ford GT oficial da equipe de Carroll Shelby.
No ano seguinte, o kiwi recebeu o convite para ser piloto da Ferrari. Ele iniciou sua participação na escuderia de Maranello com vitórias nas 24 Horas de Daytona e 1000 Km de Monza ao lado de Lorenzo Bandini, o que lhe rendeu uma chance na equipe de F1. Ele fez uma boa temporada, com quatro pódios e 20 pontos ao final da temporada, terminando o campeonato na quinta posição.
A grande chance de Amon
A consagração de Amon, porém, poderia e deveria ter acontecido em 68. Ele participou de forma direta no trabalho com o engenheiro Mauro Forghieri para desenvolver os aerofólios do modelo 312, em um momento em que a aerodinâmica começou realmente a assumir um papel mais importante na F1.
E o neozelandês parecia formar com sua Ferrari um dos conjuntos mais rápidos do grid. Ele alinhou seu carro na primeira fila em oito das 12 etapas, sendo três vezes na pole position, sempre mostrando velocidade e consistência. Mas as falhas mecânicas simplesmente afundaram o seu desempenho ao decorrer da temporada.
Na Espanha, ele liderou 42 voltas e tinha quase 1 minuto de vantagem para o rival mais próximo, Hill, quando sofreu um problema na bomba de combustível. Na Bélgica, ele fez o melhor tempo na classificação colocando 3s7 sobre Jackie Stewart, segundo no grid. Na corrida, após perder a liderança para John Surtees, perseguia o adversário da Honda de perto, em segundo, quando abandonou porque uma pedra furou seu radiador.
No Canadá, ele tomou a ponta de Rindt na primeira volta e perdeu a embreagem na oitava. Mesmo assim, seguiu na liderança fazendo trocas de marcha sem a embreagem até perder de vez o câmbio no giro 72 quando tinha mais de um 1 minuto de vantagem para Hulme.
É verdade, ele cometeu erros durante o ano também, como as rodadas em Nurburgring e Watkins Glen. Mas a verdade é que com um pouco mais de sorte, Amon teria vencido alguma corrida naquela temporada e muito provavelmente, no mínimo, teria disputado o título até o final com Hill ao invés de ter ficado no apagado décimo lugar.
As decisões questionáveis fora da pista
Em 70, a primeira de suas decisões polêmicas, quando trocou a Ferrari pela March, em uma das decisões que justificam aqueles que dizem que Amon sofreu mais pelo que resolveu fora da pista do que pelos seus azares dentro. Isso porque naquele mesmo ano a Ferrari cresceu e colocou Jacky Ickx e Clay Regazzoni na segunda e terceira posições do campeonato.
Ele até venceu o Troféu Internacional de Silverstone, em uma espécie de corrida de pré-temporada. Durante o campeonato, fez ótimas classificações, sempre mostrando sua já habitual velocidade e conquistou três pódios. Mas novamente sofreu diversas quebras, com cinco abandonos, o que voltou a lhe custar uma posição melhor no campeonato.
Ele decidiu então mudar para a Matra para as duas temporadas seguintes. Seguiu mostrando sua habilidade para desenvolvimento de chassis, acumulando pódios e ótimos desempenhos em classificações e sofrendo com quebras. A tão sonhada vitória não veio, apesar de ter passado perto algumas vezes.
A mais famosa, no GP da França de 1972, em Clermont Ferrand, prova citada por ele mesmo em diversas ocasiões como a que ele se sentiu mais próximo de acabar com seu tabu. Na classificação, conquistou a pole com 0s8 de vantagem para Denny Hulme, da McLaren, segundo.
Na corrida, ele largou na frente e liderou até a 19ª das 38 voltas, sempre aumentando sua distância para os rivais. Foi quando uma pedra causou um furo em seu pneu, o que lhe obrigou a fazer um pit. Amon voltou à pista em oitavo e ainda conseguiu se recuperar para terminar na terceira posição, atrás de Jackie Stewart e Emerson Fittipaldi.
Anos depois, em 1996, em uma entrevista à revista inglesa Motor Sport, ele admitiu que aquela derrota o marcou de uma forma que ele nunca mais conseguiria superar.
“Daquele dia em diante, comecei a perder o interesse. Foi provavelmente um momento crucial em minha carreira. De forma subconsciente, pensei: ‘se não aconteceu naquele dia, não vai acontecer nunca’”, explicou. “Nunca mais senti que busquei lá de dentro. Nunca mais estive 100%”, completou.
Amon seguiu em decadência ao aceitar propostas de equipes como Tecno e Ensign, além de uma tentativa frustrada de construir seu próprio carro. Ele ainda rejeitou propostas de uma volta para a Ferrari e de ir para a McLaren em 77.
A cada dia, a aposentadoria, mesmo que precoce, começou a fazer mais sentido. Sem motivação, ele deixou a categoria aos 33 anos e resolveu voltar ao seu país, Nova Zelândia, para seguir com a vida.
“Eu já queria ir embora, queria voltar para a Nova Zelândia. Uma das coisas mais difíceis para mim sempre foi a distância. Se eu tivesse nascido na Europa, provavelmente seguiria por mais alguns anos. Acho que em qualquer esporte, as pessoas não perdem sua habilidade, elas perdem a motivação, e, no meu caso, isso veio provavelmente pelo estilo de vida, as viagens, hotéis. De repente, você começa a querer um ambiente mais estável.”
Amon assumiu a fazenda da família, mas nunca deixou o automobilismo completamente de lado. Chegou a testar carros para um programa de TV, correr um rali amador e participou como consultor da reforma do circuito de Taupo.
Ficou para trás a ótima imagem que deixou no paddock, de uma pessoa tranquila, bem-humorada, que não forçava a barra, mas que ao mesmo tempo nunca escondeu suas ambições. Um piloto de muita perícia, veloz e com talento para desenvolvimento. Teve muitas glórias nos GTs e protótipos, incluindo a Can-Am, mas que poderia muito mais na F1.
Nos números, seu nome ficará para sempre longe dos grandes, pelas narrativas, será marcado como o azarado que tomou decisões erradas. Mas nada disso importa, já que nunca faltará lugar para o talento, perícia e velocidade de Chris Amon na história do automobilismo.
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