Circuito da Gávea recebeu as primeiras grandes provas de automobilismo no Brasil

Circuito da Gávea: como Brasil entrou para o calendário internacional

A história do Brasil com o automobilismo internacional vem de muito antes da inclusão do GP do Brasil no calendário anual da F1, que aconteceu de forma definitiva em 1973. Aliás, muito antes até mesmo de se estabelecer um campeonato seguindo as regras da F1. O GP Cidade do Rio de Janeiro, no Circuito da Gávea, foi a primeira prova nacional que passou a fazer parte da agenda de alguns dos grandes nomes do esporte a motor, ainda nos anos 30.

Estamos falando aqui da chamada era dos Grande Prêmios, que teve seu auge durante o período entre as duas Grandes Guerras, na Europa.

O automobilismo brasileiro vinha crescendo no começo da década de 30, principalmente depois da chegada da Ford a da General Motors ao país. Algumas provas, até mesmo com participação de estrangeiros, já começavam a nascer pelo território nacional, como a Subida de Montanha de Petrópolis, vencida em sua primeira edição, em 1932, pelo alemão Hans Stuck von Vielliez, com uma Mercedes-Benz SSKL.

Diplomata e piloto brasileiro com participação no exterior, Manuel de Teffé, um dos principais nomes do esporte a motor do país na época, ao lado principalmente de Irineu Corrêa, resolveu plantar a ideia de uma prova internacional nas ruas do Rio de Janeiro, seguindo o formato dos Grande Prêmios internacionais. O Automóvel Club do Brasil abraçou o projeto e levou ao então presidente Getúlio Vargas, que resolveu prontamente conceder todo apoio estatal necessário à iniciativa.

Assim, em 1º de outubro de 1933, aconteceu o I Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, realizado no trajeto que seria batizado de Circuito da Gávea. Era um desafiador traçado de 11 quilômetros em torno do Morro Dois Irmãos, com a combinação de mais de 100 curvas, diversas subidas e descidas e quatro tipos diferentes de solo: asfalto, cimento, paralelepípedo e areia.

Traçado do Circuito da Gávea, que ficou conhecido como Trampolim do Diabo

A largada acontecia na Rua Marquês de São Vicente, com os pilotos seguindo depois pelas Avenidas Bartolomeu Mitre, Visconde de Albuquerque, Niemeyer e Estrada da Gávea, onde atualmente é o bairro da Rocinha. Em alguns pontos, os pilotos passavam pelos trilhos dos bondes, que no caso de chuva ficavam extra escorregadios, o que causava uma dificuldade a mais.

A subida da Rocinha, que chegava a aproximadamente 170 metros de altura, tinha uma sequência de curvas em formato de cotovelos, chamados de trampolins. Principalmente por conta deste ponto, aliado ao alto nível de dificuldade do trajeto, a pista logo foi apelidada de “Trampolim do Diabo”.

Teffé venceu a primeira edição da prova com uma Alfa Romeo e foi recebido na tribuna de honra pelo presidente Vargas. O sucesso de público ao entorno de todo o circuito e da repercussão do evento fez o Automóvel Club do Brasil solicitar à FIA a inclusão da prova no calendário oficial da entidade, pedido que foi aceito para a temporada subsequente.

As duas edições seguintes, vencidas por Corrêa e pelo argentino Ricardo Carú, respectivamente, tiveram participações basicamente de ases sul-americanos. A partir de 1936, no entanto, a corrida passou a receber alguns dos grandes pilotos e equipes da época. Em 1937 e 38, inclusive, teve seu primeiro bicampeão, Carlo Pintacuda, com uma Alfa Romeo oficial.

Curvas em cotovelo do Circuito da Gávea, onde hoje é a Rocinha
Curvas em cotovelo do Circuito da Gávea, onde hoje é a Rocinha (Foto: Blog Saudades do Rio)

Com os triunfos, o italiano rapidamente se tornou um herói para o público brasileiro, principalmente após 37, quando derrotou em uma dura briga o austríaco Hans von Stuck, passando inclusive a se tornar sinônimo de audacioso no vocabulário carioca. A constatação pode ser feita por sua inclusão na “Marcha do Gago”, música dos anos 50 de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas, em que aparece na letra:

“Sou mo-mole pra fa-falar
Mas sou um Pintacuda pra beijar”.

Em um circuito tão complicado e desafiador, os acidentes, como pode se imaginar, não eram poucos. Talvez o mais marcante aconteceu na edição de 35, quando Irineu Corrêa bateu com seu Ford V8 em uma árvore e caiu no canal do Leblon da Avenida Visconde de Albuquerque, perdendo sua vida.

Acidente na Av. Visconde de Albuquerque, no Leblon, durante prova no Circuito da Gávea. Não se tem certeza se imagem é da batida fatal de Irineu Corrêa, apesar de ser no mesmo ponto

A francesa Hellé Nice, um dos ícones da época, também competiu no belo traçado do Circuito da Gávea, causando muita polêmica por uma entrevista em que concedeu na praia de Copacabana vestida com um biquíni de duas peças e fumando, algo bastante ousado para a sociedade brasileira da época.

No começo dos anos 40, um brasileiro conseguiu tomar para si o posto de grande ídolo da corrida: Chico Landi. O paulistano conquistou por três vezes consecutivas o GP Cidade do Rio de Janeiro, de Alfa Romeo, se consolidando para sempre como maior vencedor da prova.

O mais famoso de seus triunfos, em 1947, Landi bateu, entre outros concorrentes, os italianos Achille Varzi e Luigi Villoresi, assíduos dos campeonatos europeus, sob uma forte chuva. O desempenho do brasileiro lhe rendeu convites para correr em equipes mais fortes na Europa na temporada.

O público ainda chegou a ver outro grande piloto internacional, o argentino José Froilán González (que ficou marcado por ter conquistado a primeira vitória da história da Ferrari na F1), sagrar-se vencedor na edição de 1952, de Ferrari, em corrida que marcou a única participação de Juan Manuel Fangio, já campeão da F1, no evento. O futuro pentacampeão, no entanto, abandonou com problemas mecânicos após liderar o início da prova.

A última edição do evento aconteceu dois anos depois, vencida pelo suíço Emmanuel de Graffenried, de Maserati. Com Interlagos, inaugurado em 1940, passando a atrair cada vez mais as corridas importantes e o Circuito da Gávea se tornando inviável para os novos carros dos anos 50, o GP Cidade do Rio de Janeiro acabou chegando ao fim.

Disputa de posição durante GP Cidade do Rio de Janeiro, na Av. Niemeyer, zona sul

O Automóvel Club do Brasil buscou uma alternativa à desativação do Circuito da Gávea criando um novo traçado de rua na Barra da Tijuca, que receberia diversas provas durante a década de 60, porém, nenhuma com a importância de seu predecessor.

Mesmo deixando de acontecer, o GP Cidade do Rio de Janeiro e o Circuito da Gávea tiveram importância primordial para impulsionar o automobilismo nacional, incentivando a criação provas em outras cidades, como o GP Cidade de São Paulo, ainda na década de 30, e uma geração de pilotos, como o próprio Chico Landi, que chegou a correr na F1 no começo dos anos 50. Foi a primeira vez que o público brasileiro teve o gostinho de ver grandes ases internacionais e suas máquinas em pistas nacionais, algo que acabou se tornando quase que uma rotina com o passar dos anos.

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