Circuito de Valência ficou na F1 pro cinco temporadas
(Foto: Honda)

Pista de F1 em Valência se torna acampamento de imigrantes e refugiados

Entre 2008 e 2012, Valência organizou uma etapa de F1 que tinha como objetivo potencializar o seu nome para o turismo e puxar o desenvolvimento imobiliário de toda uma região da cidade. Era uma segunda corrida na Espanha, que também corria em Barcelona, mas em um circuito de rua e em pleno verão, mostrando assim a paisagem costeira e as belas praias valencianas.

Tudo deu errado. O contrato de sete anos foi encerrado após cinco por conta das dificuldades financeiras locais, principalmente depois da séria crise econômica espanhola. O circuito, que apesar de ser urbano, custou 98 milhões de euros na época e ficou abandonado e sem uso desde então. E nos últimos anos, a área em torno do porto local e ao lado da Praia Malvarrosa, a principal e mais famosa de Valência, se tornou espaço para um acampamento de imigrantes, refugiados e até mesmo espanhóis sem casa, que buscam de alguma forma ganhar algum dinheiro para sobreviver por ali.

A situação ganhou destaque após reportagem do jornal espanhol El País em agosto e que também foi repercutida recentemente em nova matéria do site do canal Al Jazeera, que tem base no Catar. Os veículos mostram que boa parte dos materiais das instalações do circuito, como cabos de energia e internet, cercas de proteção e outros, foram levados. Área de boxes e galpões, que também foram utilizados para a organização da America’s Cup, uma das principais competições de vela do mundo, foram abandonados e hoje estão sem condições de utilização para qualquer tipo de evento.

É neste ambiente que vive um grupo de 39 pessoas, segundo assistentes sociais que trabalham no local. De acordo com o El País, muitas delas, vindas do Marrocos, Argélia e outros países africanos, possuem visto de residência e de trabalho e se dedicam a trabalhos agrícolas como colheita de frutas nas cercanias da cidade e como flanelinhas nas ruas ao redor da praia.

Moradores da região também não teriam apontado problemas de segurança ou qualquer outro conflito com os os habitantes da pequena favela. Porém, é claro, todos apontam para o sério problema social que se está criando pela falta de condições mínimas de moradia e que cresce a cada dia com a chegada de mais e mais pessoas. Os barracos não possuem eletricidade, água e são feitas com plásticos, telas, pranchas de madeira, blocos de concreto e outros materiais que estavam abandonados no antigo circuito.

“Eu trabalho em qualquer coisa. Já trabalhei no campo e também cuidando de pessoas mais velhas. Não quero nada de ninguém, e também não espero nada. Só quero poder ganhar a vida”, disse ao El País um dos moradores do acampamento, um maliense de 31 anos que está na Espanha há oito. Outro morador, um marroquino de 30 anos, ainda explica que consegue ganhar em média de 30 euros por dia cuidado de carros na região da praia. “Ás vezes, aparece alguém para nos ajudar”, completa.

A tragédia do circuito de Valência

A pista urbana de Valência fazia parte de um projeto local para expansão imobiliária na região do porto da cidade. Novos prédios e condomínios seriam construídos no entorno do circuito, utilizando, inclusive, as novas vias abertas para o traçado. Além, claro, de uma tentativa de internacionalizar o nome da cidade para buscar mais turistas, que normalmente se dirigem a Barcelona, a apenas 350 Km.

O negócio foi fechado com Bernie Ecclestone em 2007. A promessa dos governantes da época, do Partido Popular, de direita, era de que nenhum centavo sairia dos cofres públicos. Após o fim do evento, em 2012, e a queda daquela administração, se descobriu que só no traçado (que além de algumas avenidas, também teve trechos construídos especificamente para a F1) e nas instalações específicas para a F1 (boxes, cabines de imprensa e etc) foram gastos 98 milhões de euros pelo governo de Valência.

Só que não parou por aí. Outros 111 milhões de euros foram investidos nas taxas da F1. A Comunidade de Valência ainda comprou durante todo o processo a empresa que tinha assumido a promoção do GP, a Valmor Sports, por 1 euro, mas carregando dívidas de 30 milhões.

F1 visitou pela primeira vez o circuito de rua de Valência em 2008, passando pelo porto com diversos iates atracados e arquibancadas lotadas
F1 visitou pela primeira vez o circuito de rua de Valência em 2008, passando pelo porto com diversos iates atracados e arquibancadas lotadas (Foto: Toyota)

Todo o acordo e modelo de negócio foi costurado pelo premier local da época, Francisco Camps, que em 2011 teve que renunciar por conta de acusações de corrupção e depois passou a ser investigado justamente por conta do GP em Valência. A acusação era de um suposto esquema para uso de dinheiro público de forma inapropriada na corrida de F1 através de alterações de contratos, utilização imprópria de uma empresa pública e desvio de fundos da administração pública para a construção do circuito. Ele acabou inocentado em 2019 por falta de provas.

Na virada para a década de 2010, seguido da crise mundial iniciada em 2008, o mercado imobiliário espanhol sofreu um duro golpe e, assim como aconteceu nos Estados Unidos, praticamente quebrou. Sendo assim, os projetos de desenvolvimento para a região do porto de Valência sucumbiram e o evento, que levava o nome de GP da Europa, deixou não só de fazer sentido, como ficou sem financiamento.

Só que nove anos depois da última corrida no circuito, nenhum outro plano foi em frente. A atual administração, de Ximo Puig, do Partido Socialista, tenta destravar o terreno, que hoje é propriedade do fundo britânico Hayfin Capital. A prefeitura está negociando a compra, que pode chegar a mais de 40 milhões de euros, para um projeto urbanístico que envolva casas e um parque público.

Enquanto isso, tentando apenas agarrar as poucas oportunidades que conseguem para ganhar algum dinheiro, os moradores da favela do circuito de Valência seguem morando no asfalto que recebeu alguns dos carros mais incríveis do mundo, e se tornou um símbolo de corrupção para a cidade.

Comunicar erro

Comentários

Wordpress Social Share Plugin powered by Ultimatelysocial