Como Max Verstappen e a Red Bull driblaram a Mercedes em Silverstone
Diante não só do domínio nas primeiras corridas, mas principalmente pela vantagem de rendimento nelas, muita gente já estava cogitando uma temporada perfeita da Mercedes em 2020. A sequência de triunfos, no entanto, foi encerrada na quinta etapa, com a vitória de Max Verstappen pela Red Bull no GP do 70º Aniversário da F1.
Considerando que a dupla da Mercedes largou na primeira fila e Verstappen foi apenas o quarto do grid, com um tempo na classificação 1 segundo pior, era difícil imaginar que em uma prova “normal”, sem chuva, safety car, quebras de Lewis Hamilton e Valtteri Bottas, tufões e terremotos, que o piloto da Red Bull poderia lutar pela vitória. E essa percepção mudou com apenas algumas voltas dentro do GP.
A conquista de Verstappen se deu por alguns fatores de destaque deste final de semana. O primeiro foi a estratégia e visão de corrida da Red Bull, além das rápidas decisões que o time precisou tomar durante a prova. Depois, temos os claros problemas que a Mercedes enfrentou com desgaste dos pneus.
E por último e talvez o mais importante, a nova demonstração de talento do piloto holandês, que teve um domingo não só sem erros, mas perfeito em ritmo, administração de compostos e agressividade para tomar posições importantes em pista quando necessário. A tática da equipe simplesmente não funcionaria se ele não fosse tão objetivo e certeiro em sua pilotagem.
Mudança dos pneus para o GP
O primeiro item com influência no resultado do GP do 70º Aniversário surgiu em uma escolha da Pirelli antes mesmo dos carros irem à pista. Aliás, antes mesmo da temporada começar.
Com o desenho das primeiras corridas do calendário revisado por conta da pandemia tomando forma e a confirmação de duas provas seguidas em Silverstone, a fornecedora italiana resolveu apimentar um pouco essa passagem da F1 pelo circuito inglês. Para estimular provas com características um pouco diferentes, mesmo acontecendo no mesmo traçado, lá em 11 de junho, a empresa anunciou que iria levar tipos de compostos diferentes para as duas etapas.
No GP da Grã-Bretanha teria os três mais duros de sua escala (C1, C2 e C3) enquanto na prova do 70º Aniversário, pilotos teriam que escolher entre três com um grau a menos de dureza (C2, C3 e C4).
Com os estouros de pneus que aconteceram na primeira corrida em Silverstone, a Pirelli, mesmo identificando que o problema foi os longos trechos com os mesmos pneus realizados pelos pilotos, achou melhor mexer na pressão mínima dos pneus para a segunda prova. Isso significa que além de compostos mais macios, os times teriam que se adaptar ainda a um novo acerto.
Decisão da Red Bull e Verstappen na classificação
A estratégia de Verstappen para a corrida começou a se desenhar ainda no sábado. Ficou claro para todos já nos treinos livres que a corrida seria complicada para os pneus pela exigência do circuito, escolha por compostos um pouco mais macios, atual estágio de pressão aerodinâmica dos carros e temperatura. Sendo assim, os pneus mais macios do final de semana ficaram praticamente encostados, já que duravam poucas voltas.
Diante deste cenário, os estrategistas da Red Bull perceberam que poderiam tentar um ataque à Mercedes se tivessem um primeiro trecho de corrida mais consistente. E como fazer isso? Largando com pneus duros.
Para fazer isso, no entanto, por regulamento, Max Verstappen precisaria fazer o Q2 da classificação já com esses compostos, enquanto a maioria dos rivais certamente fariam com os médios. Na simulação da Pirelli após os treinos livres de sexta-feira, a diferença em volta rápida entre os dois compostos ficou em 0s7. Ou seja, com o pelotão intermediário mais próximo do que em 2019, existia o risco de não passar ao Q3, o que comprometeria a corrida.
Mesmo assim, Verstappen e Red Bull resolveram arriscar. O piloto fez apenas uma tentativa no Q2, com pneus duros, e passou para a fase final da tomada de tempos na nona posição. Lembrando que apenas os dez mais rápidos passam. Certamente uma situação mais “emocionante” do que eles estão acostumados.
Na fase final, com todos livres para utilizarem os pneus que quisessem, o holandês conseguiu a quarta posição do grid, atrás da dupla da Mercedes e de Nico Hulkenberg, da Racing Point.
Primeiro trecho do GP e manobras de Verstappen
A vitória de Verstappen se desenhou logo nas primeiras voltas do GP. A estratégia foi essencial, mas nada daria certo se o holandês não garantisse a posição de pista que precisava. Por duas vezes.
Para começar, mesmo largando no lado sujo da pista e com pneus duros, que têm menos aderência, ele conseguiu ganhar a posição de Nico Hulkenberg logo ao apagar das luzes vermelhas. Isso foi importante para não ficar preso atrás da Racing Point do alemão, o que poderia lhe custar tempo (com as Mercedes abrindo vantagem à frente), além de aumentar seu desgaste de pneus nas primeiras voltas.
Depois, após os pneus médios dos adversários rapidamente saírem da janela de bom desempenho, ele rapidamente encostou na dupla da Mercedes. A desvantagem dele para Hamilton, segundo colocado, chegou a 2s7 na volta quatro e depois só caiu. Inclusive, neste momento ele recebeu a mensagem pelo rádio de seu engenheiro pedindo para ter calma e economizar os compostos, respondendo que aquela era única chance que tinha de ir para cima dos carros da equipe alemã e que por isso “não vou ficar dirigindo aqui como uma vovó”. Na volta 14, em que o inglês da Mercedes partiu para sua parada, um giro depois de Bottas, ele estava apenas 0s9 à frente de Verstappen.
As Mercedes colocaram pneus duros, mas o melhor ritmo com compostos novos durou pouco. E esse momento foi essencial para a estratégia abrir a chance de vitória para Verstappen. Bottas voltou de sua parada 15s4 atrás do holandês na volta 14. A distância caiu para 12s9 até a 18, só que depois só subiu, chegando a 18s3 na 25, uma volta antes da parada do piloto da Red Bull. Para Hamilton, neste mesmo momento, ele abriu 23s.
Sendo assim, Verstappen conseguiu fazer algo muito raro na F1 desde o fim do reabastecimento: um overcut, ou seja, ganhar a posição de um adversário parando depois. Ele retornou de sua parada não só à frente de Hamilton como colado em Bottas. Tão colado que neste momento ele fez uma segunda manobra essencial para sua corrida: a ultrapassagem em cima do finlandês da Mercedes. O ataque aconteceu já na volta de retorno dos pits, na sequência das curvas Brooklands e Luffield, fora do trecho de asa móvel.
Verstappen passou à liderança da corrida com o mesmo número de pit stops dos adversários.
Marcação da Red Bull contra Bottas
Bottas logo caiu a 2 segundos de Verstappen e não parecia ter condições de um ataque. Ele estava com pneus duros enquanto o holandês conseguia manter seu ritmo com os médios 13 voltas mais novos.
A Mercedes tinha aqui duas opções: manter Bottas na pista para ver se os pneus médios de Verstappen se desgastariam o bastante para proporcionar um ataque. O risco aqui, no entanto, era grande, pois o holandês poderia simplesmente vir aos boxes assim que sentisse um primeiro sinal de queda de desempenho, colocar duros novos e manter a vantagem na volta.
A alternativa era de antecipar a troca do finlandês, tentar voltar com um jogo novo andando mais rápido para tentar roubar a primeira posição de volta no box. Foi o que o time alemão tentou fazer, mas o que eles não esperavam é que a Red Bull estaria ligada o bastante para chamar Verstappen junto com Bottas, na mesma volta.
Os dois retornaram agora com pneus duros novos e o piloto da Mercedes ficou bloqueado na estratégia. Sua única alternativa seria tentar ganhar a posição na pista, o que logo ficou claro que seria muito difícil.
Problema das Mercedes
E aqui caímos na questão específica da Mercedes. Além da estratégia da Red Bull e a pilotagem precisa de Verstappen, a equipe alemã, que tem o carro dominante da temporada de 2020, enfrentou problemas de desgaste de pneus em um nível que não esperava.
A temperatura em Silverstone não estava exatamente alta, girando entre 24 e 26°C, o que é uma faixa dentro do normal para corridas de F1. Os carros do time alemão, no entanto, não se deram bem em Silverstone com os pneus maios macios e a nova configuração de pressão.
Tanto Bottas como Hamilton tiveram em todos os trechos da corrida problemas com bolhas. O mais curioso é que elas aconteceram inicialmente no pneu dianteiro direito, quando normalmente em Silverstone, por ser no sentido horário, os danos mais graves acontecem no dianteiro esquerdo, que recebe todo o apoio nas curvas de raio longo. Isso mostra que o problema era mesmo do chassi e não dos compostos.
Dessa forma, o rendimento dos carros da Mercedes caía de forma abrupta após apenas cinco ou seis voltas, com qualquer tipo de composto. Do outro lado, Verstappen e a Red Bull administraram muito melhor sua borracha. Isso ficou mais que comprovado no último trecho da prova. Bottas saiu logo atrás de Verstappen (pouco menos de 2 segundos) da parada conjunta na volta 32. Ele terminou a corrida 19s2 atrás. A diferença começou a subir bastante logo na 37ª passagem, apenas cinco depois do pit.
Com o finlandês claramente fora da jogada, a Mercedes resolveu jogar com a estratégia de Hamilton. A ideia foi mantê-lo mais tempo na pista antes da segunda parada para tentar ter pneus mais novos nas voltas finais e atacar. O inglês, mesmo com bolhas em todos os quatro pneus, conseguiu levar seu carro até a volta 41, nove depois das paradas de Verstappen e Bottas.
Ele colocou um jogo de duros novos e partiu para cima. Bem, pelo menos essa era a ideia. Hamilton tirou a desvantagem para Bottas, que passou a se arrastar na pista, e o passou para assumir o segundo lugar. Porém, depois de diminuir a desvantagem para Verstappen de 11s5 depois do pit para 8s3 na volta 48, a diferença voltou a subir, mesmo com o carro da Red Bull com compostos mais usados. O hexacampeão terminou 11s3 atrás do rival.
Além da ótima estratégia e pilotagem de Verstappen, a vitória em Silverstone mostrou que o carro da Red Bull pode sim se aproveitar de corridas em que pneus possam ser um problema. E que a Mercedes precisa entender o que fez de errado. O GP da Espanha, já no próximo final de semana (14-16/08), com temperaturas esperadas acima dos 30°C, pode ser uma primeira prova desta teoria mesmo que com a volta dos compostos mais duros.
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