Quais foram os erros? Entenda a confusão na relargada da F1 em Mugello
Entre disputas de posição e a briga entre os carros da Mercedes de Lewis Hamilton e Valtteri Bottas pela vitória, a primeira corrida da história da F1 no circuito de Mugello acabou mesmo marcada pelos acidentes. Os problemas causaram intervenções do safety car e duas bandeiras vermelhas, que paralisaram a prova.
Uma dessas situações, porém, chamou mais a atenção. Ao final da volta seis, após um período de safety car desde o primeiro giro por conta de uma batida na curva dois, uma relargada se tornou quase uma cena de campeonato de boliche em Mugello. Um enorme acidente envolveu diversos pilotos e tirou quatro da corrida.
A batida assustou pela força e pelo que sobrou dos carros na reta dos boxes, que ficou totalmente bloqueada, o que obrigou a direção de prova a parar a prova com bandeira vermelha. Imediatamente começaram os questionamentos: quem causou o problema em Mugello?
Muita gente começou a apontar o dedo para o líder da prova até então, Valtteri Bottas, que comandou a relargada e segurou o ritmo ao máximo para tentar evitar um ataque dos adversários na curva um. Só que um entendimento da regra junto com dados de alguns carros mostra que a coisa não foi bem assim. O Projeto Motor analisa para você.
O ritmo de Bottas
O finlandês da Mercedes liderava a corrida após assumir a ponta na largada. O regulamento da FIA é bastante claro sobre a responsabilidade do piloto que vai à frente durante o procedimento de relargada atrás do carro de segurança.
A partir do momento que as luzes do safety car se apagarem, “o primeiro carro da fila atrás do safety car deve ditar o ritmo e, se necessário, ficar a uma distância de mais de dez carros atrás.” Ou seja, naquela posição, Bottas tinha o direito de andar na velocidade que bem entendia.
A única coisa que o regulamento desportivo impede de fazer é pilotar com “acelerações e freadas erráticas ou qualquer outra manobra que se pareça com um ataque a outros pilotos ou que impeça a relargada”. Desta forma, a regra diz que o líder pode andar devagar até a linha de relargada ou até acelerar, no entanto, ele deve manter um movimento constante sem acelerações e freadas bruscas.
Como vemos nas artes a seguir com imagens da câmera voltada para a traseira da Mercedes de Bottas e os dados da velocidade dele do ponto em que o carro de segurança sai da pista até a linha de relargada, o finlandês mantém uma velocidade constante entre 120 km/h e 130 km/h, com os adversários logo atrás acompanhando, e acelera já perto do ponto de relargada, como mostra o terceiro quadro.
Sendo assim, não existe como culpar Bottas pelo acidente na relargada em Mugello.
Pelotão intermediário acelera na entrada da reta de Mugello
Se o líder não puxou aceleração antes da hora e freou, o que causaria o engavetamento dos carros? Quem foi o responsável? Analisamos as câmeras e dados de velocidade dos carros do grid e encontramos os primeiros problemas a partir da décima posição.
Esteban Ocon é o primeiro da fila que se empolga um pouco mais no acelerador, esperando talvez uma estilingada do pelotão assim que o safety car deixava a pista. Repare que no momento em que Bottas está passando pela entrada do pit lane, ele está praticamente na mesma velocidade do líder.
Só que alguns metros depois, como mostra o comparativo de velocidade entre os dois, o piloto da Mercedes que liderava o pelotão segue com a mesma velocidade enquanto o francês da Renault aumenta a sua para próximo de 220 km/h, cerca de 100 km/h a mais do que o finlandês. Percebe-se também sua aproximação do carro que ia à frente, a Alpha Tauri de Daniil Kvyat.
Percebendo que o pelotão à frente não acelerou, Ocon freia quase ao lado do carro de Kvyat, trazendo sua Renault para o centro da pista. Essa manobra iniciou uma sequência ainda maior atrás dele, já que outros pilotos acompanharam seu movimento.
Quem acabou acelerando ainda mais foi o 11º colocado daquele momento, George Russell. O inglês manteve até a entrada da reta de Mugello uma distância um pouco maior para o carro que ia à sua frente, de Ocon. Quando ele percebeu que o francês estava aumentando sua velocidade, ele também o fez.
Repare como enquanto Bottas mantinha praticamente a mesma velocidade lá na frente, Russell acelera bruscamente a partir do momento em que ele passa pela entrada do pit lane, chegando a alcançar os 232 km/h. Neste exato momento, ao se aproximar de Ocon e ver que o francês inclusive faz uma manobra evasiva à frente, o inglês também vai ao freio e diminui sua velocidade para 136 km/h, curiosamente no mesmo instante em que Bottas começa a acelerar lá na frente. Ele fica lado-a-lado com a Renault que vinha em décimo.
Só que aí, o estrago está feito. O reflexo dos pilotos que vinham atrás é de acelerar também, só que, diferente de Russell, eles vinham mais próximos uns dos outros. Magnussen também freia e traz seu carro mais para o meio da pista.
E depois, como vemos da câmera do carro de Carlos Sainz, Nicholas Latifi também desvia de Russell e Magnussen, formando uma linha de três carros lado-a-lado. Antonio Giovinazzi, que vinha a seguir, não tem para onde ir quando os pilotos à frente freiam e acerta a Haas de Magnussen. Sainz também fica sem tempo e espaço para uma manobra evasiva, e bate nos dois.
Desta forma, fica claro que o problema não foi lá na frente, mas no meio do pelotão, que não respeitou o ritmo do líder, como o regulamento indica.
Problema merecia punição?
Pelas imagens e dados, é possível observar que sim, alguns pilotos aceleraram um pouco antes da hora, porém, existem atenuantes. Para começar, o layout de circuito, em que os carros percorrem um tempo maior em reta antes da linha de relargada.
Além disso, o chamado efeito sanfona no meio do grid. Quanto mais atrás no pelotão, os movimentos causam mais reflexos nos adversários. Uma pequena aceleração ou freada, faz com que o piloto que está atrás faça o mesmo movimento, só que com mais intensidade. E isso vai escalando.
Desta forma, checando a telemetria de vários carros, a FIA resolveu impor apenas advertências para nada menos do que 12 pilotos, que ela considerou que em algum momento fizeram movimentos erráticos durante todo o procedimento: Kevin Magnussen, Daniil Kvyat, Nicholas Latifi, Alexander Albon, Lance Stroll, Daniel Ricciardo, Sergio Pérez, Lando Norris, Esteban Ocon, George Russell, Antonio Giovinazzi e Carlos Sainz.
Luzes do safety car apagam na última curva de Mugello
Logo quando foi informado do acidente, Lewis Hamilton indicou pelo rádio que foi colocado no ar durante a transmissão que as luzes do carro de segurança foram apagadas muito tarde, apenas na entrada da última curva, o que pode ter interferido em todo o processo.
É importante ressaltar que os pilotos são informados de que o safety car sairá da pista pelo rádio antes mesmo das luzes serem apagadas. Mesmo assim, o procedimento é um sinal que normalmente indica ao líder quando começar a se preparar para a relargada.
Existem, no entanto, dois pontos a observarmos aqui que mostram que, por mais que as luzes realmente tenham sido apagadas de forma tardia, a possível falha não teve muita influência no acidente. A começar, algo que o diretor de provas Michael Masi salientou depois da prova. Apesar das luzes terem sido apagadas na última curva, existe um longo trecho em reta depois até a linha de relargada. Ou seja, em termos de distância percorrida pelos carros, elas não foram apagadas tão tarde assim. É uma impressão que fica por conta do layout do circuito de Mugello.
O segundo ponto, e mais importante, como vemos no procedimento adotado por Bottas nas imagens acima, o finlandês não segurou o ritmo ou teve que acelerar ou frear mais ou menos por conta do safety car. Mesmo depois que ele saiu da pista, o finlandês se manteve constante e dentro de sua estratégia de relargada. Se as luzes tivessem se apagado antes, provavelmente ele teria feito o mesmo movimento.
É preciso uma mudança de regra?
Discutir questões de segurança é sempre importante no automobilismo e todo procedimento que possa ser melhorado para evitar acidentes perigosos deve ser revisto, claro. Porém, tirando a questão das luzes do carro de segurança, não existe uma falha do processo padrão de relargada que aparenta ter causado o acidente em Mugello.
No final, tudo indica a formação de um cenário mais geral que inclui o layout do circuito (com mais tempo de reta entre a última curva e o ponto de relargada), que lembra também o que acontece em Baku. Além disso, o erro maior é dos pilotos do pelotão intermediário, que na ânsia por uma boa relargada, podem ter se precipitado ao buscar o pedal do acelerador.
Diante de tudo isso, parece que a questão geral deve mais ser resolvida em uma conversa na próxima reunião da direção de prova com pilotos, o famoso briefing, que acontece antes de cada etapa, do que uma reformulação de regras.
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