Crise do petróleo fez ditadura proibir automobilismo no Brasil

O Brasil passou por dois períodos com o automobilismo proibido em todo território nacional para se economizar gasolina nos anos 70, ambas por decisão da ditadura militar.

A primeira delas em 1976, quando o governo do presidente General Ernesto Geisel acreditava que isso poderia mostrar esforços à população de que ele estaria preocupado em diminuir a importação de petróleo.

Durante a década de 70, o mundo enfrentou uma forte crise com os preços do petróleo, principalmente por conta de uma ação da OPEP, organização dos principais produtores do mundo, que fez o valor do barril aumentar em cerca de 400% entre 1973 e 75.

Como a balança comercial do produto era extremamente desfavorável para o Brasil, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) resolveu adotar algumas medidas mais radicais em 76. Dentre elas, foi determinado no dia 21 de julho pelo ministro da educação e cultura, Ney Braga, a proibição no país de qualquer competição automobilística. Admitia-se, no entanto, que casos excepcionais poderiam ser submetidos à consideração do Conselho Nacional do Desporto (CND) e do próprio ministro Braga, em que se abria as portas para provas de nível internacional, como a F1.

Alguns dias depois, em 4 de agosto, foram liberados 3 mil litros de gasolina da Petrobrás para a Confederação Brasileira de Motociclismo para a realização de uma etapa do Campeonato Latino-Americano da modalidade, por se tratar de uma competição internacional.

Mesmo com essas poucas exceções, a comunidade do esporte a motor brasileiro se viu em uma situação bastante difícil de sobrevivência. Vários pilotos, preparadores e outros profissionais do meio começaram a busca por oportunidades profissionais fora do país. Muitos deles se juntaram na Associação de Pilotos e Profissionais de Competição para tentarem se organizar contra a medida.

Ano da proibição do automobilismo no Brasil foi o mesmo em que Emerson Fittipaldi resolveu apostar no projeto Copersucar na F1
Ano da proibição do automobilismo no Brasil foi o mesmo em que Emerson Fittipaldi resolveu apostar no projeto Copersucar na F1

A Confederação Brasileira de Automobilismo, presidida à época por Charles Naccache, chegou a fazer uma proposta emergencial da troca da gasolina por álcool em todas as corridas do país, o que ainda assim era algo bastante difícil a curto prazo pelo investimento que teria que ser feito. Mas o ANP e o governo rejeitaram a sugestão por verem o etanol como um substituto para carros de rua e que por isso as reservas do produto deveriam ser totalmente voltadas para outros setores.

O MEC ainda chegou a sugerir que poderia aceitar a substituição de todas as corridas do ano por uma grande prova anual que “reuniria todos os pilotos do Brasil”, algo obviamente sem nenhuma chance de ser viável.

A CBA manteve os questionamentos da medida, apresentando contas de que a soma de todas as provas do automobilismo nacional consumia 240 mil litros de gasolina, 0,021% da projeção do que o Brasil consumia no total. Chegou-se a fazer até mesmo um comparativo com o consumo do próprio governo em carros oficiais e viagens de avião, que eram muito maiores.

Além da pressão da comunidade do esporte a motor nacional, algumas montadoras, que participavam ativamente das competições, também se mostraram descontentes com a decisão. A Volkswagen chegou a anunciar, segundo a edição da Folha de S. Paulo de 28 de julho de 1976, que a parte de sua verba para automobilismo de 3,4 milhões de cruzeiros não gasta até àquela altura da temporada seria destinada em prêmios aos pilotos que estavam liderando seus respectivos campeonatos. A Ford também teria mostrado descontentamento.

Esse posicionamento contra a proibição por parte das marcas automotivas foi importante para um acordo. Pode-se perceber isso quando em 4 de agosto, o presidente do CND, o brigadeiro Jerônimo Bastos, admitiu em Comissão da Câmara que a proibição, além de inviabilizar a sobrevivência do automobilismo no Brasil, também poderia “prejudicar as indústrias nacionais do setor”. Ele ainda afirmou que um relatório da CBA estava passando por um estudo técnico do MEC e do Conselho Nacional do Petróleo. Foi a primeira demonstração que a medida poderia ser revertida.

Em 18 de agosto, menos de um mês depois da proibição, o ministro Ney Braga voltou a autorizar a realização de todas as corridas previstas no calendário da CBA para aquele ano, com exceção dos regionais da Divisão III e F-Ford, impondo, no entanto, uma série de restrições. Entre elas, a economia de 53% do consumo de gasolina, o que resultou no fim de treinos não oficiais e a redução de mais da metade das sessões durante os eventos, além da diminuição da quilometragem da maioria das corridas, entre outros.

Edição do Jornal Folha de S. Paulo de 3 de agosto de 1979 mostra crise enfrentada pelo automobilismo brasileiro
Edição do Jornal Folha de S. Paulo de 3 de agosto de 1979 mostra crise enfrentada pelo automobilismo brasileiro (Imagem: Reprodução/Acervo Folha de S. Paulo)

É importante ressaltar que outros países, que também enfrentavam problemas com o preço do petróleo agiram de forma bastante diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Indy trocou no final dos anos 70 a gasolina pelo metanol, combustível utilizado até 2012, quando foi substituído pelo etanol (com uma adição de 15% de gasolina por questões de segurança para o fogo ficar mais evidente em situações de incêndio). Foi mais ou menos o caminho que se seguiu na segunda crise do automobilismo com a ditadura brasileira.

Em 1979, com a revolução do Irã, um dos principais produtores do mundo, novamente o preço do petróleo disparou de 13 para 34 dólares em apenas dois anos. Mais uma vez, a ditadura militar brasileira viu no automobilismo uma forma de diminuir o consumo de gasolina no país – ou pelo menos vender para a população que estava se preocupando com isso – e voltou a proibir, sem nenhum tipo de conversa prévia, em 12 de agosto daquele ano todas as competições do esporte.

Desta vez, a solução encontrada pela CBA e aceita pelo governo foi de mudança geral da utilização do combustível para etanol. Era um novo momento em que o governo estava investindo alto do Programa do Proálcool e internamente viu-se a possibilidade, diferente da primeira conversa três anos antes, de promover o combustível através do esporte. Os dois lados chegaram a um consenso e o automobilismo voltou a ser liberado em setembro, com um grande evento no Autódromo de Jacarepaguá: o Festival do Álcool.

A CBA promoveu um dia completo de competições, das 9 da manhã até o início da noite, por volta das 18h, com oito categorias diferentes, incluindo F-Ford, Fiat 147, Troféu Passat, Stock Car, e até uma bateria apenas de mulheres, em prova organizada pela Fiat. Era o início da era do Álcool no automobilismo brasileiro.

Lógico que nas primeiras provas, muitos pilotos e equipes sofreram um pouco para adaptarem seus carros de maneira tão rápida ao etanol, mas aos poucos tudo acabou se estabilizando. Muitos sabiam que a situação não apresentava outra alternativa naquele momento.

Alguns dias antes, a CBA ainda anunciou que tinha recebido a doação por parte de fazendeiros de Londrina de uma área na região para a instalação de uma usina de etanol que iria produzir todo o combustível para as corridas no Brasil a partir de 1980. Foi a maneira encontrada para driblar um dos momentos mais críticos do automobilismo nacional.

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