Porsche 917 se tornou um dos carros mais icônicos da história de Le Mans
(Foto: Porsche AG)

O vingativo Ford GT e o icônico Porsche 917 | Grandes Carros de Le Mans #2

Nesta segunda parte da série sobre os grandes carros das 24 Horas de Le Mans, vamos focar em dois modelos que não só entraram para a história da prova por suas vitórias, mas também por se tornarem verdadeiros ícones da cultura automobilística: o Ford GT e o Porsche 917.

Vamos lá:

Ford GT40

A história do Ford GT40 é relativamente bastante conhecida entre os fãs de corrida. Em 1963, Henry Ford II passou meses em negociação para adquirir a Ferrari. Foram gastos alguns milhões de dólares pelo americano em auditoria e inventário da companhia de Maranello, além dos pagamentos aos responsáveis pela parte legal das negociações.

Só que Enzo Ferrari gostaria de manter o controle sobre sua divisão de competições e não gostou de ouvir que estaria proibido de competir nas 500 Milhas de Indianápolis e outras provas nos Estados Unidos em que a Ford também competia. O Comendador então rompeu unilateralmente as tratativas de forma radical.

Ford ficou tão furioso com a decisão que baixou a ordem ao seu departamento de corridas para que procurasse um parceiro técnico e desenvolvesse um novo modelo capaz de bater a Ferrari em Le Mans, onde ela estava reinando absoluta desde o começo dos anos 60, a qualquer custo.

A Lola foi escolhida para seguir com o novo projeto. A empresa já tinha conseguido um relativo sucesso com seu Mk 6 equipado com motor da Ford na prova francesa e o relacionamento entre as duas empresas era muito bom.

O próprio Eric Broadley, proprietário e projetista chefe da empresa, participaria da empreitada, porém, como possuía sua própria equipe, aceitou um relacionamento máximo de um ano. Além disso, ele vendeu para a Ford dois Mk 6 para que os modelos servissem de base para o novo carro.

Uma nova companhia, a Ford Advanced Vehicles, foi aberta na cidade de Slough, na Inglaterra para seguir com o desenvolvimento. O projeto ganhou o apelido de GT 40 pela altura do carro, de 40 polegadas, mas o primeiro modelo entregue recebeu o nome de GT/101 Mk I. Ele tinha carenagem em fibra de vidro, bloco de alumínio, um motor Ford Fairlane V8 de 4.2 litros e suspensão pushrod.

Ford GT 40 na edição de 1966 das 24 Horas de Le Mans
Ford GT 40 na edição de 1966 das 24 Horas de Le Mans (Foto: Ford)

Bruce McLaren foi contratado para testar e avaliar o primeiro protótipo em agosto de 63 e passou os meses seguintes acertando e ajudando no desenvolvimento do carro. O Mk I foi oficialmente apresentado ao público em 1º de abril de 64, em um evento em Nova York.

O carro, no entanto, tinha problemas sérios de estabilidade em alta velocidade. As primeiras participações foram desastrosas, com abandonos nos 1.000 Km de Nurburgring, nas 24 Horas de Le Mans e nas 12 Horas de Rems. No final do ano, toda a equipe responsável deixou o programa. A Ford resolveu entregar o projeto para Carroll Shelby e sua equipe sediada na Califórnia.

O Mk II teve como principal diferencial ao seu antecessor a nova transmissão e o motor de 7 litros. O modelo venceu os 2.000 Km de Daytona em 65, mas voltou a sofrer novas quebras na temporada europeia. Mesmo assim, o período serviu de aprendizado e principalmente para desenvolvimento do novo propulsor.

Em 66, o Mk II finalmente fez o que se esperava dele: ficou com as três primeiras colocações das 24 Horas de Le Mans, acabando com uma sequência de seis triunfos consecutivos da Ferrari, com a presença em pessoa do próprio Henry Ford II em Sarthe para colher os louros.

Apesar da vitória, o carro foi completamente redesenhado para o ano seguinte, levando a alcunha de Mk IV. Apesar de carregar o mesmo motor e partes da suspensão, era um chassi bem diferente e com aerodinâmica bastante refinada, o que resultou em velocidades máximas ainda mais altas. Ele competiu apenas em duas provas e venceu ambas: 12 Horas de Sebring e as 24 Horas de Daytona de 67.

Para o ano seguinte, a FIA, preocupada com a segurança, resolveu limitar os motores a 3 Litros no seu regulamento de protótipos do Grupo 6, que era usado em Le Mans. Shelby foi obrigado a voltar a usar o Mk I para os dois anos seguintes. Mesmo assim, os Ford GT conseguiram mais duas vitórias, completando o tetra, sendo a última, em uma apertada disputa com um Porsche 908, até a linha de chegada.

Em 2016, na celebração dos 50 anos de sua primeira vitória, a Ford está voltando a Le Mans com uma nova versão de seu lendário carro, esperando faturar a classe LMGTE.

Ford GT volta repaginado às pistas em 2016 para competir em Le Mans e outros provas importantes do endurance (Foto: Ford)

Porsche 917k

Certamente poderíamos fazer uma série apenas com grandes Porsches de Le Mans. A empresa de Stuttgart é a mais vitoriosa e produziu alguns dos modelos mais importantes da história das 24 Horas. E seu primeiro triunfo veio em 1970 com um dos modelos que se tornou fetiche para qualquer amante de carros e automobilismo: o 917.

A partir de 68, os protótipos do Grupo 6 que competiam em Le Mans passaram a ser obrigados a competir com motores limitados a 3 litros. Para não desestimular as montadoras, no entanto, a Comissão da FIA resolveu liberar que os modelos do Grupo 4, baseados em esportivos de rua, poderiam correr com propulsores de até 5 litros e que o números de carros fabricados seria reduzido de 50 para 25.

Com o sucesso que já estava conseguindo com o 908, com motor de 3 litros, a Porsche viu então uma possiblidade de conseguir finalmente vencer a classe geral em Le Mans. Ela iria produzir um novo carro com base no 908 e fabricar 25 unidades, para poder se enquadrar no Grupo 4 e correr com o propulsor maior.

Assim, nasceu o projeto do 917. O chefe do departamento esportivo da empresa, Ferdinand Piech, recebeu pessoalmente os comissários da FIA com os 25 modelos 917 estacionados em frente à fábrica da Porsche e conseguiu a homologação dos carros para as competições.

Porsche 917 recebe a bandeira quadriculada nas 24 Horas de Le Mans de 1970
Porsche 917 recebe a bandeira quadriculada nas 24 Horas de Le Mans de 1970 (Foto: Porsche AG)

Projetado por Hans Mezger, o 917 ficou conhecido como uma verdadeira besta enfurecida. Era um carro potente e rápido, porém, muito difícil de guiar. A traseira ficava solta em plena reta e ameaçava decolar. Ele usava um motor boxer de 12 cilindros, 4.5 litros, que chegava a gerar cerca de 580 cavalos de potência em sua versão Le Mans. O carro alcançou os 362 km/h no circuito de Sarthe.

Pelo menos 11 versões diferentes foram produzidas durante o final da década de 60 e começo da de 70. O modelo para a Can-Am, por exemplo, usou um motor de 5 litros que bateu os 390 km/h de velocidade final.

A estreia em Le Mans aconteceu na edição de 69, apesar dos sérios problemas de estabilidade. A equipe oficial da Porsche entrou com dois carros e ambos abandonaram com problemas de embreagem.

Um terceiro veículo foi inscrito pelo gentleman-driver John Woolfe. Este, bastante inexperiente e com dificuldades de controlar a fúria do 917, bateu ainda na primeira volta na Maison Blanche e morreu. O piloto sequer tinha colocado o cinto de segurança, provavelmente por conta do estilo de largada em que os pilotos saltavam para dentro do carro. O acidente fez com que a “largada Le Mans” fosse banida.

Não contente com os resultados, a Porsche fechou uma parceria com a JWA Gulf Team, que passou a ser a equipe oficial da fabricante e responsável pelo desenvolvimento do modelo. Os testes aconteceram no circuito de Osterreichring e diversos problemas aerodinâmicos foram identificados. O trabalho teve foco principalmente na traseira, que ficou mais curta e suave, o que resultou na produção de mais pressão. A nova versão recebeu o apelido de Kurzheck – cauda curta em alemão – e por isso passou a competir com a denominação 917K.

Dupla de Porsche 917KH nas 24 Horas de Le Mans de 1971
Dupla de Porsche 917KH nas 24 Horas de Le Mans de 1971 (Foto: Porsche AG)

Curiosamente, a família Porsche também conduziu paralelamente um outro programa de desenvolvimento com a Martini Racing, que, ao contrário do projeto da JWA, chegou a um novo 917 com traseira longa, que também produzia mais pressão aerodinâmica e ficou conhecido como 917L. As duas equipes chegaram a Le Mans em 1970 com o status de “time oficial”.

A Ferrari, que fez uma estratégia parecida com a da Porsche para correr com motores maiores do que 3 litros, foi para Sarthe com um novo modelo 512S, que vinha mostrando bom desempenho em outras corridas, e parecia ser uma rival importante.

Na corrida, no entanto, a Porsche conseguiu emplacar sua primeira vitória na geral de Le Mans com o 917K, com dois 917L completando as três primeiras colocações, confirmando o domínio da empresa de Stuttgart.

A prova ainda serviu de fundo para a produção do filme “Le Mans”, de Steve McQueen, que imortalizou o 917 e sua pintura da Gulf.

Em 71, os dois times competiram com o 917K, e conseguiram nova dobradinha para a Porsche, desta vez com a Martini Racing na frente. A edição acabou entrando para a história pelo recorde de distância percorrida pela dupla vitoriosa, formada por Helmut Marko e Gijs van Lennep, que durou até 2010.

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