Forti Corse e a conturbada história do último F1 com câmbio manual
De tempos em tempos, a F1 apresenta novas tecnologias em seus carros. Algumas somem rápido pelo custo, ineficiência ou proibição, outras se tornam uma tendência entre as equipes e até tornam um padrão. Esse é o caso do câmbio semiautomático.
Por meio de borboletas atrás do volante, os pilotos conseguem trocar as marchas de maneira rápida, o que representou uma ruptura em relação às tradicionais alavancas do câmbio manual. No entanto, a transição para o câmbio borboleta levou certo tempo, sendo que alguns anos se passaram até que a F1 tenha visto o último carro com câmbio manual.
A história do campeão com borboletas começou antes da temporada de 1989, quando o diretor técnico da Ferrari, John Barnard, queria economizar espaço no cockpit para poder projetar um carro mais estreito, o que daria benefícios aerodinâmicos. Para isso, ele adotou a solução de substituir a alavanca convencional de câmbio por duas aletas atrás do volante, que seriam usadas para trocar as marchas.
Isso traria vários outros benefícios, já que, além de deixar o modelo mais compacto, permitiria uma troca de marchas mais rápida, com menor chance de erro, além de deixar a pilotagem mais segura – afinal, os pilotos permaneceriam com as duas mãos no volante o tempo inteiro.
O plano teve certa resistência da Ferrari, mas mesmo assim a ideia foi desenvolvida com a participação direta do piloto de testes do time na época, o brasileiro Roberto Moreno. Durante o processo, houve alguns problemas de confiabilidade, tanto do câmbio em si como também do alternador, que não alimentava a bateria do carro o suficiente. E foi assim que nasceu a Ferrari 640. O modelo abriu a temporada com vitória de Nigel Mansell em Jacarepaguá, o que deixou a concorrência ainda mais intrigada com o câmbio borboleta semiautomático.
Então, deu-se início a uma corrida pelo desenvolvimento no grid. A Williams estreou seu câmbio borboleta na temporada de 91, com o FW/14. Na McLaren, a novidade apareceu em 92, no MP4/7A. Já a Benetton só usaria a solução em 93, no B193. E a movimentação também era vista nos times intermediários – muitos se apressaram para desenvolver o câmbio semiautomático, enquanto equipes como Tyrrell, Lotus e Minardi permaneceram com o câmbio na alavanca por mais tempo.
A Minardi, inclusive, usou este conceito até o início de 94, quando ainda competia com o carro baseado no modelo de 93. Pacific e Simtek também chegaram a usar em 94 um câmbio sequencial na alavanca. Dada toda esta movimentação, parecia que a tecnologia manual estaria extinta da F1 em 95, mas não foi o que aconteceu. O conceito teve uma sobrevida com a chegada de uma nova equipe, em um projeto que gerou muita dor de cabeça nos bastidores.
A Forti Corse e seu câmbio defasado
A Forti Corse era uma equipe italiana que tentava ganhar terreno nas categorias de base, com passagens por F-Ford, F3 e F3000. Porém, para 1995, a operação queria dar o seu passo mais ambicioso e subir para a F1. Para isso ser viável, o proprietário da equipe, Guido Forti, se associou ao empresário ítalo-brasileiro Carlo Gancia e teria a bordo Pedro Paulo Diniz. O jovem piloto competia com a Forti na F3000, e suas conexões comerciais ajudariam na angariação de patrocínios.
No final de janeiro, a Forti apresentou o seu carro para a temporada de estreia, o modelo FG01 do designer argentino Sergio Rinland, com linhas bastante robustas. O motor er o Ford Cosworth ED V8, mas não com o suporte de fábrica usado pela Sauber, mas a unidade mais atrasada que também era vista na Minardi, Pacific e Simtek. Outra característica marcante do modelo era o câmbio sequencial manual de seis marchas, produzida pela fabricante Hewland e que contava com a tradicional alavanca na parte lateral do cockpit.
De cara, ficou bastante claro que o pacote contava com um conjunto de atributos obsoletos, o que já chamou a atenção de todos de uma forma negativa. Para entrar na F1, a Forti Corse adquiriu o projeto da antiga equipe Fondmetal, que contava com os desenhos criados por Rinland para o carro de 92, incluindo as mudanças que eram previstas para 93, mas que não foram postas em prática porque o time fechou as portas.
Este projeto que já era ultrapassado foi a base do carro da Forti, e também foi a justificativa para a presença do câmbio manual, embora Rinland atribua isso ao dizer que a fornecedora Hewland ainda nem tinha um câmbio semiautomático desenvolvido. De qualquer maneira, a intenção era que o câmbio manual fosse algo temporário, e que a solução semiautomática fosse implementada em Imola, a terceira corrida do ano.
Acontece que este estava longe de ser o único problema do modelo. O FG01 era pouco eficiente em termos aerodinâmicos e tinha um excesso de peso de nada menos do que 60 kg. A confiabilidade também não era lá aquelas coisas, já que Diniz ficou na mão logo na primeira volta que deu com o modelo em testes. Ciente da dura missão que teria pela frente, a Forti recrutou para o outro cockpit o veterano Roberto Moreno, o mesmo que ajudou a desenvolver o câmbio semiautomático para a Ferrari, mas que estava fora da F1 desde sua passagem pela sofrível Andrea Moda.
Fracassos na pista e demora para atualização
Quando a temporada começou, o que era previsto aconteceu. A Forti Corse era um conjunto extremamente lento e pouco competitivo, de modo que Moreno e Diniz estavam relegados ao fundão, com uma enorme distância para os ponteiros. A etapa de Imola foi um exemplo: eles se classificaram respectivamente a oito e nove segundos da pole position, e receberam a bandeirada sete voltas atrás do vencedor. Era muita coisa. Com a crise, Rinland deixou o time logo no começo de maio.
O trabalho no desenvolvimento do carro foi intenso. O primeiro passo era eliminar o enorme sobrepeso, sendo que na etapa de Silverstone eles já estavam mais perto do limite de 595 kg. Quanto à estreia do câmbio semiautomático, as várias metas estabelecidas pela própria equipe não foram cumpridas. Tentaram em Imola, depois Budapeste, depois Monza, mas não rolou, já que ainda havia problemas de confiabilidade nos testes. Mesmo assim, a Forti Corse chegou a progredir e ficou mais embolada com Pacific e Simtek, as outras equipes menores da época.
Ainda durante a temporada de 95, a F1 tentou estrear a regra dos 107% – ou seja, o piloto só poderia largar no GP se fizesse um tempo dentro de 107% em relação ao pole position. A ideia precisava de unanimidade para ser implementada com o campeonato em andamento, e a Forti se posicionou de forma contrária. Afinal, caso a regra fosse usada durante o ano, o time só conseguiria largar em um único GP na temporada, e com apenas um carro.
O câmbio semiautomático continuou sendo desenvolvido, e foi usado em corrida somente em Nurburgring, e apenas no carro de Moreno. No entanto, ele ainda não funcionava bem, já que chegou a apresentar problemas nas reduções.
Desta forma, o time permaneceu com o manual até o fim da temporada, e o cenário em um aspecto geral era preocupante para a Forti. Diniz, que tinha um papel importante na parte financeira da equipe, se mandou para a Ligier, onde competiu em 96. Em sua segunda temporada na F1, a Forti estreou uma versão B de seu modelo, e este já usava o câmbio semiautomático. Porém, a F1 implementou a regra dos 107%, e isso fez com que a Forti conseguisse uma vaga no grid em apenas seis corridas do ano.
Desta forma, a Forti Corse fechou as portas ainda com a temporada em andamento, encerrando de maneira dura a sua aventura na F1.
Comentários