Irmãos Rodríguez: as estrelas mexicanas da F1 nos anos 60
É quase impossível pensar em automobilismo mexicano sem lembrar dos irmãos Rodríguez. Ao ouvir o hino do país sendo tocado na vitória de Sergio Pérez, no último GP do Sakhir, a viagem no tempo nos leva à dupla, que marcou presença de forma bastante acentuada não só na F1, como no esporte a motor no geral, durante principalmente os anos 60, em meio a uma das melhores gerações da história do Mundial.
A referência está inclusive no nome do autódromo da Cidade de México, que nasceu “Magdalena Mixhuca”. Palco da trágica morte de Ricardo Rodríguez justamente no primeiro grande evento internacional do circuito, o GP do México de 1962, o local passou algum tempo depois a se chamar “Autódromo Hermanos Rodríguez”.
Ricardo e Pedro Rodriguez eram separados por apenas dois anos, e ambos competiram em algum momento pela Ferrari. Porém, eles nunca chegaram a correr juntos na F1. Fizeram diversas corridas em dupla em provas de endurance. Até hoje, Ricardo ainda é o piloto mais jovem a participar de um GP na história da escudera de Maranello, ao ter largado para o GP da Itália de 1961 com 19 anos.
A paixão inicial de ambos começou na verdade nas duas rodas. O pai deles, Pedro Natalio Rodríguez, tinha uma empresa de fabricação de contêineres para a principal empresa de petróleo do país. Isso sem considerar fortes ligações com governo federal, o que sempre gerou rumores de outras negociatas paralelas. Sendo assim, dinheiro não era problemas e a família incentivou a paixão pelo esporte a motor.
Eles começaram a participar de provas de motociclismo muito jovens. Muito mesmo. Ricardo conquistou um título nacional aos 11 anos, para se ter ideia. Pedro também teve conquistas importantes. E pouco tempo depois, ambos foram para as quatro rodas com o foco em esporte-protótipos e endurance. E não demorou para que eles conquistassem o mundo.
Ricardo, o mais jovem e talentoso dos irmãos
A carreira de Ricardo nas quatro rodas começou em competições regionais no México com um Fiat Topolino. Em 1957, aos 15 anos, ele participou de sua primeira corrida internacional, em Riverside, nos Estados Unidos, com um Porsche RS.
No ano seguinte, aos 16, ele tentou correr nas 24 Horas de Le Mans ao lado do irmão, mas teve sua inscrição barrada por ser muito novo. Pedro acabou compondo dupla com José Behra para competirem com uma Ferrari da equipe Nart (North American Racing Team), uma espécie de operação independente da Ferrari nos Estados Unidos, mas que mantinha relação próxima com a marca de Maranello.
No ano seguinte, Ricardo conseguiu participar da emblemática prova, ao lado do irmão, com um Osca, marca italiana que fabricava carros específicos para competição. Eles abandonaram após apenas 32 voltas por conta de um problema na bomba d’água do veículo.
No ano seguinte, eles voltaram a Le Mans, porém, agora em carros separados. Pedro, o mais velho, foi convidado para competir pela equipe oficial da Ferrari, e Ricardo ficou com a vaga na Nart, dividindo a F500 TR com José Behra. Rodríguez e Behra abandonaram após 119 voltas com um superaquecimento no motor, mas o desempenho do mexicano chamou a atenção do time de Maranello.
Assim, o Rodriguez mais jovem foi convidado para correr no GP da Itália de 1961 pela esquadra italiana, que teria quatro carros idênticos no grid da prova. E o mexicano de cara mostrou a que veio ao fazer o segundo tempo em sua primeira classificação na F1, apenas 0s1 atrás do pole, Wolfgang von Trips, e 0s4 à frente do terceiro colocado, Richie Ginther. Phil Hill, campeão daquela temporada, sairia em quarto.
A prova ficou marcada pelo acidente fatal de Von Trips, que era o líder do campeonato até então. Hill venceu, o que o deixou um ponto à frente do companheiro e lhe garantiu o título, mesmo com a Ferrari não indo para a última etapa, nos EUA. Rodríguez abandonou na 13ª volta com um problema na bomba de combustível, quando era terceiro. E mais uma vez deixou uma boa impressão.
Tanto que ele recebeu um contrato de piloto oficial da Ferrari para toda a temporada seguinte, o que parecia um sonho se realizando para o jovem mexicano. Bastante jovem para uma oportunidade dessas, Ricardo tinha um talento que saltava aos olhos de todos. Uma de suas características que ficou bastante clara é o fato dele conseguir se adaptar rápido a qualquer carro e conseguir tirar desempenho dele em pouco tempo.
Para aventura de 1962 na Europa, ele levou junto seu grande amigo Jo Ramírez, que ficaria muito conhecido anos depois pelo público brasileiro por trabalhar com os irmãos Fittipaldi na Copersucar e como gerente de operações na McLaren nos tempos de Ayrton Senna e Alain Prost.
“Ricardo era uma pessoa muito especial, um cara cheio de vida, sempre preparado para uma boa piada”, relembrou o mexicano em uma entrevista à revista inglesa Motorsport. “Ele não precisava trabalhar duro no carro de corrida, ele era natural como Ayrton, Alain ou Michael [Schumacher]. Ele tinha um facilidade instantânea para pilotar no limite sem parecer que ele estava tentando. Ele era muito amado no México. Ele seria um dos grandes, não tenho dúvida.”
A campanha de 62, no entanto, acabou não indo tão bem porque a Ferrari comeu poeira dos rivais. O modelo 156 da equipe italiana não era páreo para BRM, Lotus e Cooper. Em cinco participações, Rodríguez conseguiu marcar quatro pontos com um quarto lugar no GP da Bélgica e um sexto na Alemanha. Mesmo assim, o status de Rodríguez dentro do paddock não parava de subir e ele era visto por todos, até por ter apenas 20 anos, como um futuro campeão mundial.
Quinta colocada no campeonato de construtores, a Ferrari decidiu nem participar das duas últimas etapas do Mundial, nos Estados Unidos e na África do Sul. O pior, no entanto, é que no meio delas estava previsto o primeiro GP do México da história, que seria uma prova teste não válida para o campeonato.
Sem a inscrição na Ferrari, Rodríguez correu atrás de um outro carro. Como grande nome do automobilismo do país, ele sentia que não poderia ficar de fora de tal evento. Ele fechou um acordo com o dono Rob Walker para competir com um Lotus-Climax da equipe do inglês. Só que a participação, que era para ser o símbolo de uma grande festa, acabou se tornando uma tragédia. Durante os treinos livres, Ricardo bateu na lendária curva Peraltada e morreu minutos depois, ainda na ambulância que o levava ao hospital.
As versões para o acidente são diversas. Mas muitos apontam que uma ponta de orgulho levou Ricardo a um limite desnecessário em uma sessão que não valia nada. Com o autódromo cheio de expectadores locais e seu pai nos boxes, ele liderava a tabela de tempos até que foi superado por John Surtees em seu Lola. Ricardo resolveu voltar à pista para tentar baixar o tempo do rival e nunca mais voltou.
“Na entrada daquela curva tinha uma ondulação que fazia o carro reagir mal se você passasse por cima”, conta Ramírez. “Então, todo mundo estava usando a outra parte da pista. Foi neste ponto que algumas pessoas disseram que algo quebrou no carro”, continuou.
Pedro, o Rodríguez que realizou o sonho da vitória na F1
Mais velho dos irmãos, Pedro Rodríguez foi quem começou o envolvimento com o esporte a motor lá na adolescência, quando ele e Ricardo iniciaram suas jornadas nas motos. Depois, assim como Ricardo, ele também migrou para os esporte-protótipos, porém, em um primeiro momento, não mergulhou na carreira da mesma forma.
Indiscutivelmente, Ricardo era o grande talento nato entre eles, porém, isso não significa que Pedro também não fosse habilidoso. A diferença entre eles, talvez, é que para o mais velho dos Rodríguez as coisas não vinham de forma tão imediata. Ele precisou de mais tempo para desenvolver sua habilidade.
Jo Ramírez conta que quando os dois corriam juntos em provas de resistência, o irmão mais jovem era, dependendo do circuito, até dois segundos mais rápido por volta com o mesmo carro. Porém, ele sempre apontou que isso era mais um mérito de Ricardo do que demérito de Pedro.
Nos primeiros anos da década de 60, quando Ricardo já começava a impressionar os europeus e pedir passagem na F1, Pedro seguiu com o foco no endurance. Na Europa, além de Le Mans, ele participou de outras corridas importantes como os 1.000 km de Nurburgring e Targa Florio. Nos EUA, era nome recorrente nas 12 Horas de Sebring e em Daytona.
Em 1962, assim como seu irmão, ele também iria participar do GP do México inaugural com um carro privado. Ele não estava no treino livre em que seu irmão morreu e após o acidente, como era de se esperar, desistiu de correr na prova.
Com a perda do irmão, Pedro resolveu voltar ao México. Ele abriu uma importadora de carros, mas não desistiu das corridas. Ou pelo menos totalmente. A princípio sua decisão foi de não fazer mais uma carreira, mas de competir em corridas esporádicas por prazer.
E o plano incluiu empreitadas importantes. Na temporada de 1963 ele venceu as 3 Horas de Daytona, ficou em terceiro nas 12 Horas de Sebring, largou na pole das 24 Horas de Le Mans (abandonou a prova) e estreou na F1 com duas participações, nos GPs dos EUA e México (este agora como etapa oficial do Mundial) pela Lotus.
E ele levou a vida assim até 1966, focado em seus negócios no México e aproveitando sua folgada vida financeira para não deixar de participar de algumas das principais competições da Europa e dos Estados Unidos de forma cada vez menos esporádica. Só que aos poucos, a empolgação foi voltando.
Segundo relatos de pessoas próximas, a lembrança de Ricardo nunca se tornou uma sombra para Pedro, porém, ele sentia a pressão de se tornar um piloto tão bom quanto o irmão mais novo. Ele claramente evoluiu e seu talento, de forma mais tardia, começou a desabrochar.
Na abertura da temporada de 1967, ele recebeu um convite da Cooper para correr no segundo carro da equipe, no GP da África. De forma surpreendente, Pedro venceu a corrida, conquistando a primeira vitória de um piloto mexicano na história da F1. E desta forma, o convite para uma corrida se tornou um contrato para a temporada completa do Mundial daquele ano.
Pedro se mudou para a Inglaterra e voltou a encarar o automobilismo como uma carreira. Ele terminou o campeonato na sexta posição, com 15 pontos, como o mais bem colocado piloto da Cooper na classificação geral. Seu companheiro Jochen Rindt, futuro campeão mundial e que já era visto dentro e fora da equipe inglesa como um grande talento, ficou com apenas seis. A equipe terminou na terceira posição entre os construtores.
Na temporada seguinte ele teve mais uma oportunidade como piloto titular, agora pela BRM. Um novo triunfo não veio, mas ele mais uma vez foi constante, com três pódios e a sexta posição no campeonato. Fora da F1, ele conquistou as 24 Horas de Le Mans com um Ford GT em companhia de Lucien Bianchi, tio avô de Jules Bianchi, que viria a correr [e morrer em um acidente] na F1 nos anos de 2010.
Nesta prova, ele mostrou uma incrível habilidade durante uma forte chuva que caiu na fase noturna da corrida. Por sinal, sua técnica na pista molhada foi rapidamente reconhecida por todos como uma das melhores na época.
A evolução de Pedro ficou evidente. Assim como seu estilo totalmente diferente de seu irmão tanto dentro como fora da pista. O Rodríguez mais velho era fechado, não gostava de se misturar com os outros pilotos. E também tinha um estilo mais duro ao volante, o que diversas vezes gerou reclamações dos adversários e até questionamentos de segurança. Por outro lado, ele deixava uma impressão interna muito boa nas equipes pelo seu profissionalismo e postura.
“Todos na BRM o consideravam muito”, relembrou Tim Parnell, chefe da equipe inglesa. “Especialmente os mecânicos. Ele nunca reclamava, só se preocupava em fazer o trabalho. Ele era um carinha divertido, um personagem um pouco misterioso, mas ele impunha muito respeito”, continuou o dirigente à revista Motorsport.
Em 1969, ele fez mais uma vez as três primeiras corridas do Mundial pela BRM, mas depois recebeu a proposta de se juntar à Ferrari tanto para a F1 quanto para Le Mans. Ele topou, mas os resultados não foram os esperados. Assim, na temporada seguinte, ele retornou para a BRM, conquistando em 70 mais uma vitória, no GP da Holanda. Mais cedo naquele ano, ele também ganhou as 24 Horas de Daytona, com um Porsche 917K, ao lado do finlandês Leo Kinnunen e do britânico Brian Redman.
Aos 31, Pedro já era em 1971 um piloto com uma carreira profissional consolidada na Europa e Estados Unidos, participando de forma regular da F1 e das principais corridas de endurance dos dois lados do Atlântico.
No começo do ano, ele venceu mais uma vez as 24 Horas de Daytona e depois partiu para nova temporada na F1 com a BRM, com quem conquistou mais um pódio com o segundo lugar na Holanda, além de um bom quarto lugar na Espanha. Só que sua campanha não chegaria ao fim.
Em 11 de julho, ele participava de uma prova da Interserie, um campeonato de carros esportivos na Europa, no circuito de Norisring, na Alemanha, quando sofreu um grave acidente. Após perder o controle de sua Ferrari 512M, o mexicano bateu forte numa barreira de pneus e o carro pegou fogo instantaneamente. Quando o socorro chegou, já era tarde e o Rodríguez morreu no local.
Assim como no acidente de Ricardo, nove anos antes, existem relatos e análises das mais variadas sobre a fatalidade. Algumas fontes apontam que ele ficou sem espaço ao ultrapassar um retardatário que estava muito mais lento e saiu do traçado. Alguns fotógrafos no local também apontaram em publicações da época uma possível falha no pneu. Mas nada é muito certo.
O final da história dos irmãos Rodríguez acaba deixando uma sensação de tragédia. A impressão é que eles poderiam ter conquistado muito mais no automobilismo se não fossem suas mortes nas pistas. Mesmo assim, são personagens que seja em conjunto ou por suas trajetórias individuais deixaram uma marca importante para o automobilismo mexicano e internacional.
Comentários