Jerez – 1997: o título de Villeneuve e o momento mais baixo de Schumacher

A disputa pelo título da temporada de 1997 entrou para a história da F1. A batida de Michael Schumacher em Jacques Villeneuve, no circuito de Jerez de la Fronteira, na Espanha, foi o clímax de uma rivalidade intensa, o que coroou o piloto canadense e colocou uma mancha irreversível no currículo do alemão. 

Villeneuve e Schumacher foram os dois protagonistas de toda aquela temporada. Por um lado, o piloto da Williams, campeão da Indy e das 500 Milhas de Indianápolis em 1995, fazia sua segunda temporada na F1. Por outro, Schumacher fazia sua segunda campanha pela Ferrari e buscava o primeiro troféu de pilotos para Maranello desde 1979. Juntos, os dois haviam vencido 12 dos 16 GPs disputados antes da prova decisiva, mas não tinham dividido um único pódio sequer naquele ano. 

A temporada chegou à corrida final em situação tensa. Na penúltima corrida do campeonato, no Japão, Schumacher venceu depois de fazer uma prova tática com a ajuda do parceiro, Eddie Irvine, enquanto que Villeneuve correu sob apelo, mas acabou desclassificado da corrida por ter desrespeitado uma bandeira amarela durante um treino livre. Assim, os dois ficaram separados por apenas um ponto na tabela, com vantagem para o competidor da Ferrari. 

Preparativos tensos para a decisão em Jerez

Villeneuve chegou a Jerez em desvantagem par Schumacher (Reprodução)

Originalmente, a corrida final da temporada de 1997 aconteceria no circuito do Estoril, em Portugal. No entanto, o evento foi retirado do local devido a problemas com a infraestrutura do autódromo, que não se submeteu às obras que eram esperadas. Desta forma, a etapa decisiva foi transferida para Jerez de la Frontera, na Espanha, batizada de GP da Europa.

Para Villeneuve virar e conquistar o título, bastava apenas terminar na zona de pontos e à frente e Schumacher – em caso de empate nos pontos, o canadense seria declarado campeão por ter mais vitórias. Porém, em caso de abandono dos dois, o título seria de Schumacher.

Justamente por isso, Villeneuve chegou a Jerez mostrando preocupação com a possibilidade de algo fora das regras ser feito, seja com a ajuda de Irvine, seja pelas mãos do próprio Schumacher. Afinal, ainda estava fresco na memória de todos o episódio envolvendo Damon Hill em Adelaide, 1994, o que rendeu o primeiro título mundial ao alemão.

Schumacher, por sua vez, insistia que queria uma disputa limpa, com o objetivo de superar Villeneuve dentro da pista.

“Todos querem ver uma luta direta entre Jacques e eu, e é o que quero também. Quero vencer a corrida e, assim, vencer o campeonato, e não por um acidente ou algo do tipo. Este não é o meu objetivo.”

Michael Schumacher nos preparativos para o GP da Europa

Só que a animosidade ficou escancarada logo nos treinos livres. Villeneuve sentiu que vinha sendo atrapalhado de propósito por Irvine e fez questão de tirar satisfações com o escudeiro de Schumacher na frente de todo mundo. Segundo o canadense, tudo fazia parte de uma “guerra psicológica”, e sua postura tinha o objetivo de deixar o mundo inteiro de olho em possíveis ações questionáveis por parte da Ferrari.

O inacreditável empate triplo


E o que já era tenso se tornou surreal durante a sessão de classificação. Com 14 minutos de atividades, Villeneuve assumiu a pole provisória ao marcar 1min21s072. Mais 14 minutos se passaram e Schumacher registrou exatamente o mesmo tempo para empatar com o canadense.

Se isso já não era inusitado o bastante, o parceiro de Villeneuve na Williams, Heinz-Harald Frentzen, também anotou 1min21s072 a nove minutos para o fim. A sessão terminou com um inédito e inacreditável empate triplo pela pole position, mas a posição de honra ficou com Villeneuve, que registrou seu tempo primeiro, enquanto que Schumacher foi o segundo e Frentzen o terceiro.

1min21s072: três pilotos registraram o mesmo tempo em Jerez

Uma curiosidade: a Tag Heuer, responsável pela cronometragem da F1 na época, até tinha acesso em seus sistemas internos a informação sobre o quarto dígito de cronometragem, o décimo de milésimo. Só que este número não poderia ser usado para desempatar a disputa na formação do grid, então a informação foi mantida em sigilo.

Reviravolta logo na largada

Na corrida, a situação mudou logo na largada, já que Schumacher partiu melhor e assumiu a ponta. Villeneuve, cauteloso, também foi ultrapassado por Frentzen e caiu para terceiro. Na volta 8, a Williams ordenou que seus pilotos trocassem de posição, então Villeneuve voltou o segundo lugar para poder iniciar uma perseguição a Schumacher e ter uma disputa mano a mano com o rival.

Bem, nem tão mano a mano assim, afinal, Schumacher e Villeneuve precisavam lidar com o tráfego de retardatários. Ao fim da volta 30, a diferença entre os dois já havia caído para 0s8, e eles se preparavam para colocar uma volta em Norberto Fontana, da Sauber.

Fontana abriu caminho para Schumacher, mas segurou Villeneuve

Schumacher conseguiu passá-lo sem problemas, mas o argentino segurou Villeneuve por mais quatro curvas, o que fez com que a diferença subisse para 3s1. Naquela época, a Sauber já tinha uma parceria técnica com a Ferrari e usava os motores italianos. Anos mais tarde, Fontana revelou que foi abordado por Jean Todt, chefe da Ferrari, que pediu para que ele atrapalhasse Villeneuve caso se deparasse com o canadense na pista. Ferrari e Sauber, por sua vez, sempre negaram a história contada pelo argentino.

“Tudo aconteceu duas ou três horas antes da corrida. Jean Todt entrou na sala e foi direto ao ponto: ‘Por ordem da Ferrari, você deve bloquear Villeneuve caso cruze com ele na pista.”

Norberto Fontana, em entrevista ao jornal Olé em 2006

A colisão dos rivais

A perseguição de Villeneuve a Schumacher continuou, e na volta 48, a diferença já era novamente visual. Na aproximação da curva Dry Sack, um grampo à direita, Villeneuve mergulhou por dentro de última hora para tentar surpreender Schumacher, mas o alemão fechou a porta e bateu na lateral do rival.

Schumacher foi parar na brita, ficou atolado e abandonou a prova. Villeneuve conseguiu continuar, mas com uma grande preocupação, pois a batida atingiu o radiador da Williams e deixou a bateria do carro solta, presa somente pelos cabos elétricos. Então, Villeneuve guiou com cautela apenas para conseguir terminar a prova, até porque o sexto lugar já lhe seria suficiente.

Schumacher fechou a porta e bateu no carro de Villeneuve

Os rivais de trás se aproximaram. Na última volta, o canadense praticamente abriu caminho para os pilotos da McLaren, o que deu a Mika Hakkinen sua primeira vitória na F1, com David Coulthard em segundo. Villeneuve cruzou a linha de chegada em terceiro, conquistando o dramático título por três pontos. 

O desfecho do campeonato repercutiu de maneira terrível para Schumacher, que até tinha levado a Jerez alguns bonés especiais grafados com a escrita de “campeão de 1997”. O piloto foi massacrado pela imprensa do mundo inteiro, incluindo veículos da Alemanha e da Itália.

Inicialmente, ele ficou na defensiva e avaliou que Villeneuve “o usou como apoio para fazer a curva, já que ele passaria reto tendo freado onde freou”. Dias depois, mudou o discurso e reconheceu que “cometeu um grande erro, embora isso não acontecesse com tanta frequência”. Os comissários do GP da Europa concluíram que se tratou de um incidente de corrida, e que nenhuma medida adicional seria necessária.

O curioso é que Villeneuve e Schumacher chegaram a celebrar juntos no dia da corrida em Jerez, quando serviram lado a lado bebidas aos convidados em uma festa. O episódio foi parar nas páginas de um jornal alemão, e Villeneuve suspeitou que Schumacher vazou a história para a imprensa a fim de aliviar a pressão pública pela batida – afinal, se ele e Villeneuve estavam numa boa, é porque o entrevero na pista não foi grande coisa.

Mas, se esta foi a intenção de Schumacher, não deu muito certo. No dia 11 de novembro, o Conselho Mundial da FIA decidiu desclassificar Schumacher do campeonato de 1997, já que sua manobra, “mesmo não tendo sido premeditada, foi proposital”. Isso promoveu Frentzen ao posto de vice-campeão.

Na mesma reunião, a FIA também julgou uma acusação de complô entre Williams e McLaren no GP da Europa. A suspeita era de que as duas equipes, que se opunham à assinatura do Pacto de Concórdia por ele trazer benefícios demais à Ferrari, haviam combinado os resultados em Jerez, o que rendeu a vitória a Hakkinen. A FIA analisou as evidências e julgou que isso não aconteceu. Porém, anos mais tarde, David Coulthard confirmou que de fato houve um acordo pra que a McLaren ajudasse a Williams na luta contra a Ferrari.

“Ron [Dennis] fez o acordo com Frank [Williams], do qual nenhum de nós sabia na época, que, se ajudássemos a Williams a bater a Ferrari, eles não ficariam em nosso caminho e ajudariam a McLaren. Ron provavelmente negaria esta história até hoje, mas foi isso o que aconteceu.”

David Coulthard, em entrevista à revista Autosport, em 2014

Nos anos seguintes, os protagonistas da temporada de 1997 tiveram caminhos bem diferentes. Villeneuve nunca mais venceria um GP de F1 e, com a mudança para a BAR, deixou de ocupar o pelotão da frente. Já Schumacher enfim terminaria o jejum da Ferrari em 2000 e emendaria cinco títulos consecutivos por Maranello.

Mas aquele dia de Jerez representou uma mancha em seu currículo, e o próprio piloto nunca tirou isso da cabeça. Anos mais tarde, Schumacher admitiu que, se pudesse desfazer algo em sua carreira, escolheria Jerez.

Confira mais detalhes em nosso vídeo especial:

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