O dia em que Markus Winkelhock se tornou um líder improvável na F1
O GP da Europa de 2007 viu um cenário bastante incomum para a F1. Um piloto estreante, com o carro menos competitivo do grid, saltou do último lugar para a liderança em questão de minutos, em meio a uma corrida completamente caótica. Mas como Markus Winkelhock escalou o pelotão em Nurburgring de forma tão maluca?
Para começar, quem é o protagonista da história? Markus Winkelhock vem de uma família tradicional no automobilismo, sendo que seu tio, Joachim, e seu pai, o falecido Manfred, tiveram passagens pela F1. Markus se aproximou da principal categoria do automobilismo na virada de 2005 para 2006, quando se tornou piloto de testes da Midland, que assumia a identidade da Jordan. Em 2007 ele permaneceria no posto, quando o time passaria a se chamar Spyker.
Naquela temporada, Christijan Albers, um dos pilotos titulares da Spyker, vivia dificuldades dentro e fora das pistas. O holandês era constantemente superado por seu parceiro, Adrian Sutil, e viu um de seus patrocinadores não realizar os pagamentos que eram prometidos à equipe. Assim, Albers foi demitido depois da corrida de Silverstone, e uma vaga estaria disponível para a etapa de Nurburgring, que seria batizada de GP da Europa. Alguns pilotos chegaram a ser cotados para o posto, como Christian Klien e Narain Karthikeyan, mas, para Nurburgring, a Spyker decidiu dar uma chance a Winkelhock.
Winkelhock, piloto de F1 por uma corrida
Já se sabia logo de cara que muito provavelmente o alemão faria apenas aquela corrida, já que ele não tinha o aporte financeiro para ficar com a vaga em definitivo. Então, o acordo serviria para a equipe tapar o buraco e ganhar tempo para negociar com alguém para o restante da temporada. Ajudava o fato de Winkelhock conhecer Nurburgring muito bem, e já estar familiarizado com o estilo de trabalho da equipe.
Contava contra o período de dois meses sem guiar um F1 – ele havia guiado o modelo F8-VII apenas uma vez, em um teste em Paul Ricard, em maio. Àquela altura, Winkelhock estava mais acostumado à dinâmica de pilotagem do DTM, categoria onde vinha competindo ocasionalmente.
A familiarização não foi das mais fáceis. Como era esperado, Winkelhock se classificou no 22º e último lugar do grid, 1s4 atrás de Sutil, o penúltimo. Porém, o seu foco para a corrida era basicamente conseguir chegar até a bandeirada, sem cometer erros, e sem enfrentar problemas com seu pescoço. Afinal, ele temia que a inatividade pudesse cobrar seu preço do ponto de vista físico. Mas a corrida, no domingo, traria boas oportunidades que viriam do céu.
Os três minutos e três segundos que mudaram tudo
Os carros partiram para a volta de apresentação com a pista seca, mas com nuvens bastante escuras no céu, o que indicava que a chuva era uma mera questão de tempo. Algumas gotas começavam a cair, só que ainda não era o suficiente para exigir uma troca de pneus. Winkelhock, que partia em último e não tinha nada a perder, foi chamado de última hora para ir aos boxes ao fim da volta de apresentação para colocar compostos de chuva forte para a largada. Era uma tática para lá de arriscada: se a chuva não aumentasse, o piloto perderia muito tempo e teria de fazer uma nova troca para pneus de seco. Por outro lado, se a chuva viesse com com força, poderia dar muito certo – e foi isso o que aconteceu.
Logo na primeira volta da corrida, a chuva já caía com intensidade considerável, o que provocou várias batidas e escapadas de pista. O asfalto ficou tão escorregadio que Kimi Raikkonen, o pole position, quis ir aos boxes para trocar pneus, mas derrapou e perdeu a entrada do pitlane. Boa parte dos pilotos parou para colocar pneus intermediários, enquanto que Winkelhock, que já estava com os compostos adequados, ganhou muito terreno. Bastou apenas ele ultrapassar Raikkonen, que ainda se arrastava com a borracha de pista seca, para assumir a liderança de forma surpreendente. Em exatos três minutos e três segundos, Winkelhock pulava do último ao primeiro lugar, com o carro que era tido como o pior do grid, e logo em seus primeiros quilômetros de corrida como piloto de F1.
E um detalhe importante nisso tudo. Winkelhock usava pneus de chuva forte, enquanto que a concorrência havia colocado os intermediários em suas paradas. E o que era uma garoa se transformou numa tempestade em questão de segundos, o que favoreceu a escolha da Spyker. Isso fez com que a vantagem de Winkelhock na liderança chegasse a inacreditáveis 36 segundos.
A segunda aposta (que não deu certo)
Só que a chuva estava tão forte que formou um riacho na Curva 1, o que fez com que muitos pilotos calçados com os intermediários fossem pegos indefesos e rodassem. Isso até gerou uma situação potencialmente de muito perigo, com carros rodando desgovernados perto dos tratores de resgate na área de escape. Diante deste caos, a direção de prova não teve alternativas a não ser aplicar a bandeira vermelha e parar a corrida.
Durante o período de interrupção, a chuva parou e o sol até apareceu, o que fez com que a água na pista diminuísse bastante. Após algumas voltas com safety car, a relargada foi dada e toda a vantagem de Winkelhock havia desaparecido. A Spyker fez outra aposta na expectativa de mais chuva, e colocou Winkelhock novamente com compostos de chuva forte, enquanto que todos os outros usavam intermediários.
Mas, desta vez, não deu certo. Quando a bandeira verde foi dada, a pista já estava bem mais seca, e Winkelhock foi presa fácil. Ele foi rapidamente engolido pela concorrência e despencou para 16ª em menos de duas voltas. O conto de fadas chegou definitivamente ao fim na 14ª volta, quando foi obrigado a abandonar com problemas hidráulicos em seu carro.
“Liderar uma corrida de F1 é algo que ninguém pode tirar de você. Terei isso para o resto da vida. Estou muito feliz por ter liderado meu GP de casa.”
Markus Winkelhock, feliz da vida apesar do abandono
Toda esta montanha-russa de emoções deixou Winkelhock feliz da vida. Mas, como já era esperado, também acabava ali a sua passagem pela F1. A partir da corrida seguinte, a Spyker colocou Sakon Yamamoto na vaga, e Winkelhock nunca mais guiaria um carro de F1 oficialmente. Assim, ele terminou com estatísticas interessantes, tendo liderado seis das 13 voltas que percorreu em GPs na categoria.
No geral, aquela tarde em Nurburgring rendeu várias histórias, e ficou marcada pela disputa e discussão entre Fernando Alonso e Felipe Massa na luta pela vitória. Mas o grande personagem mesmo foi Markus Winkelhock, o líder mais improvável da F1.
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