Luto e liderança precoce: o cenário da 1ª vitória de Fittipaldi na F1
O dia quatro de outubro de 1970 é um dos mais importantes para a história do automobilismo brasileiro. Foi quando Emerson Fittipaldi conquistou a primeira vitória de um piloto do país na F1. O esporte a motor já era bem popular por aqui e alguns nomes já tinham conseguido algumas façanhas em pistas estrangeiras, com Chico Landi puxando uma fila de grandes talentos. Mas é inegável que este triunfo colocou o Brasil em novo patamar.
E o momento da vitória de Fittipaldi também marcou a F1. O brasileiro se estabeleceu como um novo talento na categoria apenas dois anos depois de chegar à Europa, onde começou correndo de F3 em troca de serviços mecânicos. E dentro da Lotus, ele garantiu para o companheiro Jochen Rindt o único título póstumo da história do Mundial.
Aos 23 anos, o jovem Emerson assumia o posto de piloto principal de uma das equipes mais importantes da época. Não faça paralelos com nomes da atualidade, pois a preparação, situação e pressão eram completamente diferentes.
Todo este cenário faz com que a conquista de Fittipaldi seja lembrada não só por nós brasileiros, mas por todo o mundo. O piloto se tornaria rapidamente um dos principais nomes da F1 e o Brasil se manteria por mais de quatro décadas como protagonista da categoria, com vitórias ainda de José Carlos Pace, Nelson Piquet, Ayrton Senna, Rubens Barrichello e Felipe Massa, além de grandes participações de tantos outros nomes que ajudaram a escrever a história do país na F1.
A rápida ascensão de Fittipaldi
Com diversas conquistas importantes no Brasil, Emerson resolveu, aos 21 anos, encarar em 1969 a aventura de ir para a Europa para competir. Além de grande piloto, o jovem brasileiro já tinha boa experiência em mecânica, pois ele mesmo mexia em seus carros, junto com irmão Wilson Fittipaldi Jr, e a trupe de amigos com que corriam nas pistas brasileiras.
Sua família era bastante ativa no automobilismo nacional, incentivada principalmente pelo pai, Wilson Fittipaldi, conhecido como “Barão”, que era um grande entusiasta, participando de vários eventos e promovendo provas como as Mil Milhas, em Interlagos, a partir de 1956.
Com dinheiro para permanecer apenas três meses na Inglaterra, Emerson arrumou um emprego de mecânico em Wimbledon, nas cercanias de Londres, ajustando motores. Em troca, conseguiu um carro de Fórmula Ford, que ele mesmo preparava. Com vitórias logo em suas primeiras participações, ele chamou a atenção de Jim Russell, proprietário de uma equipe de F3. O inglês colocou Fittipaldi em seu Lotus 59 e o viu fazer a limpa nas corridas da categoria na Inglaterra, batendo nomes como James Hunt e Ronnie Peterson, também futuras estrelas da F1.
O barulho foi tão grande e rápido, que ainda em 69 ele começou a receber propostas da F1. Colin Chapman e Frank Williams logo procuraram Fittipaldi, mas ele acreditava que poderia se queimar naquele momento por sua falta de experiência na Europa. Por isso, resolveu recusar as ofertas de já subir para a F1 para poder correr na F2. Ele conseguiu uma vaga em uma equipe que tinha parceria com a Lotus para 1970. E faria uma bela campanha na competição. Só que ao contrário do que talvez imaginava, sua promoção ainda aconteceria dentro daquela temporada.
Chegada à F1 pela Lotus
A Lotus vinha de uma década de 60 em que se estabeleceu como uma das principais forças da F1. A receita foi a engenhosidade de seu líder, Colin Chapman, e sua ótima equipe de engenheiros, os talentos de Jim Clark e depois Graham Hill, e mais recentemente o ótimo motor Ford Cosworth DFV. Em 1970, ele ainda tinha o talentoso e inspirado Jochen Rindt ao volante.
Chapman, sempre de olho em novos nomes, criou o hábito de inscrever um terceiro carro em alguns GPs da F1. Os pilotos corriam com um modelo desatualizado ou até mais atrasado da equipe, mas a ideia aqui era dar quilometragem e poder fazer uma análise mais próxima. O dirigente chamou novamente Fittipaldi para correr com o modelo 49C no GP da Grã-Bretanha, sétima etapa do Mundial.
Rindt, que liderava o campeonato com três vitórias até então, e o companheiro John Miles competiam com o novo Lotus 72, sendo que o austríaco já tinha em mãos a versão C, mais atualizada. Esse carro, que estava estreando na F1 naquela temporada, se tornaria quase que um símbolo da primeira metade dos anos 70, com diversos triunfos e títulos.
Na sua primeira prova, em Brands Hatch, Fittipaldi conseguiu um bom oitavo lugar. Rindt venceu pela quarta vez na temporada. Duas semanas depois, em Hockenheim, o brasileiro mais uma vez alinhava seu Lotus 49, e dessa vez conquistava um resultado bastante impressionante, em quarto. A vitória, mais uma vez, ficava com Rindt, cada vez mais folgado na liderança do campeonato.
O GP da Áustria não foi tão bom para a Lotus, com nenhum de seus carros terminando nos pontos. Mas a equipe seguiu confiante para Monza, onde Emerson faria sua quarta participação no Mundial e onde Rindt até já teria uma pequena chance de garantir o título, ou pelo menos deixá-lo bastante encaminhado para as últimas três etapas do campeonato.
Para tentar ajudar Rindt, a Lotus conseguiu levar três chassis 72C para a Itália, assim, colocando Miles e Fittipaldi agora andando com que o time tinha de melhor para tentarem um resultado forte para a equipe. Nos treinos de sexta-feira, Chapman pediu para que o brasileiro andasse no modelo de Rindt para se adaptar ao novo modelo, bem mais avançado do que o que ele vinha competindo, e assim se acostumar com acerto.
Só que Emerson cometeu um erro e bateu. O carro precisou passar por reparos na correria no restante do final de semana, e isso obrigou que Rindt usasse o 72 que estava reservado para Fittipaldi nos treinos de sábado. Na pista, o novo carro teve uma falha e o austríaco sofreu um grave acidente na curva Parabolica e entrou debaixo da barreira de pneus. Os médicos declararam sua morte ainda na ambulância, rumo ao hospital.
A Lotus, com receio de problemas com a justiça local, empacotou seus equipamentos rapidamente e deixou o circuito e a Itália ainda no sábado. O acidente ainda daria dores de cabeça para Chapman no futuro.
Luto e a vitória de Fittipaldi pelo título de Rindt
A Lotus também não participou do GP do Canadá e resolveu retornar nos Estados Unidos para tentar garantir o título de Rindt, que ainda seguia na frente no campeonato. Miles resolveu se aposentar após a morte do companheiro e assim Chapman fez de Fittipaldi seu principal piloto a partir da prova de Watkins Glen. Ele teria como parceiro o novato sueco Reine Wisell.
Emerson precisava bater Jacky Ickx, que necessitava de duas vitórias nas últimas duas etapas para superar Rindt na pontuação. Na classificação, o belga conquistou a pole com sua Ferrari enquanto o brasileiro ficou em terceiro, com a Tyrrell de Jackie Stewart entre eles.
Na corrida, mesmo aos 23 anos e correndo contra pilotos muito mais experientes, Fittipaldi mostrou uma de suas principais características que o definiria como piloto na F1. Além da velocidade, claro, ele era extremamente paciente e sabia conduzir o carro dentro do limite para evitar quebras, algo muito comum na época.
Uma de suas estratégias, que se tornaria algo usual, era de não forçar a embreagem na largada. Sendo assim, ele quase sempre perdia posições no começo das provas. Em Glen, ele caiu para oitavo na primeira volta. Stewart tomou a ponta e Ickx caiu para terceiro, subindo para segundo pouco depois ao superar a BRM de Pedro Rodríguez.
A prova no curto traçado americano de 3.700 metros teria 108 voltas. Emerson veio subindo aos poucos e na 15º volta era sexto. A partir da 36ª, sua paciência começou a ser recompensada. Clay Regazzoni precisou parar nos boxes para trocar os pneus de sua Ferrari e o brasileiro subiu para quinto. Na 46ª passagem, foi a vez de Chris Amon também ser obrigado a um pit para colocar compostos novos em sua March e o brasileiro passava a ser quarto.
Na 57ª, o título de Rindt ficava praticamente garantido quando Ickx foi obrigado a uma parada por conta de um vazamento no tanque de combustível. Ele ainda conseguiria retornar, mas fora da briga pela vitória. Fittipaldi assim passava a terceiro atrás de Stewart e Rodríguez.
O escocês tinha total controle da prova, com 20 segundos de vantagem para os adversários, abandonou com um vazamento de óleo em sua Tyrrell. A prova ficava agora entre Rodríguez e Fittipaldi, que vinha dosando o ritmo por quase toda a prova. E a estratégia rendeu os frutos esperados. O líder precisou fazer uma parada a sete voltas do final para completar o tanque de combustível.
O brasileiro, assim, assumiu a ponta, mas precisou conduzir seu equipamento no limite dos pneus e do combustível nas voltas finais. Mesmo assim, ele tinha a margem necessária para administrar e recebeu a bandeira quadriculada na frente, com Chapman fazendo na linha de chegada a sua já tradicional celebração ao jogar o chapéu para o alto. A Lotus ainda teria Wisell em terceiro, com Rodríguez entre eles. Ickx terminava em quarto.
Emerson conquistava a sua primeira vitória na F1 e iniciava uma tradição enorme de pilotos brasileiros na categoria. Apenas dois meses e meio depois de estrear no Mundial, ele passava a ser o piloto principal de uma das equipes mais importantes do grid. E a Lotus ainda garantia o título póstumo de Rindt.
Dois anos depois, Fittipaldi se tornaria o campeão mais jovem história da F1 até então, com 25 anos, ainda pela Lotus. A marca seria batida apenas em 2005, por Fernando Alonso, campeão aos 24. Depois dele, Vettel e Hamilton, ambos com 23, também passariam o brasileiro.
Depois de Fittipaldi, o Brasil conquistaria, até a data de hoje, mais 101 vitórias durante os anos 70, 80, 90 e 2000. A década de 2010 acabou se tornando a primeira desde então sem triunfos de pilotos do país na F1, já que a última foi de Barrichello, no GP da Itália de 2009.
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