Michael Shumacher, no Mundial de Kart de Kerpen de 2001
(Foto: Ferrari)

O dia em que Schumacher bateu Hamilton no Mundial de Kart

Nos tempos modernos, é raro ver pilotos da F1, sobretudo os mais estabelecidos, se aventurando em outras categorias. Seja por seguirem um calendário exigente, um contrato restritivo ou pelo simples receio de “descerem do pedestal” e se exporem diante de competidores menos conhecidos, os integrantes do grid da F1 via de regra só limitam suas participações em corridas aos GPs, sendo Nico Hulkenberg uma das únicas e agradáveis exceções nos últimos anos. Outro que escapou desta tendência foi Michael Schumacher, que, em 2001, voltou às suas raízes na etapa final do Campeonato Mundial de Kart.

A prova foi realizada praticamente “na casa” de Schumacher e contou com a participação de verdadeiros ases do kartismo, além de promessas como Lewis Hamilton e Nico Rosberg. Por isso, vamos relembrar em detalhes como foi a insólita corrida que representou o primeiro confronto direto entre Schumacher e Hamilton, dois dos grandes pilotos do século XXI.

Entendendo o contexto da participação de Schumacher

Entre 26 e 28 de outubro, o Mundial de Kart fazia sua etapa derradeira. Se tratava de uma nova fórmula: em vez de uma única competição, o torneio contaria com cinco rodadas duplas. Originalmente, a decisão aconteceria no kartódromo de Suzuka, no Japão, mas a etapa acabou cancelada. Schumacher, então, fez o “meio de campo” para que o evento fosse transferido ao circuito alemão de Kerpen, no qual deu suas primeiras voltas ainda criança, quando seu pai era o administrador do local.

Naquela prova, Schumacher correria em um dos times da poderosa fabricante Tony Kart. A decisão de competir foi considerada corajosa na época: “Se eu vencer a corrida, todos vão dizer que é algo normal. Se eu perder, vou parecer um idiota”, admitiu o alemão. “Mas não estou preocupado – eu apenas quero me divertir e me testar contra os garotos, que são todos profissionais.”

De fato, a concorrência era fortíssima. Além dos promissores Hamilton e Rosberg (companheiros de equipe no Team MBM, uma aliança entre Mercedes e McLaren), a competição contava com uma porção de pilotos que fizeram carreira integralmente no kart, como os multicampeões mundiais Davide Forè e Marco Ardigò.

“Correr contra Michael será uma oportunidade que acontece uma vez na vida. Espero ser competitivo e ter uma boa corrida com ele. Ele é um dos meus maiores heróis, e correr contra ele será muito especial”, disse o jovem Hamilton

Aos 32 anos, Schumi era o piloto mais velho da prova. Hamilton e Rosberg, por exemplo, ainda viviam a adolescência, com 16. A preparação foi intensa: mesmo conhecido por sua excelente forma física, o alemão estava cerca de 8 kg acima do peso dos principais kartistas. Assim, deu ênfase ao futebol, bicicleta e exercícios na sauna e conseguiu enxugar mais 3 kg especialmente para competir em casa.

Ações na pista

Na prova de Kerpen havia 42 pilotos inscritos, que, nas tomadas de tempo, eram divididos em dois grupos: aqueles com números pares e os de números ímpares. Logo nos primeiros treinos, ainda na sexta, Schumacher liderou com direito a recorde da pista, com 43s956. Hamilton anotou 44s075, fechando em quarto.

Schumacher começou as atividades mostrando a que veio

A partir do sábado, no entanto, a chuva apertou. Schumacher voltou a liderar sua tomada de tempos no treino classificatório, mas o outro grupo enfrentou condições meteorológicas mais favoráveis, de modo que o alemão ficou com o 22º lugar nos tempos combinados – superado por todos os pilotos do outro pelotão.

Viriam a seguir, já no domingo, as baterias classificatórias. Os pilotos foram separados em três grupos, com todos correndo entre si. O sistema utilizado era o seguinte: o vencedor de cada bateria perderia zero ponto; o segundo colocado, dois; o terceiro, três, e assim por diante. Os melhores, portanto, se classificariam às finais, que eram as provas que contabilizavam pontos para o Mundial.

Schumacher estava no grupo A, e Hamilton no B. Na corrida que fizeram juntos, o alemão largou em 15º e chegou a andar em sexto, mas sofreu problemas mecânicos e fechou em oitavo, 9s5 atrás de Liuzzi, o vencedor. Hamilton largou em segundo e fechou na mesma posição, colado no italiano. Nas baterias contra o grupo C, Schumacher foi 15º e, depois, Hamilton apenas o 26º. Isso deu ao alemão o 16º lugar no grid para a primeira bateria da final, com Hamilton em 19º. Liuzzi era o pole position e Rosberg o nono.

As finais

A expectativa para a prova era alta para os parâmetros do kart, com cinco mil torcedores nas dependências de Kerpen. Na primeira corrida da final, ainda sob chuva, Schumacher teve desempenho alucinante: escalou o pelotão e chegou a andar em terceiro. Contudo, o alemão rodou na volta 15 e abandonou. A vitória foi de Sauro Cesetti, com Hamilton em sétimo.

Na segunda bateria final, também no molhado, Schumacher largou do fundo e novamente impressionou, ganhando nove posições só na primeira volta. Depois, fez mais ultrapassagens e subiu para quarto. O ferrarista ainda se beneficiou de um toque entre Franck Perera e Marco Ardigò e subiu para terceiro, que se converteu em segundo com a desclassificação do italiano por conduta antidesportiva. Rosberg, depois de ser ultrapassado por Schumacher, decidiu “seguir o embalo” do ilustre concorrente e aproveitar as brechas – ele foi o terceiro, com Hamilton novamente em sétimo. A vitória ficou novamente com Cesetti, que, assim, garantiu o vice-campeonato atrás de Liuzzi.

O saldo para Schumacher não foi nada ruim. Contabilizando a pontuação somente da corrida de Kerpen, o alemão ficou com o quarto lugar, empatado com Ardigò. Cesetti marcou mais pontos, Rosberg o segundo e Hamilton o sexto.

“Tudo o que eu queria era me divertir. Vim aqui para lutar roda a roda no meio do pelotão, e o resultado não teve importância. Foi ótimo correr aqui, diante de tanta gente”, disse Schumacher

Goste ou não do alemão, tratou-se de uma decisão admirável, que acabou concretizando uma disputa que por pouco não aconteceu: Schumacher deixou a F1 pela primeira vez em 2006, um ano antes de Hamilton debutar. É claro que o resultado deve ser relativizado, afinal, o alemão estava no auge de sua carreira, enquanto que o inglês era um jovem iniciante. No entanto, ainda assim foi suficiente para que Hamilton chamasse a atenção de Schumacher:

“Ele é um piloto de qualidade, muito forte, e tem apenas 16 anos. Se ele mantiver o ritmo, tenho certeza de que ele chegará a F1. É algo especial ver um garoto de sua idade no circuito. Ele claramente tem a mentalidade correta para as corridas”, elogiou Schumi

O astro do fim de semana em Kerpen

Se os holofotes inicialmente estavam voltados à participação de Schumacher e ao título mundial de Liuzzi, quem acabou roubando a cena foi Sauro Cesetti, vencedor de ambas as baterias em Kerpen. Hoje com 40 anos, o italiano faz parte do grupo de pilotos de alto calibre que decidiram fazer carreira profissional no kart em vez de uma migração aos monopostos.

Cesetti foi solícito quando procurado pelo Projeto Motor para dar suas impressões sobre aquele fim de semana. “Claro, sem problemas. Me diga o que você precisa, até porque isso me lembra os momentos mais belos da minha carreira até agora”, responde.

O italiano confessou que, em um primeiro momento, nem acreditava que Schumacher de fato correria. “O anúncio em si era verdadeiro, mas, enquanto eu não o via na pista, com o capacete na cabeça, eu não acreditava”, conta. “Mas, depois, percebi que era uma oportunidade que nunca mais aconteceria, então dei tudo de mim sem pensar no resultado. Por sorte, tudo deu certo.”

Marco Ardigó, Michael Schumacher, Sauro Cesetti e Vitantonio Liuzzi no pódio do Mundial de Kerpen de 2001
Marco Ardigó, Michael Schumacher, Sauro Cesetti e Vitantonio Liuzzi no pódio do Mundial de Kerpen de 2001 (Foto: VroomKart)

Apesar de suas três vitórias em 2001, Cesetti classifica a oportunidade de correr contra Schumacher como um dos pontos altos daquele ano. “Tenho muitas lembranças, tanto das corridas que venci quanto daquelas em que, infelizmente, perdi por azar com falhas mecânicas anormais. Mas lembro do profissionalismo de um piloto do nível de Schumacher, que foi se testar em um kart. Conhecendo o caráter de um campeão como ele, ninguém se apresenta em uma corrida como essa sem uma preparação adequada. Eu sabia que sua presença iria dificultar a vida para nós do kart, e assim foi.”

Ao ver Schumacher, uma verdadeira celebridade do esporte a motor, retornar ao kart e dividir curvas com jovens promessas, Cesetti pôde tirar lições valiosas. “Devo dizer que aprendi muito, de fato. Aprendi a nunca aliviar o ritmo e, sobretudo, que posso aprender algo até mesmo do último colocado do grid, porque, para vencer, é preciso conhecer todos seus adversários, até mesmo dos mais fracos. Eles também podem te mostrar algo que te falta para ‘fechar o cerco’”, aponta.

Mas, mais que isso, a corrida em Kerpen serviu para mostrar a Cesetti o ser humano que havia por trás do piloto Schumacher. “Eu nunca tinha falado com ele antes da corrida, mas depois nós mantivemos uma amizade enorme. Eu o conhecia também fora da pista, e é uma pessoa especial, com um carisma inigualável. Não vê-lo mais nas pistas é algo que me entristece”, lamenta.

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