Schumacher e Coulthard dividem curva no GP dos EUA de 2000
(Foto: McLaren)

Tri em 2000: o título em que Schumacher mais precisou do braço

Os detratores de Michael Schumacher (infelizmente, alguns deles estão na imprensa especializada) costumam usar a famosa e quase axiomática sentença de que o alemão “só ganhou tudo que ganhou porque andou sempre com o melhor carro e não tinha adversários”. Tal afirmação é no mínimo descontextualizada (para não dizer burra), especialmente se levarmos em conta que quatro de seus sete títulos (1994, 95, 2000 e 2003) foram conquistados em meio a disputas bastante acirradas contra Williams e McLaren.

Nesta quinta-feira (8), o tricampeonato do maior vencedor da história da F1 completa 15 anos. Em 8 de outubro de 2000, Schumacher venceu um tenso duelo contra Mika Hakkinen no úmido GP do Japão para selar a conquista.  Talvez seja muito afirmar que se tratou de sua melhor temporada na carreira (a atuação em 95 tem picos mais impressionantes, como os GPs da Bélgica e Europa), mas certamente foi o campeonato em que o germânico mais precisou manter atuações em alto nível para bater as velozes McLaren e, após quatro anos de frustradas tentativas, enfim tirar a Ferrari de um jejum de 21 anos obter o Mundial de Pilotos.

Goste você ou não do heptacampeão, o fato é que ele venceu aquele Mundial sem dispor do melhor equipamento, tendo em Mika Hakkinen um adversário com gabarito de bicampeão, mais difícil de ser batido na pista do que, por exemplo, o sempre mencionado Nigel Mansell.

A diferença entre a F1-2000 usada pela esquadra italiana e o MP4-15 dos britânicos era pequena, mas soprava em favor dos prateados na maioria das provas. Ainda assim, Schumacher teve maestria para selar a conquista com uma prova de antecedência, igualando o recorde de nove triunfos obtido por ele próprio (em 95) e por Nigel Mansell (em 92).

Os trunfos de cada carro

Dominante na F1 desde 1998, principalmente pela presença do tão aclamado projetista Adrian Newey, a McLaren iniciou 2000 com um chassi que basicamente promovia evoluções aos bem-sucedidos MP4-13 e 14: o bico fora afinado e estava levemente mais alto; as asas mudaram; e uma proeminente saída de ar foi colocada no topo dos sidepods para dar vazão ao ar quente do radiador, solução copiada por quase todos os rivais ao longo do ano. O refinamento aerodinâmico era o mesmo de sempre, o que deixava o MP4-15 imbatível em circuitos com curvas de raio longo.

A grande vantagem do modelo, contudo, estava sob a carenagem. O motor Mercedes-Benz FO 110J, um V10 3.0 naturalmente aspirado com angulação de 72 graus entre os blocos, rendia absurdos 815 cv. Mais do que isso, pesava meros 92 quilos e apresentava taxa de compressão de 13:1, dados muito melhores do que o propulsor Tipo 049 da Ferrari. Este, por exemplo, começou a temporada com 770 cv (chegaria a 800 no final), pesava 100 kg e apresentava 12:1 de taxa de compressão. Fora a questão da força, a diferença de peso contribuía para a distribuição de peso.

Schumacher com sua Ferrari de 2000 no GP dos EUA

Já a F1-2000 promovia melhorias mais mecânicas do que aerodinâmicas à F399, que deu o título de construtores à escuderia em 99. Em busca de melhor centro de gravidade, grande calcanhar-de-Aquiles do monoposto antecessores, os engenheiros liderados por Rory Byrne conseguiram confeccionar peças mais leves do que a concorrência.

Mais do que isso, repensaram toda a forma de encaixá-las no chassi: para se ter ideia, até as pinças dos freios foram reposicionadas. Além disso, pela primeira vez o V10 italiano fora arquitetado com 90 graus de angulação.

Desse trabalho saiu um bólido bastante equilibrado mecanicamente, com bom potencial para ter sucesso em circuitos de velocidade mais baixa e curvas “secas”. Os grandes problemas continuariam a ser falta de potência (em relação aos motores Mercedes, claro) e superaquecimento de pneus, principalmente em traçados com muitas pernas longas.

Quem quebrava mais?

Durante a pré-temporada, a equação obtida pela McLaren parecia melhor: o time dominou os testes tanto com seus titulares, Hakkinen e David Coulthard, quanto com o reserva Olivier Panis. Na classificação para a etapa de abertura, na Austrália, o favoritismo foi confirmado, com os dois carros prateados ocupando a primeira fila. Na corrida, contudo, finês e escocês abandonaram por quebras de motor, deixando caminho livre para a vitória de Schumacher.

Por causa desse problema, e também de outros dois no Brasil e nos Estados Unidos, sempre com Hakkinen, a impressão que ficou é que o MP4-15 era um monoposto menos confiável do que a F1-2000. Não é verdade. Se o nórdico perdeu 22 pontos com tais falhas (um primeiro e dois segundos lugares), mais cinco por uma pane em Mônaco (um cabo mal posicionado do rádio acionava o freio no meio da reta, fazendo-o cair de um potencial segundo para sexto na classificação) – 27 no total -, Schumacher deixou de marcar 28 tentos por fatores relacionados ao carro.

Foram oito na Espanha (pneus superaqueceram enquanto ele liderava; após troca inesperada, ele completou em quinto), 10 em Monte Carlo (um cano do escape soltou e, em contato com a suspensão traseira, incandesceu um dos braços, fazendo-o romper), seis na França (motor) e quatro em Spa-Francorchamps (outra vez compostos de borracha superaquecidos). Portanto, nesse quesito os dois protagonistas ficaram praticamente empatados.

Por que Schumacher ganhou

Se já esmiuçamos os pontos fortes e fracos de cada equipe, falta ver como os detalhes faziam diferença na prática. Em um resumo bem resumido, a McLaren teve um conjunto que deveria ter entregado a vitória em 11 das 17 etapas do certame.

Já estamos descontando as corridas com quebra dessa conta, o que significa que o GP da Austrália, por exemplo, foi contabilizado em favor da Ferrari. O ponto é que, dessas 11, apenas em sete os bretões confirmaram a superioridade: Inglaterra, Espanha, Mônaco, França, Áustria, Hungria e Bélgica.

Schumacher segura Hakkinen durante o GP da Itália de 2000
Schumacher segura Hakkinen durante o GP da Itália de 2000 (Foto: McLaren)

Em três casos, Schumacher recuperou a diferença no braço e nas jogadas táticas de Ross Brawn. Em San Marino, por exemplo, o alemão usou a famosa estratégia das voltas voadoras antes do pitstop para superar Hakkinen nos boxes, mesmo com os pneus fora do comportamento ideal.

Em Suzuka, pista amplamente favorável ao MP4-15, ele se segurou no ritmo do nórdico até conseguir passá-lo, novamente nos boxes. Na Malásia, segurou Coulthard no braço durante toda a prova, em outro autódromo cuja configuração era benéfica ao conjunto prateado.

Oras, mas de onde estamos tirando foi o fator Schumacher que pesou nessas provas? Basicamente porque Rubens Barrichello, com a segunda Ferrari, passou longe de incomodar Hakkinen e Coulthard nessas provas. Quem assiste a essas corridas pode ver isso claramente.

Nessa conta também deve entrar o lendário GP da Alemanha: a entrada do safety car, por conta de uma invasão de pista, e a chuva, que levou Barrichello a tomar uma corajosa decisão, tiraram o troféu de vencedor de Hakkinen e selaram a histórica primeira vitória do brasileiro, naquela que talvez tenha sido a corrida em que havia mais distância entre McLaren e Ferrari no quesito desempenho.

Em suma, Schumacher faturou todos os seis GPs que eram de sua obrigação, mais três que deveriam ter ficado com Hakkinen. Outro ponto a se ressaltar é que Mika fez uma primeira metade de ano ruim, sendo constantemente superado por Coulthard.

Esse período foi compensado por uma ascensão meteórica entre os GPs da Áustria e da Bélgica, que inclusive o levaram à liderança da tabela (foi nesse período que ocorreu a antológica ultrapassagem sobre Schumacher em Spa, com direito a participação especial de Ricardo Zonta), mas não deixou de fazer falta no cômputo final.

De qualquer forma, Schumacher foi campeão em 2000 porque era… Schumacher. Daz 10 vitórias, 10 poles e 21 pódios da Ferrari naquele ano, respectivamente nove, nove e 12 vieram por suas mãos. Numa batalha tão equilibrada (e recheada de grandes momentos), mas que sutilmente pendia ao lado da McLaren, o queixudo teutônico provou mais uma vez que, seja qual for a época, o piloto ainda é capaz de ter peso enorme para definir quem vence e quem perde na F1.

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