Como um sedã de 80cv ajudou a BMW a criar o motor mais forte da F1
Salão de Frankfurt de 1961. No estande da BMW a principal atração era o 1500, protótipo de sedã 4-portas que antecipava uma futura família de três-volumes da marca bávara: a Neue Klasse. Muito além de propor um veículo de porte menor, focado em leveza e funcionalidade – os anos 50 estavam, enfim, ficando para trás -, o modelo trazia sob o capô uma das maiores revoluções da história da fabricante: o embrião do motor 4-cilindros batizado de M10.
Em pouco tempo o bloco do propulsor estaria presente em boa parte da gama: as famílias Série 2, 3 e 5, além dos modelos 1500 e 1600, foram todos equipados com derivações daquela usina de 1,5 litro entre 1962 e 77. Em 15 anos de aproveitamento surgiram diversas vertentes: 1.5 (M115); 1.6 (M116, M41 e M98); 1.8 (M118, M10 e M10B18); 2.0 (M05, M15, M17 e M43/1); e 2.0 turbo (M31). Potências variaram entre 80 e 170 cv.
Tamanha versatilidade só foi possível porque seu criador, Alex von Falkenhausen, pensou desde o princípio numa arquitetura de bloco que permitisse formar unidades comandadas por válvulas num cabeçote e com capacidade cúbica variável entre 1.400 e 2.000 cc. Graças à visão inovadora de Falkenhausen (que fora contratado inicialmente para fazer um simples motor compacto de 1,3 litro), a BMW passou a ter em mãos uma base de custo relativamente baixo para usar em praticamente todos os seus projetos, inclusive os que envolviam competições automobilísticas.
O surgimento da especificação M12 da BMW
Ainda na década de 60 a fabricante da Baviera aproveitou a modularidade do bloco de quatro cilindros para criar a M12, família de propulsores voltada às pistas. O primeiro uso se deu no ETCC (Europeu de Turismo), campeonato disputado sob o regulamento do antigo Grupo 2 (modelos de turismo sem modificações mecânicas). Pouco depois veio a F2, certame ao qual a BMW ingressou com uma variante 1.6 (depois modificada para 2.0) acima de 300 cv. Lá iniciou uma frutífera parceria com a March, que rendeu cinco títulos entre 73 e 82. Um sexto veio com Jacques Laffite, em 75, mas o francês corria pela escuderia oficial da Elf com um chassi Martini.
Após outros experimentos ocorridos no DRM – série antecessora do atual DTM, utilizando as regras do Grupo 5 (bólidos de turismo preparados) – e em provas americanas chanceladas pela IMSA, já com vertentes turbocomprimidas de 1,4 e 1,5 litro, a manufatureira germânica viu na F1 a chance de colocar seu 4-cilindros à prova no patamar mais alto do esporte a motor. Afinal, a era turbo começava a ganhar corpo na categoria após o ingresso da Renault.
O acordo com Ecclestone e a glória
Entre o fim de 81 e início do ano seguinte, a BMW fechou com a Brabham de Bernie Ecclestone um contrato de fornecimento exclusivo para a temporada cheia a partir de 1983. Para isso seria necessário testar, à exaustão, uma derivação turbinada de 1,5 litro da unidade. Nelson Piquet, apesar do recém-adquirido status de campeão mundial, tomou para si o trabalho sujo de desenvolver o M12/13 (nome da especificação usada na F1) em sessões privadas e também nos próprios GPs.
Com ele o brasileiro obteve a primeira vitória da BMW na categoria, no Canadá, assim como diversos momentos de frustrações devido à falta de confiabilidade. Potência nunca foi o problema: o propulsor teutônico adentrou o certame gerando ótimos 560 cv a 10,5 mil rpm. Após meses de trabalho árduo, os dividendos vieram em 83, quando a usina já rendia 800 cv em classificações. Piquet faturou três das 15 etapas realizadas e, após intensa disputa contra a Renault de Alain Prost e a Ferrari de René Arnoux, sagrou-se bicampeão.
Com a proibição do efeito solo e o retorno dos bólidos cuja aerodinâmica era predominada por imensos aerofólios, o BT52 surgiu como uma escultura alviceleste em forma de flecha. A ideia de “empurrar” os radiadores laterais para trás não veio do nada. Gordon Murray, criador do bólido – um dos mais belos e icônicos da história -, revelou que precisava concentrar o máximo de peso sobre o eixo traseiro para extrair toda a força do M12.
Os anos de franca (e insana) evolução
A partir de 83, a F1 iniciou um ciclo tão feérico de desenvolvimento que os motores não demoraram a ultrapassar, pela primeira vez na história, a barreira dos 1.000 cv. O BMW M12 se posicionou sempre como líder da trupe, sendo o mais potente de todos. Vale enfatizar que, à época, os dinamômetros não permitiam auferir a potência quando esta superava a casa dos quatro dígitos. Tal medição era feita com base no seguinte cálculo: cada 0,1 atmosfera extra de pressão representava aproximadamente 20 cv.
Sendo assim, várias lendas se formaram a respeito dos índices alcançados pela BMW em 85, auge da era turbo: algumas afirmam que a usina de 1,5 litro chegou a superar 1.500 cv e a usar pressão acima de absurdas 6 atmosferas, o que conferiria a absurda relação de 1.000 cv por litro. Parecem dados demasiadamente otimistas. Outros, um pouco mais conservadores (e fidedignos) nos levam à seguinte tabela evolutiva:
1982
Corrida: 560 cv (3 bar a 10.500 rpm)
1983
Classificação: 800 cv (3,2 bar a 11.500 rpm)
Corrida: 740 cv (3 bar a 11.500 rpm)
1984
Classificação: 1.050 cv (4,5 bar a 11.500 rpm)
Corrida: 880 cv (3,8 bar a 11.500 rpm)
1985
Classificação: 1.200 cv (5,4 bar a 11.500 rpm)
Corrida: 850 cv (3,6 bar a 11.500 rpm)
1986
Classificação: 1.300 cv (5,5 bar a 11.500 rpm)
Corrida: 850 cv (3,6 bar a 11.500 rpm)
1987
Classificação e corrida: 900 cv (4 bar a 11.500 rpm)
1988
Classificação e corrida: 640 cv (2,5 bar a 11.500 rpm)
Seja com 1.300 ou 1.500 cv, o fato é que o pequenino BMW é até hoje o motor mais forte já usado por um monoposto da F1 em 66 anos. É claro que os dados são estimados, até por questões de confidencialidade. Diz-se, ainda, que o torque superava 52 kgfm, a 8.500 rpm e com pressão regulada em 3,1 atmosferas. Apenas por comparação, os atuais V6 híbridos da Mercedes rendem perto de 950 cv e 50 kgfm, o que não é pouco.
Os vários problemas e o declínio
Apesar dos números tão robustos, o M12 também proporcionava uma série de dificuldades. Por ser dotado de uma bancada única de quatro cilindros em linha, enquanto os concorrentes dispunham de arquiteturas biturbo em forma de V, o motor só poderia ser montado com um turbocompressor, o que limitava a atuação e gerava um incômodo turbolag de dois segundos para a entrega da força. Isso obrigava os volantes que competiam com o BMW a acionarem o acelerador de forma antecipada durante o ápice das curvas, técnica que por vezes atrapalhava a precisão.
Quando o turbo enfim enriquecia a mistura ar/combustível, torque e potência surgiam de maneira insana: segundo dados da época, a entrega subia de 400 para 850 cv num espaço de meros 1.000 giros, fenômeno que por vezes provocava sobre-esterço e patinagens das rodas. Haja braço para controlar este demônio quase indomável. Não à toa, os carros empurrados pelo propulsor alemão se davam muito melhor em pistas velozes e/ou com curvas predominantemente de média e alta velocidade. Circuitos cheios de cotovelos, que exigiam capacidade de resposta imediata nas retomadas, acabavam por prejudicar o desempenho desses participantes. Ainda assim Piquet triunfou mais três vezes, nos páreos de Montréal e Detroit de 84 e no de Paul Ricard de 85.
Em 86, com a decisão de limitar a capacidade do tanque de combustível a 195 litros, a BMW ficou para trás ao entregar um produto deveras beberrão. Para piorar, a Brabham ousou demais no projeto do BT55, que apostava no conceito do “carro-skate” para reduzir ao máximo o centro de gravidade. Isso obrigou os bávaros a montarem seu 1.5 numa angulação de 72 graus e comprometeu a entrega de potência (não era possível chegar às 5 atmosferas de pressão alcançadas pela concorrência). O resultado, na prática, foi péssimo. Como alento, a recém-formada Benetton se mostrava em franca evolução e Gerhard Berger teve capacidade de faturar o GP do México, penúltima etapa do calendário e última vitória do motor BMW turbo na categoria.
Desanimada, a montadora aos poucos se afastou do certame. No ano seguinte, deixou de fornecer oficialmente as usinas e largou o desenvolvimento nas mãos da subsidiária Megatron. Henri Mader, engenheiro do grupo, obteve um último sopro de renovação ao aproximar as válvulas injetoras dos cilindros e solucionar parte dos problemas de pressão gerados desde as limitações impostas em 87 (4 atmosferas) e 88 (2,5 atmosferas). A solução rendeu um pódio a Eddie Cheever no GP da Itália de 88, mas não foi suficiente para evitar a aposentadoria do M12/13 junto com a proibição dos propulsores sobrealimentados a partir da temporada 1989.
Ao longo de sete estações, o BMW 1.5 de quatro cilindros empurrou monopostos de cinco escuderias – Brabham, ATS, Arrows, Benetton e Ligier – e conquistou nove triunfos, 15 pole positions, 14 voltas mais rápidas e 25 pódios. Números de respeito, sem dúvidas, mas que não são os maiores responsáveis pela lenda que se formou acerca desse motor. Foram os 1.300 cv e a busca incessante pelo mais alto desempenho, numa época de evolução tecnológica quase desenfreada, que tornaram o M12/13 um ícone. Tudo isso usando um singelo bloco de quatro cilindros que, no começo de sua vida útil, estava preso a um despretensioso sedã de 80 cv. Mal sabia o barão Alex von Falkenhausen do que sua criação seria capaz.
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