Pai de protegido da Williams, Nissany foi figura inusitada na F1
Em janeiro, a Williams anunciou sua nova aquisição para 2020: Roy Nissany, que atuará como seu piloto de testes e que participará de três treinos livres durante a temporada da F1, além de realizar trabalho no simulador para dar suporte aos titulares George Russell e Nicholas Latifi.
O israelense, de 25 anos, tem currículo relativamente apagado no automobilismo. Seus destaques foram um quarto e um quinto lugares na agonizante (e hoje extinta) Fórmula V8 3.5, em 2016 e 2017, além de outras passagens de pouco brilho pela ADAC F-Masters e F3 Europeia. Ele, aliás, não compete desde 2018, quando correu na F2 e marcou apenas um ponto.
Nissany também se junta ao grupo que conta com Max Verstappen e Kevin Magnussen, ou seja, pilotos relacionados à F1 cujos pais também atuaram na principal categoria do automobilismo mundial. Sim, pouca gente se lembra, mas o pai de Roy, Chanoch Nissany, teve uma rápida passagem pela F1 em meados dos anos 2000, inclusive com uma atuação oficial em um treino livre de GP, tornando-se rapidamente uma figura folclórica e das mais inusitadas que já tiveram participação em um Mundial.
A história de Chanoch Nissany
A F1 passava por uma grande expansão global, chegando a diversos novos mercados, durante a década de 2000. Isso também representava a participação de novos países na categoria, com empresas, patrocinadores e até pilotos de diferentes nacionalidades interessados em uma vaga dentro do Mundial.
Alex Yoong (Malásia), Zsolt Baumgartner (Hungria), Narain Karthikeyan (Índia) e até o reserva Sergey Zlobin (Rússia) são alguns exemplos de pilotos que, uma maneira ou outra, ingressaram na F1 e colocaram seus países dentro do mapa. O israelense Chanoch Nissany, radicado em Budapeste, colocou na cabeça que também tiraria uma casquinha da categoria apesar de sua idade relativamente a avançada.
Nissany tinha experiência nos karts, mas só migrou para os monopostos em 2002, aos 38 anos, quando passou a competir na F2000 Húngara. No ano seguinte, sagrou-se campeão da mesma categoria e passou a disputar campeonatos maiores, como a FIA Central European Zone e a Nissan World Series Light.
Tudo isso deixou o piloto mais faminto por voos mais altos – diga-se, muito mais altos. À época, as equipes mais modestas do grid da F1, como Jordan e Minardi, tinham como prática comum entrar em acordo com pilotos endinheirados para lhe darem, em troca, testes com seus carros. Afinal, o regulamento daquele tempo não impunha restrições nas atividades dentro da pista, então qualquer acordo era válido em busca de uns trocados extras.
Nissany, bancado pela empresa de cosméticos Upex, foi escalado para realizar um teste com a Jordan em 14 de julho de 2004, no circuito de Silverstone. A bordo do carro amarelo e empurrado pelo motor Ford, o piloto se tornou o primeiro israelense a guiar um F1 de maneira oficial.
A sessão viu Nissany dividir o carro com os titulares, Nick Heidfeld e Giorgio Pantano. Apesar de ter seu dia encurtado por um problema de motor, o israelense pôde completar 25 voltas, registrando um tempo que foi 14s5 mais lento que o de Pantano. Mas, no fundo, isso não importava para Nissany: o que contava era o feito de guiar um F1 pela primeira vez e fazê-lo sem passar vexame – leia-se, sem cometer nenhuma grande gafe dentro da pista.
Isso, como é de se imaginar, deixou Nissany empolgadão. O piloto estava focado na expansão de sua carreira internacional, e, ainda no fim de 2004, arrumou uma vaga na F3000 Internacional, antecessora da atual F2, para competir nas últimas três etapas de existência da categoria. Nissany esteve na equipe Coloni, ao lado do competitivo Patrick Friesacher, e o máximo que conseguiu foi se classificar 3s7 atrás do parceiro em Hungaroring. Em corridas, foram dois abandonos e um último lugar em Monza, o que mostrava que o piloto ainda tinha um longo e árduo caminho pela frente para sonhar em ser minimamente competitivo.
A chegada à Minardi – e o presente de aniversário
Os percalços estavam longe de desestimular Nissany. Para a temporada seguinte, o israelense queria ampliar suas participações na F1, e para isso ele havia encontrado o destino perfeito: a nanica Minardi, que comia o pão que o diabo amassou para pagar suas contas e seguir ativa.
Ainda ao fim de 2004, Nissany participou de uma sessão exclusiva da Minardi em Misano, na Itália, na qual a equipe testaria uma série de pilotos com pouca experiência e que estavam em busca de um pouco de visibilidade. Ele participaria dos dois primeiros dias de atividade, de quatro no total, e dividiria a pista com Tiago Monteiro, Patrick Friesacher, Will Power (aquele mesmo da Indy), Will Davison, Christijan Albers, Pastor Maldonado, Jeffrey Van Hooydonk e Patrick Huisman.
Nissany teve atuação variada – no primeiro dia, guiou com o carro PS04B original, e na jornada seguinte, guiou com o pacote aerodinâmico de 2005, que previa uma redução no downforce. Ao todo, foram 91 voltas completadas e o antepenúltimo melhor tempo, à frente de Van Hooydonk e Huisman (que andaram, respectivamente, por apenas cinco e seis voltas). O melhor giro de Nissany, 1min14s000, foi 3s2 mais lento que o melhor tempo da semana, de Albers.
Mais um teste foi realizado em Misano, em janeiro de 2005, e voilà: foi o suficiente para que ele e a Minardi entrassem em um acordo definitivo para a temporada, na qual Nissany seria piloto de testes. O anúncio foi feito em um hotel de luxo em Tel-Aviv, com presença dos patrocinadores e de Paul Stoddart, então chefe da Minardi.
Só que, como sempre, os momentos de empolgação passam em seguida por seus choques de realidade. Ainda em fevereiro de 2005, Nissany participou de mais um teste em Misano, desta vez com o asfalto em condições traiçoeiras devido ao mau tempo. O israelense rodou em múltiplas ocasiões e saiu valorizando o “aprendizado importante” que experienciou naquele dia.
Em abril, o teste realizado foi em Mugello, mas desta vez a cena foi constrangedora. Nissany obteve a proeza de colidir na pista com o outro carro da Minardi, guiado por Christijan Albers, na última curva do circuito. O incidente tirou os dois pilotos de ação naquele dia e atrapalhou a Minardi na coleta dos dados.
Apesar de todos os pesares, Nissany estava destinado àquela que seria a sua consagração máxima guardadas as devidas proporções. Em julho, ele guiaria um terceiro carro da Minardi durante os treinos livres para o GP da Hungria, em Budapeste, onde residia. Mais que isso: a atividade aconteceria justamente no dia de seu 42º aniversário. Ou seja, além de ser o primeiro piloto de seu país a participar de uma atividade de GP, ele também seria o mais velho a atuar oficialmente desde Nigel Mansell, que fez sua última largada aos 41 anos, em 1995.
Na primeira sessão do dia, as dificuldades de Nissany eram visíveis. O piloto repetidamente perdia os pontos de freada da sinuosa pista de Hungaroring e andava em um ritmo à parte, muito distante de qualquer outro competidor. Para dificultar ainda mais, Nissany escapou da pista na Curva 4, a 16 minutos para o fim, e ficou atolado na brita, pondo fim à sua sessão de forma prematura.
Nissany terminou a atividade com o último lugar entre aqueles que marcaram tempo, 12s9 atrás do líder (Alexander Wurz, com uma terceira McLaren) e 6s atrás do concorrente mais próximo.
Na segunda atividade do dia, porém, Nissany sequer conseguiu ir à pista: seu carro apresentou problemas hidráulicos e sequer conseguiu sair da garagem.
“Antes de tudo, parabéns a Chanoch por sua estreia como piloto de testes da Minardi. A sessão da manhã começou de forma satisfatória, mas, perto do fim, um problema hidráulico encurtou seu dia. Mesmo assim, haverá mais oportunidades, já que ele continua com sua programação de testes com a Minardi.”
Paul Stoddart, chefe da Minardi
Porém, uma nova oportunidade nunca mais apareceu para Nissany. A Minardi contratou o mais experiente (e habilidoso) Enrico Toccacelo para guiar seu terceiro carro em sessões específicas de GP. Além disso, a Minardi passava por um processo de aquisição por parte da Red Bull, o que diminuiu significativamente suas atividades dentro da pista.
Houve tempo para mais uma única atividade, em Vallelunga, novamente dividindo a pista com pilotos novatos. Nissany foi o mais lento entre os seis que atuaram naquela semana. Na última jornada, o israelense atuou sozinho na pista, naquela que também seria a última atividade oficial da Minardi em sua existência.
Minardi e Nissany, porém, se mantiveram conectadas por mais algum tempo. A ex-escuderia italiana tinha em seus bens alguns carros de F1 de dois lugares, e Paul Stoddart aproveitou a estrutura para realizar, por conta própria em 2006, eventos em que venderia ao público a experiência de pegar carona nos modelos.
Nissany era um dos pilotos responsáveis por conduzir o carro. Para se ter uma ideia, em Hungaroring, o evento tinha duas opções de carona: 2 mil € para dar uma volta, ou 4,5 mil € para dar duas. A atividade teve grande adesão do público local.
Mas, no geral, se encerrava o capítulo de Chanoch Nissany na F1 – uma passagem que, dada a bagagem do personagem, já era inesperada por si só. Agora, a trajetória de Israel e do clã Nissany ganha continuidade em 2020, em uma outra equipe que também luta para manter suas finanças em dia e se recuperar dentro da pista. Que o Nissany mais jovem possa chegar mais longe do que seu pai conseguiu.
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