Campos: piloto sem brilho que se tornou mentor na base e sonhou com F1
Adrián Campos passou longe de ser um piloto de sucesso e talvez a sua própria equipe pode não ter sido a mais vitoriosa da base nos seus mais de 20 anos de funcionamento. Mas não há quem questione a importância do dirigente como mentor de novas gerações de pilotos neste meio tempo. O espanhol morreu no último dia 27 de janeiro, vítima de uma doença coronária.
Campos tinha 60 anos e deixa ainda em funcionamento o seu time, que compete atualmente na FIA F3 e F2, onde venceu por três vezes em 2019. Na antiga GP2, o time também competiu com vitórias esporádicas em dois períodos, entre 2005 e 2008 e depois de 2014 a 16, quando a categoria foi rebatizada de F2.
Mas não foi só isso, a Campos passou com sucesso na Euroformula (antiga F3 Espanhola), inclusive com o título de 2016 de pilotos e equipe. Ele também fez a operação de times da Seat e da Chevrolet no WTCC ficando entre os quatro primeiros colocados por quatro vezes entre 2013 e 17, e ainda foi o terceiro melhor time de 2018 da antiga GP3, que se tornou a FIA F3.
Mais do que os resultados, sua equipe serviu como caminho e amadurecimento para diversos pilotos. Muitos espanhóis, como Fernando Alonso, que teve sua primeira experiência em um carro de corrida ao sair do kart pela Campos, e também de outras nacionalidades, como Lucas di Grassi, terceiro na GP2 de 2008 pelo time.
Além de tudo isso, Adrián Campos também sonhou com a F1. E muito. Ele chegou a passar por lá como piloto e passou perto de estar como dono de equipe. Falhou e precisou desistir do sonho de ver um carro batizado com seu nome nas pistas do Mundial em 2010, mas já vinha novamente nos últimos dois anos planejando uma nova tentativa. Não deu tempo de sabermos se ele iria conseguir.
Adrián Campos, o piloto
Nascido na cidade de Valência, em 17 de junho de 1960, Campos começou a se envolver com automobilismo de forma um pouco tardia para os padrões de pilotos profissionais, aos 21. Ele até então participava de competições de carros de controle remoto, mas foi levado a experimentar o esporte a motor como piloto mesmo.
De uma família bastante rica na Espanha, proprietária de uma indústria de alimentos congelados, a Avidesa, dinheiro para bancar sua carreira não era um problema. Desta forma, ele participou da F3 Euro de 1983 e 84, sem resultados importantes. Em 85, ficou com o terceiro lugar da F3 Alemã.
Na temporada seguinte, ele investiu na F3000, que na época ocupava o espaço que seria hoje da F2, mas em nove participações, não se classificou para o grid em quatro, bateu em duas, sofreu pane seca em uma e recebeu a bandeira quadriculada em somente duas oportunidades: 16º, na estreia, em Silverstone, e sétimo, em sua última participação, em Jarama.
Apesar de um currículo pouco recheado, ele mais uma vez aproveitou a solidez financeira de sua família e conseguiu uma vaga na F1 para 1987 pela Minardi. Em sua primeira temporada, entre problemas da fraca equipe italiana, batidas e falhas mecânicas, Campos terminou apenas uma prova, em 14º, no GP da Espanha, em Jerez.
No ano seguinte, ele teve um problema mecânico no Brasil, chegou em 16º em San Marino e depois entrou em uma sequência de três provas em que não conseguiu se classificar para o grid. No mesmo período, seu companheiro de equipe, o também espanhol Luis Perez-Sala, participou de todas as provas, terminando duas delas em 11º, em Imola e México.
Com esse desempenho, a equipe acabou substituindo Campos pelo italiano Pierluigi Martini, que logo em sua estreia, em Detroit, terminou em sexto e marcou o primeiro ponto da história da Minardi na F1.
Sem grandes resultados na base e também nenhuma atuação que chamasse a atenção na F1, Campos não teve mais chance no Mundial e passou a competir em provas de turismo na Espanha, inclusive conquistando um campeonato nacional em 1994. Em 97, ele correu em provas de protótipos no Mundial de Marcas da FIA (rebatizado na época de International Sports Racing Series, ou ISRS), o que também lhe levou a Le Mans. Mais uma vez, suas limitações ao volante ficaram evidentes e os resultados não vieram.
Aos 37 anos, Campos então percebeu que era hora de pendurar as luvas e deixar de correr. Mas isso não significava deixar o automobilismo
A equipe Campos
Imediatamente após se aposentar, Adrián fundou a sua equipe, que nasceu como Campos Motorsports. O time começou sua operação pela Open Fortuna by Nissan, que foi o primeiro nome do evento World Series, que seria apadrinhado pela Renault anos mais tarde.
Naquela primeira empreitada, a Campos teria como dupla os espanhóis Marc Gené e Antonio García. E o resultado não poderia ser melhor. Gené foi campeão de pilotos, Garcia ficou em quinto no campeonato, e o time ficou com a taça na competição de equipes.
Para 99, Campos acertou a mão mais uma vez mostrando que tinha mais talento como dirigente do que como piloto. Gené conseguiu uma vaga na F1 e, por indicação de García, uma jovem promessa do kart espanhol foi contratado para substituí-lo: Fernando Alonso.
O futuro campeão da F1 andou pela primeira vez na vida em um carro de corrida em um teste pelo time espanhol no circuito de Albacete, virando tempos equivalentes ao de Gené na temporada anterior. Campos percebeu que tinha uma joia na mão e não só o contratou para seu time como assinou como empresário do piloto. Alonso foi campeão da World Series de 99 e mais uma vez o time conquistou o campeonato de equipes.
Assim como Gené, Alonso também seguiu com sua carreira após da taça, indo para a F3000, mas a Campos não caiu. Dessa vez, García, superado pelos companheiros nas duas temporadas anteriores, que levou o time ao título de 2000 dando o tri para Campos.
Em 2004, a equipe mudou o foco para a F3 Espanhola, que mais tarde se tornaria a atual Euroformula. Desta forma, Adrián cada vez mais se tornou um mentor para jovens pilotos espanhóis e conseguiu crescer aos poucos sua operação. Tanto que em 2005, ele entrou na nova GP2, que estava substituindo a F3000 como última categoria de acesso antes da F1.
Em 2007, com a dupla formada pelo russo Vitaly Petrov e o italiano Giorgio Pantano, a Campos ficou na terceira posição do campeonato de equipes da competição. No ano seguinte, com Petrov e o inglês Ben Hanley, substituído pelo brasileiro Lucas di Grassi a partir da quarta rodada, a Campos conquistou o título entre os times, o que foi provavelmente a maior conquista da história da organização.
Ao final daquela temporada, Campos vendeu a equipe de GP2 para o empresário espanhol Alejandro Agag (futuro fundador da Fórmula E e da Extreme E), que a rebatizou de Addax. Campos então passou a focar em uma nova empreitada.
A equipe na F1
Após se desfazer do time de GP2, Campos se inscreveu em uma concorrência da FIA que concederia três vagas para novas equipes na F1. A ideia era do então presidente Max Mosley e vinha acompanhada de um teto orçamentário de £40 milhões para todos os participantes do Mundial a partir de 2010. Além disso, o dirigente inglês ainda convenceu a Cosworth de voltar à categoria com um pacote de motores mais barato do que o oferecido pelas montadoras que estavam competindo na época.
Em junho de 2009, a FIA anunciou que a Campos, a Manor (outra equipe tradicional da base e que seria rebatizada de Virgin Racing através de um patrocínio) e USF1 (uma iniciativa do engenheiro Ken Anderson e do jornalista Peter Windsor de formarem uma equipe americana na F1) foram as contempladas com as novas entradas.
Só que a política da F1 esquentou e após muita briga, as equipes que estavam na categoria conseguiram não só derrubar o teto orçamentário como o próprio Max Mosley, que viria a ser substituído por Jean Todt, que segue no cargo até hoje. Mesmo assim, as três novatas, até o final de 2009, diziam que estariam no grid na abertura da temporada de 2010.
A Campos encomendou a construção de seu carro à Dallara, que seria equipado com os motores Cosworth, e contratou os novatos Bruno Senna e Karun Chandhok. Só que o time não conseguiu levantar o dinheiro necessário para correr e Campos vendeu seu time poucas semanas antes do início do campeonato para o empresário José Ramón Carabante, que já era acionista. E assim, nasceu a Hispania, ou HRT, que estrearia e se arrastaria no fundo do grid da F1 por anos.
A Virgin conseguiu também entrar na F1, porém, a USF1 desistiu na última hora ao não levantar o orçamento necessário para competir. Uma nova Lotus (futura Caterham) também estreou, mas essa entrou no lugar da Toyota, que deixou o Mundial.
O retorno
Apesar da frustração, Adrián Campos não demorou para retornar às pistas. Sua equipe retomou as atividades em 2012 na Euroformula. No ano seguinte, ele entrou o WTCC (Mundial de Turismo) com a operação de uma das equipes da Seat. E em 14, lá estava ele na GP2 novamente e em 2015, na GP3.
Todas essas operações seguiram em paralelo com altos e baixos nos campeonatos. Hoje, o time está focado na F2 e na FIA F3. A bela sede da equipe segue nas cercanias de Valência, cidade natal de Campos, e acompanhou o crescimento da equipe, o que inclui também um museu com os mais diversos carros utilizados, taças e outros.
E nos últimos dois anos, após a FIA e a F1 anunciarem que um novo teto orçamentário será implementado para 2021 (como realmente vai ser), Campos chegou a dizer publicamente que tinha voltado a trabalhar no projeto de levar a sua equipe para o Mundial.
No comunicado sobre a morte de Adrián Campos no site da equipe, a família prometeu cuidar de seu legado na comunidade do automobilismo, assim como a própria equipe. O espanhol, que realmente não foi um grande piloto, mas conseguiu escrever uma bela história no pitwall, se destacou por sua dedicação ao esporte. Por sua equipe, além dos já citados, E torcemos que seu nome siga nas tabelas de campeonatos internacionais brigando por títulos e bons resultados, levando promessas das pistas para novas fases de suas carreiras, e, quem sabe, fazendo parte da elite em algum momento de seu futuro.
Comentários