Badoer sofre uma das grandes crueldades do automobilismo ao perder chance de marcar pontos pela Minardi

As maiores crueldades da história do automobilismo | 10+ Projeto Motor #13

O desfecho das 24 Horas de Le Mans de 2016 foi um dos mais inacreditáveis da história do automobilismo. Após quase um dia inteiro de intensa batalha de estratégia, velocidade e confiabilidade, o trio formado por Anthony Davidson, Sébastien Buemi e Kazuki Nakajima adentrou a hora final com sobras na primeira colocação.

Parecia um enredo imutável: após anos de árduo trabalho e frustradas tentativas, enfim a Toyota alcançaria a glória na mais famosa e tradicional prova de resistência. Final merecido para o TS050 Hybrid, que soube aliar desempenho e nível de consumo de maneira primorosa entre os períodos de chuva, breu e sol. Eis que, na metade da penúltima volta, após 23 horas e 55 minutos de disputa, o protótipo #5 começou a perder potência e a se arrastar pelas retas.

Ironicamente, ainda teve forças para cruzar a linha de chegada e abrir a última passagem antes de ficar parado em plena reta dos boxes. A poucos metros das lágrimas e olhares incrédulos que pairavam dentro dos boxes da montadora japonesa, Marc Lieb e Romain Dumas se jogavam no chão em meio a uma efusiva (e até um tanto indelicada) celebração na garagem do Porsche #2. Neel Jani foi o responsável por receber a quadriculada e consumar o mais inesperado e marcante triunfo da carreira dos três.

“Crueldade” é a palavra que vem imediatamente à mente para adjetivar o ocorrido. O pior é que não foi sequer a primeira vez que a Toyota deixou cair no colo da Porsche uma vitória em Sarthe: em 1998, o #29 de Thierry Boutsen, Geoff Lees e Ralf Kelleners sofreu uma quebra de câmbio a cerca de uma hora para o encerramento, deixando o troféu solto nas mãos de Allan McNish, Laurent Aïello e Stéphane Ortelli. Os deuses do automobilismo, quando querem, são impiedosos. Nesta 13ª edição do 10+ Projeto Motor, relembramos outros 10 casos em que as pistas foram cruéis, muito cruéis com quem deu o melhor de si a fim de domá-la.

10º. Má sorte, a velha companheira de Amon

A F1 foi injusta com Christopher Arthur Amon. Não estamos dizendo que o neozelandês deveria ser campeão, mas ao menos um punhado de vitórias em etapas oficiais o ás conhecido como “o mais azarado da história” deveria ter angariado. Em 1968, Amon ponteou, a bordo da Ferrari 312, ao menos um giro de três das 12 rodadas realizadas. A mais incisiva das oportunidades foi o GP do Canadá. Partindo de segundo na grelha, o oceânico roubou a ponta de Jochen Rindt e passou 72 das 90 voltas programadas na dianteira. Na 73ª, quando liderava com sobras, a transmissão quebrou e Amon, mais uma vez, teve de assistir à cerimônia de premiação sem estar no ponto central do pódio.

9º. O azar do clã Andretti refletido em Marco

Quem conhece um pouco a história das 500 Milhas de Indianápolis sabe das agruras vividas por diversos membros da família Andretti no templo. Marco, o caçula do clã, parecia disposto a romper a escrita logo em sua edição de estreia, a de 2006. Num golpe de sorte, o americano aproveitou uma bandeira amarela provocada por Felipe Giaffone na 190ª passagem, exatamente no momento de sua derradeira visita aos boxes, para aparecer no pelotão de frente quando todos os oponentes pararam. Na relargada, tomou a ponta do progenitor, Michael, que ficara na pista a fim de ajudá-lo e tentou em vão servir de escudo. Sam Hornish Jr. não comprou a tática, passou Andretti pai na penúltima volta e depois, a 450 metros da linha de chegada, superou Andretti filho para cruzar a linha de chegada com 63 milésimos de frente.

8º. A gota d’água de Mika Hakkinen na F1

Após três temporadas competindo no topo, Mika Hakkinen vinha protagonizando campanha decepcionante em 2001. A hora da virada parecia ter vindo no GP da Espanha, quinto páreo do certame. Aproveitando um raro momento de fragilidade do conjunto Ferrari-Michael Schumacher (o então tricampeão sofreu com vibração excessiva ao colocar um pneus deformado em seu segundo pitstop), o finlandês voador acumulou boa vantagem na liderança e só precisava trazer a criança a casa para entrar de vez no campeonato. No giro de encerramento, porém, uma falha de embreagem o impediu até mesmo de cruzar a linha de chegada. Um incrédulo Schumacher recebeu a notícia de que havia vencido e até conteve os festejos, em respeito ao colega. Dizem que este foi o estopim para que Hakkinen decidisse pendurar as luvas de forma prematura.

7º. O estouro de pneu que freou Nigel Mansell

A decisão da temporada 1986 da F1 é uma das mais clássicas e cultuadas em 66 anos de categoria. Nigel Mansell, Alain Prost e Nelson Piquet chegaram ao GP de Austrália em condições de conquistar a coroa máxima, embora com favoritismo até folgado em prol do inglês. O “Leão” precisava chegar entre os três primeiros e quase nunca saiu desse grupo ao longo de sua participação. Entretanto, caiu numa armadilha da McLaren, que colocou Keke Rosberg para imprimir um ritmo insustentavelmente forte, do ponto de vista dos pneus Goodyear, enquanto Prost sorrateiramente realizava uma troca de segurança no meio da corrida. Restando 20 de um total de 82 giros, a borracha traseira esquerda do Williams #5 não resistiu ao esforço sob o forte calor e explodiu. Fim do sonho do título, portas abertas para o bicampeonato do pequeno e astuto “Professor”, já que Piquet se viu obrigado a fazer uma troca de emergência e deixou a liderança.

6º. O agonizante vazamento de Clark no México

Se Lorenzo Bandini fez o favor de tirar Graham Hill do caminho de John Surtees na apertada disputa pelo Mundial de 1964 da F1, no México, restava ainda Jim Clark no caminho do bretão. O “fazendeiro voador” precisava vencer e que Surtees não terminasse em segundo no Hermanos Rodríguez para ficar com o caneco, e vinha conseguindo o que queria ao seu estilo: largou na pole, arrancou à frente e se manteve em primeiro durante toda a corrida. Tudo caminhava para mais um domínio do escocês, desta vez com direito a bicampeonato, mas um vazamento de óleo começou a complicar sua vida a partir da volta 59 (de 65). Clark tentou se virar como dava, já que tinha enorme distância sobre Dan Gurney, o vice-líder. Entrementes, a escassez de fluidos levou o propulsor Climax V8 a abrir o bico na penúltima passagem. Aliviado, Surtees finalizou em segundo e se tornou o primeiro (e até hoje único) campeão mundial de motociclismo a sê-lo também no âmbito das quatro rodas.

5º. O desastre de Hildebrand na última curva

A tática de poupar combustível no último trecho levou JR Hildebrand à dianteira das 500 Milhas de Indianápolis de 2011 faltando meros quatro giros para o encerramento. O estreante, então com 23 anos, volante da casa e que corria com patrocínio do Exército dos Estados Unidos no #4 da Panther, se viu isolado na dianteira e com ótima margem para os demais participantes. Tudo corria sob extremo controle até o americano receber a bandeira branca, contornar as três primeiras pernas do traçado e chegar à curva 4. Ali, Hildebrand ousou uma ultrapassagem por fora sobre o retardatário Charlie Kimball, que vinha lento na parte interna do traçado. Resultado: encontrou o muro pela frente e abandonou a coroa de flores no ombro de Dan Wheldon.

4º. A queda lenta de Damon Hill em Budapeste

Até hoje é difícil entender por que Damon Hill, recém-formado campeão mundial, escolheu a Arrows para dar sequência à carreira após sair da Williams. Sofrendo com o equipamento limitado que tinha em mãos durante toda a campanha de 97, o bretão viveu um surpreendente e memorável momento de protagonismo no GP da Hungria: partiu de terceiro, superou os favoritos Jacques Villeneuve e Michael Schumacher e abriu diferença de quase 40 segundos na ponta. Como, neste complexo esporte, para terminar em primeiro é preciso primeiro terminar, Hill passou a andar muito lento nas últimas três passagens, devido a um problema hidráulico que afetou a sensibilidade do acelerador e também as trocas de marcha. Arrastando-se sobre o asfalto magiar, acabou superado por Villeneuve na bacia das almas, mas ainda teve forças para fechar num frustrante (embora importante) segundo lugar.

3º. O choro desesperado de Badoer sobre a Minardi

Um dos momentos mais tocantes da F1 transcorreu no maluco GP da Europa de 99. Em meio ao caos provocado pela chuva, Luca Badoer se viu numa brilhante quarta colocação passados mais de 75% de páreo. Acostumado a lutar na rabeira do pelotão a bordo da pequenina Minardi, o ás italiano vinha numa tocada firme em busca de pontinhos que salvariam a escuderia financeiramente ao fim do ano. Faltou combinar com o motor Ford Cosworth, que quebrou em plena reta oposta e o deixou a pé. Desolado, Badoer desceu do bólido e, sem tirar o capacete, recostou a cabeça sobre a carenagem e começou a chorar comoventemente. O consolo para a equipe veio do fato de que seu segundo representante, o espanhol Marc Gené, conseguiu completar em sexto e salvar um tentinho de honra.

2º. O sonho quase real de Massa em terra natal

Nenhum enredo de cinema seria capaz de reproduzir o que aconteceu no GP do Brasil de 2008. Sete pontos atrás de Lewis Hamilton na tabela, Felipe Massa tinha remotas chances de sair dali campeão, mas fez sua parte com maestria: pole position e vitória praticamente de ponta a ponta, apesar do clima intermitente. Com o regresso da fina chuva nos minutos decisivos, a esperança ganhou ares de realidade: o rival da McLaren se enrolara e acabara ultrapassado pela Toro Rosso de Sebastian Vettel. Além disso, as Toyota decidiram seguir até o fim com pneus de pista seca e Timo Glock aparecia em quarto, deixando o prodígio inglês fora da zona que lhe garantia o título. Massa recebeu a bandeirada como detentor do caneco, para efusiva celebração da torcida e de seus parentes nos boxes. Mas a precipitação havia piorado e Glock nada pôde fazer quando Vettel e Hamilton se reaproximaram. O atual tricampeão retomou o quinto posto na última curva, provocando lágrimas nos olhos do paulistano.

1º. A solitária saga de Levegh em Sarthe

Existe um cenário mais dramático e cruel que o da decisão da F1 em 2008? Sim, e ele se desenvolveu nas próprias 24 Horas de Le Mans. Competindo com um Talbot-Lago 126GS de sua equipe particular, o volante local Pierre Levegh resolveu tentar o impossível na edição de 1952: ganhar a prova correndo sozinho, mesmo tendo um parceiro inscrito para revezar consigo, o compatriota René Marchand. Quando se viu na ponta, muito por causa dos problemas mecânicos enfrentados por Mercedes, Jaguar e Gordini, o “Bispo” ignorou as súplicas durante os pitstops e seguiu postado no #8 para correr durante 23 horas e meia consecutivas. A explicação: já líder, à noite, Levegh sentiu uma vibração no motor e receou que Marchand não conseguisse preservar a saúde do bólido. Conduzindo o Talbot azul como um bêbado na hora final, sequelas do cansaço extremo, Pierre errou uma marcha na entrada da reta Mulsanne (selecionou segunda em vez de quarta) e levou o já claudicante virabrequim (o causador do comportamento estranho do propulsor) a quebrar. Herói nacional por 20 horas, tornou-se em segundos o vilão da torcida, pois permitiu que a vitória ficasse com os algozes alemães da Mercedes.

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