1986, a temporada que definiu uma geração #4: Alain Prost
Após o GP da Austrália, prova que encerrou a temporada de 1986 na F1, um repórter insinuou que Alain Prost sustentava o pé direito de Gilles Villeneuve com o cérebro de Jackie Stewart. O que seria temerário em princípio já que, por alguns anos, muitos no paddock estimaram o francês como o melhor de sua geração, enquanto outros permaneciam em dúvida.
Mas depois daquela corrida, disputada exatamente 30 anos atrás, não restavam suspeitas: Prost era um gênio e talvez o melhor de sua geração. Nas palavras de Keke Rosberg, à época seu companheiro na McLaren:
“Há Prost e o resto. Ele é absolutamente o melhor piloto que já vi: cabeça e ombros acima de qualquer um. Sem fraquezas, brilhante em cada departamento.”
O segundo título do Professor, no entanto, teve um parto bastante acidentado. Primeiramente, a McLaren não foi perfeita em 1986: as trocas de pneus, por exemplo, eram frequentemente mal executadas, nunca em consonância com Williams, Lotus e Ferrari. Depois, a gestão do time estava rachada: ao longo do ano, a relação de Ron Dennis com o projetista-chefe John Barnard azedou a ponto do último se desligar da escuderia com quatro GPs para o fim.
Por fim, o carro era bom, mas não o suficiente para derrotar as Williams no ritmo de corrida. Barnard ainda se esforçou, solicitando para que a Bosch Motronic concebesse um sistema de mapeamento de motor ainda mais complexo, visto a mudança no tamanho do tanque de combustível para 1986. Mas o já envelhecido MP4/2 não estava na mesma excelência do FW11: ao todo, foram nove vitórias de Grove contra quatro de Woking.
Ainda assim, Prost conquistou o título. E nesta última edição da série sobre a temporada de 1986, o Projeto Motor explica como o francês conseguiu o que muitos consideram como o maior feito de sua longeva carreira.
Série “1986, a temporada que definiu uma geração”
1 – Ayrton Senna
2 – Nelson Piquet
3 – Nigel Mansell
As primeiras vitórias de Prost: Ímola e Mônaco
Apesar da superioridade das Williams, o ano de Prost começou num tom positivo. Na primeira prova, em Jacarepaguá, o Professor chegou a comandar o páreo – depois de uma péssima qualificação em nono – até o motor Porsche o deixar a pé com 30 voltas para o fim.
Já em Jerez o francês partiu de quarto e empreendeu uma corrida tática. No primeiro terço do percurso, caiu para quinto, tentando economizar combustível. “Ímola no ano passado me ensinou muita coisa”, disse o Professor, referindo-se à primordialidade no controle de gasolina.
Depois, trocou de posições com Rosberg e, com a desistência de Nelson Piquet, subiu para terceiro. Já sem chance para deter Ayrton Senna, da Lotus, e Nigel Mansell, da Williams – o último de pneus novos após ter sido superado pelo brasileiro –, sustentou ritmo e coletou os primeiros quatro pontos na temporada. Provavelmente numa corrida em que estaria fora do pódio, caso Piquet tivesse terminado.
Não demorou para surgir a primeira vitória. Em Ímola, diferentemente de Piquet, em dúvida se acelerava ou entesourava combustível, Prost reservou seu momento para pisar fundo um pouco antes da parada de pneus. Foi a estratégia certa porque a Williams já não tinha fôlego para se manter na ponta – o brasileiro supostamente também sofrendo de problemas na embreagem – e Rosberg, segundo, forçara demais o MP4/2 durante a primeira faixa.
Assim vieram os “primeiros nove pontos” do Professor, que quase se enrolou para encerrar a prova, diga-se de passagem.
“Quando faltavam duas voltas, já me imaginava dando uma volta de agradecimento ao público. Mas senti um frio subir pela espinha: o motor começou a tossir. Ainda bem que dei sorte.”
Foi em Mônaco, porém, uma das poucas corridas em que o consumo de combustível não deu a tônica dos GPs, que vimos a grande vitória da temporada para Prost. No sábado, o francês obteve uma pole position assombrosa, 0s4 à frente da Williams de Nigel Mansell. Já no dia seguinte, o Professor foi o mais rápido no warmup para dominar a corrida do início ao fim, perdendo a ponta apenas durante a janela de pits.
Após este fim de semana, Prost assumiu a liderança na tábua de pontuação, três tentos à frente de Senna e sete perante Piquet. Mas ainda era o início da disputa: as Williams não tinham mostrado seu potencial por inteiro.
Teste de resistência de Prost
O plano de John Barnard para o MP4/2 era de três anos. Mas, se em 1984 e 1985 o carro se firmou como o topo de linha na F1, foram as raras vezes – à exceção de Ímola, talvez – em 1986 que não esteve rastejando atrás do FW11, modelo produzido por Patrick Head para a Williams.
Além disso, o motor Honda rendia mais torque e potência do que o TAG-Porsche. Mesmo em confiabilidade, segundo Prost, o motor germânico deixava a desejar. De acordo com o piloto francês, apenas em seis de 16 GPs o propulsor não apresentou problemas em sua engenharia.
De qualquer forma, o Professor manteve sua campanha firme no meio da temporada, quase que num teste de resistência. Em Spa, poderia ter vencido o páreo se não tivesse sido atrapalhado por um acidente com Senna e Gerhard Berger, da Benetton. Enquanto o brasileiro caminhou para um segundo lugar e retomou a ponta do campeonato, Prost se arrastou até os boxes com o MP4/2 de pneu furado. Ao voltar para a pista, estava em 23º, quase uma volta atrás (no vídeo abaixo).
Um pouco de sorte confirmou um sexto lugar para o Professor na Bélgica, tendo anotado a melhor volta da tarde. E, depois de perder um título por meio ponto em 1984, Prost fez questão de celebrar o feito. “Esse tipo de coisa acaba impressionando bastante”, disse o piloto após o páreo.
A cruzada do francês continuou nos GPs seguintes. Em Montréal, recuperou-se de um pit ruim no trecho final para chegar em segundo, 20s atrás de Mansell. Já nos Estados Unidos, caminhava novamente para a medalha de prata quando seu motor começou a falhar nas freadas: perdeu o segundo para o Ligier de Jacques Laffite, mas, ainda assim, marcou quatro pontos.
Foi assim que, de corrida em corrida, Prost esmerilhava pontos ali e aqui, com um carro já nitidamente inferior à Williams. Se em Paul Ricard o francês ainda conseguiu sustentar boa oposição contra Mansell, na corrida seguinte, em Brands Hatch, o MP4/2 simplesmente levou uma volta do FW11. Não obstante, a partir deste páreo, o inglês tomou a liderança do Professor no Mundial de Pilotos.
Drama e título surpreendente
Com seis GPs para o fim do campeonato, a campanha de Prost começou a apresentar tons dramáticos. Em Hockenheim, o francês vinha num discreto (porém necessário) terceiro quando o McLaren sofreu uma pane seca na reta final do percurso. A cena virou clássica na F1: o Professor, já superado por vários carros, se esforça para terminar o percurso na zona de pontos, empurrando o MP4/2 até a linha de chegada – para o delírio da torcida alemã.
O calvário continuou em Hungaroring, quando Prost, novamente em terceiro, desta vez sofreu uma falha elétrica no McLaren ainda no primeiro terço da corrida. Sem pontuar, se viu caindo para quarto no campeonato, 11 tentos atrás de Mansell. Foi aí que, caso você fosse um espectador àquele campeonato em tempo real, seria a hora de perguntar: é sério que esse cara ainda vai ganhar o título no fim da história?
Para retomar o que falamos na introdução do texto, Prost provavelmente foi o piloto mais cerebral de sua geração – talvez na história da F1. Como bem definiu Barnard, num típico humor britânico:
“As pessoas dizem que ele é sortudo, mas não é o caso; muita coisa acontece entre suas orelhas.”
A maior prova da celsitude cerebral em Prost foi o GP da Áustria, em Zeltweg. Numa corrida de vários abandonos, o Professor foi o único entre os líderes do campeonato a completar o percurso. Não sem vários problemas: por vezes, a potência do MP4/2 chegou à chicane Hella-Licht em silêncio e, para manter o funcionamento do carro, o francês deixava a embreagem numa marcha menor. Esta falha técnica no propulsor da Porsche eliminou Rosberg. Mas Alain terminou o páreo em primeiro e encurtou a distância em relação a Mansell para apenas dois pontos – o Williams do britânico falhou na 33ª volta com um problema no semieixo.
Nova falha mecânica em Monza – desta vez com perda total – voltou a jogar Prost para a rabeira da pontuação. Mas o francês não desesperou, empenhando-se numa disciplina franciscana durante as corridas. No Estoril, em vez de se envolver na briga entre Piquet e Senna pelo segundo lugar, concentrou-se na conservação de combustível. Resultado: quando o Williams rodou e o Lotus sofreu pane seca na última volta, mais seis pontos na conta. Só com esse raciocínio o francês se manteve vivo na briga pelo título até Adelaide.
E, na Austrália, Prost pilotou como um cordeiro. Um pneu furado o colocou temporariamente fora da disputa na metade do percurso, mas lhe deu fôlego e paciência para pressionar Mansell na parte mais crítica da prova, quando os pneus do britânico estavam em frangalhos. Nunca vamos saber se a coerção de Prost nestes minutos finais foi providencial para o corte no arco do inglês – e antes a desistência de Rosberg, também com um pneu perfurado –, mas o fato é que, como todos sabemos, a saída da Williams promoveu o Professor à liderança e aos pontos necessários para confirmar o título. Foi a quarta vitória do francês em 1986, obtida com 4s2 de folga para Piquet, que decidiu abrir mão da ponta para efetuar uma parada nos pits.
Prost venceu apenas quatro GPs em 1986 contra cinco do seu primeiro troféu e memoráveis sete em 1984. Mas desta vez ele lutava no contragolpe contra uma oposição com equipamento bem superior, o que tornou a proeza infinitamente maior. Foi o título mais genial de Alain: tanto por seu próprio desempenho quanto pelo contexto em que foi conquistado, isto é, provavelmente na temporada mais competitiva e emocionante da história da F1.
Os números da temporada de 1986:
Vitórias (por piloto)
5: Nigel Mansell
4: Alain Prost, Nelson Piquet
2: Ayrton Senna
1: Gerhard Berger
Vitórias (por equipe)
9: Williams
4: McLaren
2: Lotus
1: Benetton
Pódios (por piloto)
11: Alain Prost
10: Nelson Piquet
9: Nigel Mansell
8: Ayrton Senna
4: Stefan Johansson
2: Jacques Laffite, Gerhard Berger
1: Michele Alboreto, Keke Rosberg
Pódios (por equipe)
19: Williams
12: McLaren
8: Lotus
5: Ferrari
2: Benetton, Ligier
Poles (por piloto)
8: Ayrton Senna
2: Nelson Piquet, Nigel Mansell, Teo Fabi
1: Alain Prost, Keke Rosberg
Melhores voltas (por piloto)
7: Nelson Piquet
4: Nigel Mansell
2: Alain Prost, Gerhard Berger
1: Teo Fabi
Quilômetros na liderança
1.495: Nigel Mansell
1.196: Nelson Piquet
695: Alain Prost
566: Ayrton Senna
397: Keke Rosberg
341: Gerhard Berger
52: Jacques Laffite
16: René Arnoux
14: Stefan Johansson
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