Dispensados pela F1, campeões da Fórmula E dão a volta por cima
Ao olhar para o grid da Fórmula E, vemos alguns tipos diferentes de pilotos. Alguns que tiveram bons resultados na base e encontraram na categoria de carros elétricos um espaço para seguirem com suas carreiras em alto nível e outros que chegaram à F1 (ou muito perto dela), mas que acabaram não se dando bem por lá e foram obrigados a se reinventarem.
Existem ainda os pilotos que tiveram um bom sucesso em outros campeonatos importantes, como o WEC e DTM, e que encontraram um caminho na Fórmula E para seguiram andando em alto nível, como André Lotterer e, até ano passado, Gary Paffett. Felipe Massa talvez represente um caso a parte de sucesso na F1 e que ao final natural de carreira ali, buscou a Fórmula E como forma de prosseguimento em um novo momento.
Agora, se olharmos para a lita de campeões da Fórmula E, que ganhou nos últimos dias um novo integrante, António Félix da Costa, vemos uma semelhança muito grande entre todos os nomes. Pilotos de bons resultados nas categorias de base, que chegaram à F1 (o português é uma exceção, mas vamos explicar mais adiante por que se enquadra no diagnóstico) e que acabaram dispensados pela categoria por motivos diferentes. Todos tiveram passagem importantes por programas de formação de equipes, sendo três da Red Bull e dois da Renault.
Isso mostra que sim, eles tinham talento, que poderiam talvez ter sido melhor aproveitados na F1. Ou, dependendo da forma de se analisar a questão, que o nível da F1 ainda está um ou dois degraus acima. Vamos entender caso a caso.
António Félix da Costa: volta por cima após anos de baque
O português está na Fórmula E desde que a categoria iniciou suas atividades, em 2014. Ele se transferiu para atual temporada para a DS Techeetah, que vinha de dois títulos com Jean-Éric Vergne. E a mudança fez bem para o português, que nadou de braçada no campeonato, levando a taça com duas provas de antecipação.
Félix da Costa pode nunca ter corrido na F1, mas se voltarmos para metade de 2013, isso era algo considerado muito improvável. Ele fazia parte do programa de pilotos da Red Bull e tinha uma carreira sólida nas categorias de base. Não sensacional, mas sólida. E isso é que pode ter faltado para ele.
Campeão de 2009 da F-Renault 2.0 NEC, que compete em países do norte da Europa como Alemanha, Holanda e Bélgica, o português despontou como um dos bons nomes do programa da Red Bull, que naquele momento via Sebastian Vettel explodir na F1 como um exemplo de sucesso do modelo.
No ano seguinte, ele terminou apenas em sétimo na F3 Europeia, em temporada que teve Valtteri Bottas em terceiro e Kevin Magnussen em 12º. Em 2011, teve uma temporada irregular na GP3, ficando apenas em 13º, enquanto Bottas foi campeão. Importante destacar, no entanto, que ele em nenhum momento nestes dois campeonatos competiu em um time de ponta mesmo, já que a ideia da Red Bull era ver o que seus pilotos podiam fazer com mais limitações.
Nos dois anos seguintes, quando seu nome era bastante cotado para a F1, Félix da Costa se enrolou. Ele venceu o tradicional GP de Macau de F3 pela Carlin, mas ficou apenas em terceiro na GP3, superado por Mitch Evans e Daniel Abt. Para 13, a Red Bull o colocou na F-Renault 3.5, a World Series, que na época juntava um grid até mais interessante do que a GP2.
Era bem claro para todos que aquela temporada seria a transição para Félix da Costa poder entrar na F1 pela Toro Rosso. Competindo pela Arden Caterham, de Christian Horner (chefe da Red Bull na F1), ele terminou a temporada em terceiro, longe do campeão Kevin Magnussen e do vice Stoffel Vandoorne.
Félix da Costa ainda era considerado por muitos como principal candidato à vaga na Toro Rosso, mas naquele ano surgiu outro nome que o atropelou. Dois anos mais novo,
Daniil Kvyat foi campeão da F-Renault Alps (que compete principalmente na Itália) em 2012 e em 13, venceu a GP3 pela equipe Arden com uma campanha muito forte.
Há quem diga que diante do cenário da época, Félix da Costa não via chances de ficar fora da F1 e se acomodou um pouco. Só que diante dos resultados, a Red Bull resolveu promover o russo em vez do português, de forma bastante inesperada para todos. E ele parece que demorou para conseguir se recuperar do baque, com uma passagem apagada pelo DTM.
Ele entrou na Fórmula E pela equipe Aguri, passou pela BMW Andretti e agora consegue sua redenção pela DS Techeetah.
Jean-Éric Vergne: da Toro Rosso para o bi da Fórmula E
Vergne é um caso diferente de Félix da Costa porque teve uma carreira ainda mais sólida. Ele foi campeão da F3 inglesa de 2010, em uma época em que o campeonato ainda tinha importância na formação dos grandes nomes, com 13 vitórias em 30 corridas, somando ainda 19 pódios.
Também parte do programa da Red Bull, ele foi levado para a F-Renault 3.5 em 11 e ficou com o vice, após uma dura briga com o campeão Robert Wickens, e ficando à frente de Daniel Ricciardo, quinto.
Para 2012, ele e Ricciardo foram promovidos para a Toro Rosso, que passava a ter uma nova formação após duas temporadas e meia com Sébastien Buemi e Jaime Alguersuari. E passou-se aí a ser realizada uma competição direta entre o francês e o australiano para chamar atenção da equipe e quem sabe conseguir a promoção para o time principal da marca.
Com a aposentadoria de Mark Webber ao final de 2013, a Red Bull tomou a decisão de promover Ricciardo ao seu lugar, ao lado de Sebastian Vettel. Vergne ganhou a chance de uma terceira temporada na Toro Rosso, mas já sabendo que dificilmente teria alguma chance no time principal após a decisão.
Ele ainda fez um campeonato consistente, com 22 pontos, mas quando Vettel trocou a Red Bull pela Ferrari ao final do ano, o time austríaco escolheu o jovem Kvyat para ser promovido. Assim, terminava a carreira de Vergne na F1.
O francês, no entanto, tinha mostrado talento. E rapidamente encontrou lugar na Fórmula E, que estava começando sua jornada ao final de 2014. Com pódios em todas as temporadas (primeiro pela Andretti e depois pela DS Virgin), ele encontrou na Techeetah o carro certo para se tornar, pelo menos até o momento, o único bicampeão da curta história da categoria.
Lucas di Grassi: chance ruim na F1 e volta por cima com a Audi
O brasileiro teve uma carreira muito boa na base, apesar de a falta de títulos em seu currículo chamar a atenção. Sua grande conquista foi o GP de Macau de F3 em 2005, batendo Robert Kubica e Sebastian Vettel.
Di Grassi correu por quatro temporadas na GP3, terminando duas vezes em terceiro e uma com o vice. Em 2010, ele teve a chance na F1 na fraquíssima estreante Virgin. A estrutura da equipe era tão ruim que é até difícil avaliar o desempenho do brasileiro, mesmo diante do companheiro, Timo Glock.
Dispensado ao final do ano, ele passou a procurar chances em outras competições, quando conseguiu um lugar como piloto oficial da Audi. A posição lhe abriu as portas, com participação no WEC (Mundial de Endurance) e outras provas pelo mundo da qual a marca participava.
Paralelamente, Di Grassi iniciou um trabalho de testes do protótipo do carro da Fórmula E e passou a se tornar quase que um porta-voz ou até mesmo piloto propaganda da categoria. Quando o campeonato finalmente entrou em funcionamento, a Audi não pensou duas vezes em lhe colocar para andar. E ele nunca fez feio.
O paulista tem vitória em todas as temporadas da Fórmula E, com exceção da última. Na primeira temporada, ele terminou com o terceiro lugar no campeonato e na seguinte ficou com o vice. Na época de 2016-17, o investimento finalmente lhe rendeu frutos com o título, o primeiro e único de sua carreira no automobilismo até então.
Di Grassi seguiu como um dos pilotos mais importantes da categoria e principalmente da Audi, que cada vez mais coloca seu foco na Fórmula E, o que transforma o brasileiro em um de seus principais pilotos no geral.
Sébastien Buemi: depois da longa espera na Red Bull, consagração na Fórmula E
Chegamos a mais um nome que cresceu dentro do programa da Red Bull. Buemi não tem nenhum título importante na base, mas construiu uma carreira relativamente sólida. Suas duas melhores temporadas foram na F3 Europeia de 2007, em que ficou com vice atrás de Romain Grosjean e à frente de Nico Hulkenberg, e o sexto lugar na GP2 de 2008.
Promovido para a Toro Rosso em 2009, ele nunca fez feio na F1, mas em sua última temporada, em 2011, foi amplamente batido pelo companheiro, Jaime Alguersuari, por 26 pontos a 15.
Ao final daquele ano, como Vettel e Webber seriam mantidos na Red Bull e a marca queria abrir espaço para Vergne e Ricciardo, tanto Buemi como Alguersuari perderam seus postos. O suíço nunca desfez totalmente os laços com a empresa e ainda hoje participa do desenvolvimento dos carros da equipe, principalmente com trabalho em simulador.
Só que ele precisava encontrar um novo emprego dentro da pista. E quem o acolheu foi a Toyota no WEC. Buemi passou a ser piloto oficial da marca japonesa no Mundial de Endurance, posto que ele ocupa até hoje paralelamente à Fórmula E. E com diversas vitórias (16 no total), incluindo as últimas duas edições das 24 Horas de Le Mans.
Quando a Fórmula E começou suas atividades, ele foi convidado pela Renault Dams para participar do time oficial da marca francesa e recebeu autorização da Toyota para participar, desde que a preferência fosse para as corridas da marca japonesa no endurance. E desde o começo, o suíço foi um piloto forte da categoria, com o vice-campeonato de 2014-15 e o título da segunda temporada da história da competição de carros elétricos.
Buemi poderia ainda ter conquistado o bi em 2016-17 se não fosse seu acordo com a Toyota. Por conta de uma coincidência de datas com o WEC, ele ficou fora de uma rodada dupla da Fórmula E, em Nova York. Até aquele momento, ele liderava o campeonato com 157 contra 125 de Di Grassi. No final, com um desempenho tenebroso ainda na rodada final, que contou com duas corridas em Montreal, ele acabou perdendo o título para o brasileiro por 181 contra os mesmos 157 que tinha antes destas quatro corridas finais nos EUA e Canadá.
Buemi seria vice de novo na temporada 2018-19, perdendo para Vergne, e hoje ainda é um dos pilotos fortes da categoria, na Nissan Dams.
Nelsinho Piquet: breve interrupção da ladeira abaixo
Talvez a maior exceção da nossa lista. O brasileiro foi provavelmente o piloto com a carreira mais consistente na base, teve a maior chance de todos na F1, incluindo o melhor resultado em um GP, e conquistou o primeiro título da história da Fórmula E. Só que depois disso, ele seguiu em sua derrocada, que já tinha começado antes mesmo de chegar à categoria de carros elétricos.
Apoiado sempre pelo pai, o tricampeão Nelson Piquet, com estrutura e equipes próprias por onde passava, Nelsinho foi campeão da F3 Sul-Americana de 2002, da F3 Inglesa de 2004, e vice da GP2 de 2006, perdendo o título para ninguém menos do que Lewis Hamilton, por apenas 12 pontos e na rodada final.
O brasileiro entrou nesta parte final de sua escalada na base no programa de pilotos da Renault, atropelando Lucas di Grassi, que fazia parte há mais tempo do programa. Isso gerou certa rivalidade entre eles, o que perdura até hoje.
Com a boa relação de Piquet pai com Flavio Briatore, então chefe da Renault, Nelsinho foi promovido a piloto titular da equipe em 2008 para ser parceiro simplesmente de Fernando Alonso, que retornava ao time. A passagem de Piquer Jr pela F1, no entanto, foi dura. Os resultados foram escassos, com o melhor momento sendo o pódio no GP da Alemanha, com um segundo lugar após ter largado em 17º.
Nelsinho foi demitido durante a temporada de 2009, após a décima etapa, e então resolveu revelar ao mundo o caso do GP de Singapura de 2008, em que bateu seu carro de propósito para ajudar na estratégia do companheiro, Alonso, que acabou vencendo a prova. O Projeto Motor já contou detalhes deste episódio.
Fora da F1 e marcado pelo enorme escândalo, Piquet resolveu redirecionar sua carreira para a Nascar, nos Estados Unidos. Ele passou pela Truck Series, Nationwide e chegou a participar de uma prova da Cup. Mas não conseguiu o destaque ou sucesso que planejava. Foi quando a Fórmula E surgiu em sua vida.
Ele foi convidado para integrar a China Racing (atual Nio) na primeira temporada da categoria e, com duas vitórias, conquistou o título. Parecia que ele tinha encontrado sua redenção. Mas o bom momento durou pouco. Nelsinho nunca mais sequer subiu ao pódio da categoria nos anos seguintes.
Ele chegou a se transferir para a equipe oficial da Jaguar em 2017, mas seguiu sem resultados importantes. Ele foi dispensado pelo time inglês durante a temporada 2018-19 e passou a focar basicamente na Stock Car brasileira desde então.
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