(Foto: Ferrari)

A rica história da Ferrari em Le Mans e o porquê do retorno agora

A Ferrari anunciou no último dia 24/02 que irá retornar a disputar a vitória na geral nas 24 Horas de Le Mans e no Mundial de Endurance (WEC) a partir de 2023. Isso significa que a marca, que até participa nas últimas décadas da tradicional prova e campeonato na classe dos GTs, voltará a produzir um modelo específico para a categoria principal, que a partir de 2021 será a LMH (Le Mans Hipercarros).

E mais. A operação será oficial, ou seja, veremos uma entrada da Scuderia Ferrari na principal classe do endurance internacional, algo que não acontece desde 1973. Isso não quer dizer que a marca não esteve em Sarthe e outras provas importantes do endurance durante todo este tempo, pois ela vendeu protótipos para equipes independentes e fez parcerias neste meio tempo para os GTs. Mesmo assim, a nova entrada “Ferrari” é algo bastante marcante.

É preciso lembrar também da enorme relação da empresa de Maranello com Le Mans e o endurance. É verdade que já se vão 50 anos de uma ausência bastante sentida. Porém, a Ferrari sempre foi importante para a corrida assim como o evento francês (e o endurance em geral) sempre esteve encravado nas raízes e na história da companhia.

Os números mostram muito isso. Mesmo distante há cinco décadas, a Ferrari é a terceira montadora com mais vitórias em Le Mans, com nove triunfos, atrás apenas de Porsche, 19, e Audi, 13. Isso sem contar na classe GT, onde a marca tem 24 títulos mundiais (o mais recente em 2017) e 36 triunfos em Le Mans. Parte desta história já foi mostrada até mesmo nas telas de cinema, como mais recentemente no filme Ford vs Ferrari, de 2019, produzido pelo diretor James Mangold, com uma bela dose de dramatização.

E não para por aí. A primeira vitória de um carro da Ferrari em Le Mans aconteceu em 1949, com um modelo 166 MM da equipe inglesa independente Lord Selsdon, um ano antes da F1 sequer ser inaugurada. A própria Ferrari conquistou as 24 Horas como equipe alguns anos depois, em 54, com uma 375 Plus pilotada pelo argentino José Froilán González e o francês Maurice Trintignant.

A era da Ferrari em Le Mans

Diversas marcas tiveram um período de domínio em algum momento em Le Mans. Bentley nos anos 20, Alfa Romeo nos 30, Jaguar nos 50, Ford na segunda metade dos 60, Porsche nos 70, 80 e 90, e mais recentemente a Audi nos 2000 e 2010, e a Toyota nas últimas edições. A Ferrari também teve sua era. Ela aconteceu entre a virada dos 50 e a primeira metade da década de 60.

Histórico modelo 250 Testa Rossa da Ferrari venceu a edição de 1958 com o belga Olivier Gendebien e o americano Phil Hill (Foto: Ferrari)
Histórico modelo 250 Testa Rossa da Ferrari venceu a edição de 1958 com o belga Olivier Gendebien e o americano Phil Hill (Foto: Ferrari)

Entre 1958 e 64, a equipe venceu a prova de Sarthe por seis vezes. Esta última, foi o último triunfo da escuderia no evento. Em 65, um outro carro da marca ainda conquistou a vitória, porém, sob a operação da Nart (equipe North American Racing Team com uma ligação bastante íntima com a fabricante), marcando também a última vez que um carro Ferrari levou a melhor na classificação geral.

Alguns modelos utilizados pela Ferrari nesta época se tornaram verdadeiros clássicos. Em especial a linha 250, com suas variantes. A começar pela ultra elegante 250 Testa Rossa, que levou a edição de 58.

A partir de 66, a Ford emplacaria uma sequência com seu GT 40, em uma história bastante documentada no embate direto com os italianos. Porém, a Ferrari também teve seus triunfos importantes nesta época, como nas 24 Horas de Daytona de 67, batendo a Ford dentro dos Estados Unidos com a dupla formada pelo italiano Lorenzo Bandini e o neozelandês Chris Amon.

Neste triunfo, assim como no segundo lugar em Le Mans naquela mesma temporada, foi utilizado o modelo 330 P4, um dos carros de corrida mais belos da história, sem dúvida nenhuma.

Foco nos GTs e o projeto 333 SP

Após essa fase encantada na década de 60, quando mesmo nas edições em que perdia, a Ferrari estava na briga, o time passou alguns anos sofrendo um pouco em Le Mans com seus novos protótipos. Os problemas aconteciam tanto por conta de quebras mecânicas como por azares e acidentes.

A equipe produziu os novos protótipos 312P Coupé, 512S e M, 365 GTB e 312PB-73 até que a partir de 74 resolveu continuar desenvolvendo novos modelos, porém, sem entrar com uma operação oficial. Os carros da Ferrari passaram a frequentar Le Mans e as principais provas do endurance através de equipes clientes e parceiras.

Em 1976, o grid da corrida francesa chegou a ficar pela primeira vez desde 49 sem nenhuma Ferrari. Mas isso seria um caso raro. Em alguns anos, algumas preparadoras se encarregariam de levar a marca para provas importantes. As iniciativas, sendo oficiais ou não, ficaram mais focadas nos GTs, como em modelos 512 BBLM e a marcante F40 LM.

Na década de 90, a Ferrari voltou aos protótipos de forma um pouco inusitada. O 333 SP foi apresentado em 1993, 20 anos depois do último modelo do tipo da marca. O carro na verdade foi encomendado e pago pelo empresário e piloto amador Giampiero Moretti, fundador da Momo, famoso estúdio que fabrica peças e assessórios para carros.

Protótipo Ferrari 333 SP encomendado pela Momo e desenvolvido em boa parte pela Dallara
Protótipo Ferrari 333 SP encomendado pela Momo e desenvolvido em boa parte pela Dallara (Foto: ACO)

A Ferrari, então, terceirizou a maior parte do projeto ao contratar a Dallara para desenhar e desenvolver o protótipo, incluindo transmissão (sequencial de cinco velocidades da Ferrari preparada na Dallara), suspensão e toda parte aerodinâmica, com foco no regulamento da IMSA e do Mundial de Marcas. Para ninguém dizer que a 333 SP não era uma Ferrari, a empresa produziu em Maranello o monocoque, estrutura tubular e, claro, o motor, o mesmo V12 da F1 em 1990, só que adaptado para ter 4 litros, produzindo um total de 640 cavalos.

Um total 40 unidades foram produzidas, sendo as primeiras 14 pela Dallara e as outras 26, em um segundo momento, pela Michelotto Automobili, uma preparadora da cidade de Padova, na Itália. O modelo teve sucesso, com 56 vitórias em 144 provas até 2002, incluindo as 24 Horas de Daytona de 1998 e três edições as 12 Horas de Sebring, em 1995, 97 e 98. Em Le Mans, no entanto, a 333 SP nunca chegou a ser competitiva, tendo um sexto lugar como melhor resultado, em 97.

De qualquer forma, a Ferrari seguiu nos anos 90 e 2000 com seu foco em clientes nas competições de esporte-protótipos e principalmente GTs, nunca mais entrando com sua própria equipe nestas provas. As vitórias nesta classe foram muitas, mesmo em Le Mans, com um programa oficial de desenvolvimento de novos modelos, porém, sempre com operações de parceiros, como as equipes AF Corse e Risi Competizione, tanto na Europa quanto nos EUA e Ásia.

Foco da Ferrari no endurance nas últimas décadas foi nos GTs com equipes clientes e parceiras, além de eventos com gentlemen drivers
Foco da Ferrari no endurance nas últimas décadas foi nos GTs com equipes clientes e parceiras, além de eventos com gentlemen drivers (Foto: Ferrari)

Por que retornar agora?

O timing acabou sendo importante para a decisão da Ferrari voltar a investir no desenvolvimento de um protótipo para o endurance. Não é segredo para ninguém que o time tem um dos maiores orçamentos da F1 e quando o teto de gastos foi incluído no novo regulamento da categoria, entrando em vigor agora em 2021, a empresa já tinha deixado público que não gostaria de fazer corte de pessoal no seu programa esportivo. Por isso, os dirigentes da marca abriram que começariam a estudar as opções para o realojamento de recursos. Logo de cara, Indy e WEC se tornaram as principais alternativas.

Neste meio tempo, o WEC, que tem como principal prova as 24 Horas de Le Mans, oficializou o novo regulamento para sua classe principal, que briga pela vitória na classificação geral das corridas. A LMH (Le Mans Hipercarros) incentiva que as montadoras entrem no campeonato com uma espécie de protótipo baseado em hipercarros de rua. Além disso, as regras baixaram consideravelmente os custos para a produção dos novos modelos em relação à LMP1 (Le Mans Protótipos 1), antiga classe principal.

A Toyota logo se mostrou comprometida e desenvolveu já para o ano de estreia da LMH, agora em 2021, o seu GR010 Hybrid, teoricamente inspirado no carro conceito GR Super Sport, cuja produção de algumas novidades para a rua está nos planos da montadora. Depois veio a boutique americana Glickenhaus, que já faz alguns modelos para provas de endurance menores, como 24 Horas de Nurburgring, que também desembarcou na nova classe para este ano, com seu SCG 007.

Toyota GR010 Hybrid é o primeiro LMH apresentado e irá participar do WEC em 2021 (Foto: Toyota Gazoo)

Depois chegou a Peugeot, que também anunciou sua entrada no WEC com um LMH em 2022. Enquanto isso, a ByKolles, equipe baseada na Alemanha que competiu nos últimos anos na LMP1 com protótipo próprio, anunciou que também deve entrar entre 21 e 22 com um hipercarro desenvolvido em casa e que depois deve cumprir o regulamento de ter algumas unidades legais para rua à venda.

A Ferrari, que possui diversos carros de alto desempenho para as ruas, acabou se identificando com a proposta e assim resolveu entrar na brincadeira também, de olho no momento tanto da F1 como do WEC para aproveitar da melhor forma sua estrutura.

Próximos passos da Ferrari LMH

Apesar do anúncio de que vai participar da LMH, a Ferrari não revelou muito de seu projeto, apenas apontando que já deu o sinal verde internamente para o início do desenvolvimento do novo modelo e que o objetivo é estar no grid do WEC em 2023.

A tendência é que devemos ver esse novo carro começar a ser testado nas pistas durante a temporada de 22. Neste meio tempo, a marca ainda precisa definir também se vai contratar uma linha nova de pilotos ou se vai aproveitar os que já fazem parte de seu time oficial para competições de GT e endurance, o que inclui atualmente o brasileiro Daniel Serra.

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