Ford GT foi utilizado como carro câmera para acompanhar os F1 em Grand Prix

Com Ford GT de carro câmera, desafios de Grand Prix para mostrar a F1

Não são poucos os filmes que tiveram o automobilismo como foco. Alguns se saíram bem, outros nem tanto, e existem os que apenas fazem algum tipo de paródia. Um dos maiores clássicos e que décadas depois de seu lançamento ainda é amado por fãs tanto do cinema quanto do esporte a motor é Grand Prix.

Lançado em 1966, a produção acompanhou a temporada daquele ano da F1 quase que em formato de documentário para conseguir imagens o mais próximo do real. No meio de tudo isso, o diretor John Frankenheimer introduziu uma história com foco em quatro personagens principais, todos baseados na personalidade e estilo de pilotos reais da época, para envolver o público.

Desde o princípio do projeto, ficou clara a intenção de Frankenheimer transformar Grand Prix em um filme que levasse os espectadores para dentro das pistas de corrida. Ele de cara descartou utilizar filmagens com carros em velocidades baixas ou estúdios controlados. Tudo precisava ser o mais próximo do real possível. Os próprios atores tiveram que fazer aulas para pilotar seus carros e mesmo as cenas das histórias dos personagens eram produzidas nos circuitos durante as etapas da F1.

Como pode-se imaginar, isso tudo foi um grande desafio de produção. Grand Prix se tornou uma verdadeira operação que exigiu a busca de soluções inéditas para Hollywood e ajuda de tecnologia utilizada pela Força Aérea americana e a Nasa. Ângulos e sequências mostradas na tela, naquele nível de qualidade cinematográfica, gravadas em file 65mm, seriam difíceis de serem conseguidas mesmo nos dias de hoje, imagine na década de 60.

Equipamentos e soluções para Grand Prix

Em um artigo para o site American Cinematrographer, o câmera do filme, John Stephens, conta que desde que foi abordado por Frankenheimer com a descrição do projeto, percebeu que estava de frente de um grande desafio.

“Johnny, você gostaria de ser câmera a 280 km/h em um carro câmera especialmente construído enquanto fotografa pilotos de corrida reais durante o circuito de Grand Prixs?”, teria perguntado o diretor ao fazer o convite. “Vocês deve estar brincando. Isso me deixaria aterrorizado!”, respondeu Stephens, segundo seu relato. Bem, mal saberia ele que poucos meses depois ele estaria nesta situação.

A preocupação inicial de Frankenheimer era conseguir as tomadas dos carros de forma mais espetacular possível e fazer toda a gravação das cenas com atores dentro do clima dos GPs da F1. Para isso, os técnicos da MGM, estúdio responsável pelo filme, precisaram trabalhar com a fabricante de câmeras Panavision em diversas soluções importantes.

Para começar, não adiantava apenas mostrar de fora os carros. As câmeras precisavam estar nos carros e correndo junto deles em velocidades semelhantes. Foram desenvolvidas estruturas que pudessem se encaixadas nos monopostos e assim os equipamentos poderiam acompanhar a ação. É bom lembrar que câmeras on board, como temos hoje, produzidas para este uso específico não existiam.

Armação para colocação de câmeras nos carros para as filmagens de Grand Prix
Armação para colocação de câmeras nos carros para as filmagens de Grand Prix (Foto: Arquivo John Stephens)

E como acompanhar os carros na pista? Os produtores trabalharam com os pilotos americanos Dan Gurney, Phil Hill e Carroll Shelby como conselheiros. Shelby ajudou a preparar um Ford GT e um Cobra, que conseguiam andar na mesma velocidade dos modelos da F1, com câmeras acopladas tanto na traseira quanto na para fazerem as filmagens.

Foram desenvolvidos sistemas para que o operador das câmeras pudesse ficar sentado no cockpit vendo o que estava sendo filmado por uma tela e ao mesmo tempo sendo capaz de mudar foco e até fazendo pequenas movimentações. Precisamos lembrar que estamos falando de 1966. O próprio Phill Hill seria responsável por conduzir os carros.

Os primeiros testes do equipamento foram realizados no antigo circuito americano de Riverside. E muita coisa deu errado. As câmeras, que usavam película, travavam por causa da trepidação e forças laterais nas curvas em altas velocidades. Diversas adaptações precisaram ser realizadas para que as falhas fossem superadas.

A MGM ainda procurou a Nasa e a Força Aérea americana por ajuda. A primeira já estava fazendo filmagens ao vivo de seus lançamentos e até enviando câmeras para o espaço em seu programa e a segunda acoplava filmadores em mísseis para saber onde estes estavam caindo e o que acertavam. Frankenheimer, inclusive, antes de fazer sucesso na televisão e no cinema, tinha trabalhado com a Força Aérea anos antes para desenvolver projetos e produções.

Desta forma, com novos equipamentos, diversas adaptações específicas e um know-how melhor – além de muitos testes em Riverside, os problemas técnicos foram resolvidos de uma forma geral.

Hora das filmagens

Phill Hill e Caroll Shelby ajudaram nos contatos com a F1 e a FIA para que a produção de Grand Prix tivesse acesso total às equipes, pilotos e corridas. As dificuldades burocráticas daquela época eram infinitamente menores as que são enfrentadas hoje, porém, para as coisas saírem da forma como Frankenheimer gostaria e planejava, ele precisaria de muita colaboração.

Os atores James Garner, Yves Montand, Antonio Sabàto e Brian Bedford, que interpretariam os personagens principais receberam aulas de pilotagens e realmente fariam suas cenas em alta velocidade nos carros. O diretor queria Steve McQueen no filme, mas o ator não se interessou. Além disso, ele já estava envolvido em seu próprio projeto, Le Mans, que seria lançado em 1971. Assim, Gardner ficou com papel de Pete Aron.

Apenas Bedford, que não conseguiu se adaptar aos carros de corrida, não conseguiu fazer suas sequências em pista. Assim, seu personagem, Scott Stoddard, ganhou menos cenas do tipo. Além disso, foi utilizado o artifício do piloto fictício usar uma balaclava que escondia seu rosto por completo durante a pilotagem. Assim, Phill Hill pôde fazer algumas das cenas, além de filmagens de Jackie Stewart serem também aproveitadas para ilustrá-lo.

Sem a tecnologia das câmeras on board, produção de Grand Prix criou artifícios próprios (Foto: Arquivo John Stephens)

Grand Prix percorreu seis das nove etapas do Mundial de 1966, todas na Europa: Mônaco, Spa-Francorchamps (Bélgica), Brands Hatch (Inglaterra), Zandvoort (Holanda), Clemont Ferrand (França) e Monza (Itália). Todas as filmagens aconteceram durante os finais de semana dos GPs.

A produção conseguiu alguns carros de F1 reais e adaptou diversos modelos de F3 para fazer suas sequências. Entre os diversos carros que participaram da produção, a MGM usou quatro Ferraris, quatro BRMs, quatro McLarens, três Lotus e um Eagle. Nas largadas, como os modelos de F3 não tinham a mesma tração e giravam no asfalto como os de F1, a produção coloca passava gasolina nos pneus para dar um efeito mais visual, além da fumaça que isso fazia sair das rodas nas saídas.

Os atores e pilotos que participaram diretamente utilizaram capacetes com rádio para receberem algumas instruções. Outras cenas foram feitas nos próprios carros da categoria, com os pilotos da época responsáveis pela condução. Entre eles, Graham Hill, Jack Brabham, Chris Amon, Lorenzo Bandini, Jean Pierre Beltoise, Bob Bondurant, Richie Ginther, Dan Gurney, Dennis Hulme, Bruce McLaren, Peter Revson, Jochen Rindt, Joe Siffert, além dos já citados. Vários, inclusive ex-pilotos como Juan Manuel Fangio, também atuaram em cenas de bastidores, além, claro do Ford GT e do Shelby Cobra adaptados como carros câmera.

Durante as tomadas de pista ou até mesmo enquanto atores faziam suas cenas nos boxes e paddock, uma equipe com 18 câmeras ficava espalhada pelo autódromo para captar imagens de clima e bastidores. Frankenheimer ainda fez a opção de usar nestes casos o menos possível de tripés, com equipamentos no ombro, para passar sensação de mais urgência ao espectador, além de facilitar a movimentação mais rápida dos times de captação.

Durante as provas, o diretor muitas vezes coordenava o trabalho de um helicóptero, participando de filmagens aéreas e se comunicando com equipes de solo por rádio para instruções. Entre os maiores desafios estava a impossibilidade de refazer tomadas na maioria das vezes, já que mesmo cenas com atores precisavam usar o clima geral do autódromo ao fundo. Além disso, o ambiente era totalmente fora do controle, algo muito diferente do que produtores de Hollywood estavam acostumados em seus estúdios.

Outra questão era a reação do público, já que Frankenheimer precisava adaptar o que acontecia em sua história ao ambiente. Em uma cena em Spa, um carro pegando fogo entraria nos pits, mas as pessoas no paddock pareciam não ligar muito, sabendo que era uma encenação do filme. O diretor, então, pediu para que no instante em que o veículo entrasse na área de box sua equipe de efeitos especiais explodisse próximo dali uma van. Feito o truque, o público reagiu e ele conseguiu a tomada mais dramática que queria.

Acidentes no filme

O automobilismo sempre impressionou pelos acidentes e nos anos 60, eles eram muitos, porém, difíceis de serem filmados. Na história de Grand Prix, acontecem várias batidas, incluindo personagens principais.

A equipe de efeitos especiais desenvolveu uma espécie de canhão de ar para lançar os carros nestes momentos. O dispositivo era basicamente um tanque em formato de cilindro que conseguia arremessar os carros a cerca de 150 km/h a uma distância próxima de 200 metros. Apenas os motores eram retirados dos veículos para diminuir o peso e, claro, economizar na destruição de equipamentos.

Duas cenas destas chamam a atenção durante o filme. A primeira, logo na primeira corrida, em Mônaco, o carro de Pete Aron (Garner) colide com o de Scott Stoddard (Bedford) e é arremessado ao mar. Seis câmeras em pontos diferentes foram utilizadas para a sequência, incluindo uma especial para no carro de Aron, específica para paraquedismo. O BRM realmente é alçado ao oceano.

A outra sequência, uma das mais fortes, é no acidente fatal do personagem Jean-Pierre Sarti (Montand) na curva inclinada de Monza. A Ferrari é lançada para fora do traçado, bate em diversas árvores e explode ao cair em solo.

O oval do circuito italiano não era mais utilizado na F1, mas ainda seguia em uso em outros eventos. Claro que Frankenheimer achou que seria mais espetacular que esta versão do traçado de Monza estivesse no filme.

Grand Prix nas telas

O resultado de todo este trabalho é incrível na tela. Podemos fazer talvez algumas críticas ao enredo e história, porém, para quem gosta de ver carros de corrida em ação, Grand Prix, assim como Le Mans, lançado em 71, se tornou uma grande referência.

Mesmo nos dias de hoje, é difícil imaginar que um filme chegue ao mesmo nível de detalhe alcançado no trabalho de Frankenheimer, até pelo menor interesse e espaço que as próprias categorias e campeonatos dão a este tipo de produção.

Para quem ainda não conhece, vale ver o filme, que cativou também o público não tão envolvido com automobilismo, apesar das longas sequências (com diversos minutos) apenas mostrando carros em ação. Pelo menos nós, aficionados, gostamos.

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