Largada da IRL em 1996, dando início ao último racha da Indy
(Foto: IMS)

AAA, USAC, CART, IRL… A sopa de letras que explica a história da Indy

A F1 tem um longo histórico de brigas políticas e ameaças de rompimento, principalmente o famoso embate entre FIA e Foca nos anos 80 e das equipes contra Max Mosley em 2009. Mas nada disso chega aos pés dos vai e vem e divisões que a Indy enfrentou durante sua longa trajetória.

Talvez o conjunto de correntes diferentes da Indy seja uma receita mais explosiva, o que incentivou mais batalhas e rachas que realmente aconteceram. Isso porque além de entidades que organizavam o campeonato e as equipes, a categoria americana teve sempre mais uma força política importante nos proprietários do autódromo de Indianápolis, que promove a corrida mais importante da modalidade.

Os administradores do Indianápolis Motor Speedway, usando muito da força da prova, tiveram em muitos momentos um papel muito grande nas brigas da Indy, como aconteceu inclusive no enorme racha de 1995, que mudou para sempre a história do campeonato.

O automobilismo americano começou a ter corridas sancionadas a partir de 1904, quando a Associação Americana do Automóvel (AAA) criou um braço esportivo para trabalhar especificamente competições pelo país. Algo parecido com que aconteceu entre 1922 e 93, quando a FIA (Federação Internacional do Automóvel) criou e delegou a administração do esporte a motor à FISA (Federação internacional do Automobilismo Esportivo).

Sendo assim, em 1905, a AAA regulamentou o Campeonato Nacional de Automobilismo, primeiro certame no país. Porém, por algum tempo, as corridas independentes, assim como ocorreu com o Grande Prêmios europeus, seguiram como carro-chefe do esporte.

A primeira edição das 500 Milhas de Indianápolis foi realizada em 1911, sob regime da AAA, e logo de cara a corrida já se colocou como o grande evento do automobilismo americano. Cinco anos depois, em 1916, foi criado o Campeonato Americano de Automobilismo (American Championship Car Racing), com a óbvia inclusão da prova de Indiana entre suas 15 etapas.

Esse formato, com a AAA na organização, seguiu por muitos anos, até 1955. Nesta temporada, um grande acidente nas 24 Horas de Le Mans, em que 82 espectadores morreram na arquibancada, fez diversas entidades pelo mundo questionarem o automobilismo como esporte. Em alguns países, a prática passou a ser proibida.

A repercussão chegou também aos Estados Unidos, e a AAA resolveu deixar de sancionar eventos esportivos. Enquanto começou a se discutir se a nova entidade responsável seria a Nascar ou o Clube Americano de Carros Esportivos (SCCA), o proprietário do Autódromo de Indianápolis, Tony Hulman, resolveu tomar a frente a fundar o Clube Auto dos Estados Unidos (USAC).

Com a força de ter a principal prova “open wheel” do continente, a entidade assumiu o Campeonato Americano de Automobilismo e passou a ditar as regras esportivas, técnicas e toda organização do certame.

O “Papel Branco de Gurney” e a primeira cisão da Indy

Nos anos 70, proprietários de equipes, de autódromos, além de alguns pilotos, começaram a reclamar da administração da USAC. A visão era de que, com exceção das 500 Milhas de Indianápolis, as corridas eram mal organizadas, tinham pouca promoção e visibilidade e a divisão das verbas não era boa. Além disso, os donos de times queriam espaço no Conselho da associação.

Em 1978, inspirado no trabalho que Bernie Ecclestone já fazia na F1 com os construtores através da FOCA, Dan Gurney resolveu rascunhar uma nova proposta do que deveria ser o Campeonato Americano, tanto em termos técnicos como de organização. O esquema ganhou o apelido de Papel Branco de Gurney e se tornou o embrião do que viria ser Championship Auto Racing Teams (CART).

A iniciativa não foi bem recebida pela USAC, que não quis abrir diálogo. A entidade passava por uma forte crise administrativa desde a morte de Tony Hulman, no final de 77, e um acidente de helicóptero em que 10 dirigentes do alto escalão também perderam a vida, em abril de 78.

Largada das 500 Milhas de Indianápolis de 1980, em meio às brigas políticas da Indy
Largada das 500 Milhas de Indianápolis de 1980, em meio às brigas políticas da Indy (Foto: IMS)

Logo, Gurney recebeu apoio dos principais proprietários de equipes, como Roger Penske e Pat Patrick, que passaram a pressionar por mudanças. Sem acordo, a CART resolveu organizar o seu próprio campeonato paralelo em 79. E o primeiro susto que deram na USAC foi quando resolveram boicotar a prova do Campeonato Nacional em Otario.

O contra-ataque veio com o banimento das seis equipes que lideravam o motim das 500 Milhas de Indianápolis: All-American Racers, Penske, Patrick, McLaren, Chaarral e Fletcher. Apenas esses times tinham inscrito 19 carros para a prova. A principal justificativa era de que mesmo constando na lista, as equipes poderiam fazer novo boicote, prejudicando a imagem da corrida.

Claro que a participação nas 500 Milhas era financeiramente importante para as equipes da CART. Por isso, negociações foram abertas para se tentar chegar a um acordo, porém, sem resultado. A associação das equipes entrou na justiça e conseguiu derrubar a ação da USAC em decisão no dia 3 de maio, apenas três semanas antes da corrida.

Os dois lados passaram o ano trocando processos nos tribunais, enquanto nos bastidores, propostas de uma reunificação com um Conselho com membros dos dois lados eram feitas, e rejeitadas. Na pista, os dois campeonatos seguiram paralelamente.

A CART seguiu trabalhando e angariando aos poucos novos patrocinadores e circuitos importantes para a sua causa, além de transmissões de televisão na NBC, criando um torneio cada vez mais forte.

No começo de 80, novas conversas foram conduzidas até que em abril chegou-se a um acordo para a criação do Championship Racing League (CLR), em que os dois campeonatos se uniriam, com corridas sancionadas pela USAC, e um Conselho formado por seis membros, sendo que cinco proprietários de equipes (Penske, Patrick e Jim Hall pela CART e Vollsteadt e AJ Foyt pela USAC).

Só que o presidente do Autódromo de Indianápolis, John Cooper, que sempre esteve ao lado da USAC, não gostou nada de ver os times com tanto poder e voltou a pressionar a entidade. A trégua não durou meia temporada, resultando, mais uma vez, em campeonatos separados para o restante do ano.

Só que a CART continuava a ganhar espaço enquanto que o Campeonato Nacional tinha apenas a Indy 500, que ainda via basicamente equipes do torneio corrente alinhando na prova. Nos dois anos seguintes, os patrocinadores passaram a questionar os proprietários de Indianápolis, até que o circuito resolveu de vez se render, em 83, e adotar o certame da CART definitivamente como sua casa. A USAC perdeu sua importância e passou apenas a gerenciar campeonatos menores.

A segunda cisão

Nos anos 90, uma nova briga fez com que novamente o campeonato da Indy fosse dividido. E, mais uma vez, o Autódromo de Indianápolis era protagonista da questão. Desta vez foi o presidente do circuito, Tony George, neto de Tony Hulman, que resolveu partir para o racha.

George reclamava de uma série de decisões sobre o regulamento técnico, internacionalização dos pilotos, o que fazia com que muitos americanos, sem chance na Indy, passassem a procurar a Nascar, e o aumento constante de circuitos mistos. Além disso, por sediar a principal corrida do calendário, ele acreditava que Indianápolis merecia mais voz no Conselho da categoria.

Depois de anos discutindo com os dirigentes da CART, ele resolveu, em 96, fundar a Indy Racing League (IRL). Ele criou um campeonato apenas com circuitos ovais e garantiu que os 25 melhores colocados na pontuação teriam vaga garantida nas 500 Milhas, o que deixava apenas 8 disponíveis para os possíveis inscritos da concorrente.

A resposta da CART foi criar uma corrida de 500 Milhas em Michigan no mesmo final de semana da Indy 500, o que acabou sendo um desastre de patrocínio, mídia e público.

Mesmo assim, até o final dos anos 90, o campeonato da CART continuou dominante, contando com as principais equipes, pilotos, circuitos e patrocinadores. Do outro lado, porém, a IRL, aos poucos, conseguiu ganhar seu espaço e ter um campeonato com outros circuitos importantes, principalmente a partir de 98.

A entrada do novo milênio trouxe o início da decadência da CART. Muitas equipes começaram a ficar insatisfeitas com a administração da entidade. Patrocinadores e fornecedores de motor também começaram a sair.

O marco desta nova fase foi quando a Ganassi, em 2000, resolveu participar das 500 Milhas de Indianápolis. No ano seguinte, a Penske, um dos principais times da CART, seguiu o mesmo caminho.

Ganassi voltou à Indianápolis em 2000 com vitória de Montoya e Penske, em 2001, com triunfo de Hélio Castroneves (Foto: IMS)

Em 2002, as duas equipes trocaram de campeonato de forma definitiva. Depois, foi a vez da Andretti Green. O movimento se tornou algo sem volta, com a IRL, agora com os direitos do nome IndyCar, formando uma estrutura astante consistente em termos de número de corridas, patrocinadores e cobertura de TV, enquanto a CART passou a definhar.

No começo de 2008, o campeonato da CART, que adotou o nome Champ Car, entregou os pontos. A beira da falência e sem corridas importantes, os dirigentes da categoria aceitaram fazer a fusão com a IRL.

As equipes das duas competições voltaram a andar no mesmo certame, e criaram o que é hoje a IndyCar. Não é segredo para ninguém, no entanto, que as constantes brigas desgastaram a marca. Tanto no mercado internacional, com quem chegou a rivalizar com a F1 no começo dos anos 90, quanto no interno, em que perdeu espaço para a Nascar, a Indy até hoje não conseguiu se recuperar de vez de seus rachas políticos.

Indy e Indianápolis sob a batuta de Penske

[Atualizado 11/01/2021] Em 2019, com a família Hulman querendo sair do negócio do automobilismo, o autódromo de Indianápolis e a IndyCar, empresa que organiza a Indy, foram colocados a venda. De olho no negócio e até com receio dele cair em mãos de proprietários não tão alinhados com as equipes e outros envolvidos, Roger Penske formou um consórcio para comprar os dois.

O empresário de 82 anos liderou a união de diversos empresários e passou a controlar Indianápolis e a Indy, com apoio de toda comunidade em torno da categoria. Desta forma, um dono de equipe passou a controlar as duas companhias que sempre tiveram tanta influência nos rachas do campeonato.

A transação foi completada em janeiro de 2020 e segundo estimativas da emissora americana Fox Business, custou alto em torno de U$ 300 milhões. Penske agora promete abrir uma nova fase tanto para o autódromo, que espera atrair mais eventos nacionais (com uma renovação principalmente da etapa da Nascar) quanto internacionais, e para a Indy como um todo, aproveitando o momento em que a categoria voltou a crescer nos últimos anos.

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