(Foto: RickDikeman / WikiCommons)

Gonzalo Rodríguez e Greg Moore: o trágico ano da CART em 1999

O automobilismo enfrentou um momento bastante duro nos Estados Unidos no ano de 1999. Gonzalo Rodríguez e Greg Moore, dois pilotos talentosos e promissores, sofreram acidentes fatais pela CART em pistas na Califórnia, o que deixou a comunidade em choque e provocou mudanças imediatas de segurança.

O uruguaio Rodríguez, que competia pela Penske, tinha 27 anos e faleceu em uma batida com dinâmica incomum no circuito de Laguna Seca, no mês de setembro. No mês seguinte, Moore, canadense de 24 anos e que guiava pela equipe Forsythe, foi vítima de um brutal impacto no oval de Fontana.

Mas, para entender o contexto em que isso aconteceu, voltemos alguns anos no tempo. O automobilismo de fórmulas nos Estados Unidos havia passado por uma grande divisão na segunda metade da década de 1990. A tradicional IndyCar se dividiu em duas categorias: a IRL, que corria exclusivamente em ovais e que tinha em seu calendário as 500 Milhas de Indianápolis, e a CART, que chegou a ser chamada nas transmissões de TV no Brasil de “Fórmula Mundial”. É esta segunda categoria que teve os dois acidentes fatais.  

CART de olho em manter momento forte

A CART ainda tentava se apegar a um forte momento, com a participação das principais equipes do automobilismo americano (como Penske, Chip Ganassi, Newman-Haas, Patrick e Forsythe, por exemplo), além da presença de fabricantes diferentes de motores (Mercedes, Ford, Honda e Toyota) e chassis.

Porém, a categoria ainda tinha alguns pontos que exigiam cuidado: o aumento desenfreado nas velocidades provocava um desafio intenso na parte da segurança. Considerando apenas a CART depois da divisão, isso ficou evidenciado na morte do piloto Jeff Krosnoff e de um fiscal de pista, na etapa de Toronto, em 1996, ou no acidente de Adrián Fernandez nas 500 Milhas de Michigan, em 1998, quando uma roda de seu carro voou em direção às arquibancadas e matou três torcedores.

De qualquer forma, a CART já havia apresentado evolução na segurança de suas corridas em comparação às décadas anteriores. Isso se dava, sobretudo no aumento da proteção às pernas dos pilotos em caso de batidas no muro, ou na prevenção de concussões cerebrais nos impactos.

Gonzalo Rodríguez – Laguna Seca (11 de setembro de 1999)

A temporada de 1999 se desenrolava de maneira tranquila no quesito segurança, mas tudo mudou na etapa de Laguna Seca, em setembro, com o acidente fatal de Gonzalo Rodríguez. “Gonchi”, como era conhecido, competia regularmente na F3000, na época equivalente à atual F2, onde ocupava a vice-liderança no campeonato. Porém, na reta final daquele ano, o uruguaio também se comprometeu com a equipe Penske na CART, e em Laguna Seca o piloto faria sua segunda corrida nos Estados Unidos. 

Rodríguez era o vice-líder da F3000 no dia de seu acidente fatal (Foto: gonzalorodriguez.org)

Nos treinos livres na manhã de sábado, Rodríguez se aproximava da famosa curva do Saca-Rolha quando passou reto e bateu de frente na barreira de proteção. Porém, após o impacto, seu carro decolou a uma altura de nove metros, atravessou a placa publicitária e aterrissou de cabeça para baixo do outro lado. Mesmo que o carro tenha sofrido pouquíssimo dano e o piloto não tenha ficado com um único arranhão, “Gonchi” faleceu instantaneamente. 

Segundo explicou o médico da CART, Steve Olvey, no documentário “Rapid Response”, a natureza do acidente provocou um grande efeito chicote na cabeça e pescoço de Rodríguez, o que resultou em uma fratura da base craniana e uma grave lesão no troco cerebral, o que matou o piloto na hora.

Quanto às causas do acidente, chegou a se especular que o acelerador de Rodríguez travou, já que ele tinha sofrido com isso nos treinos anteriores, ou que houve uma falha nos freios, mas nenhuma explicação foi dada oficialmente. Devido à tragédia, a Penske se retirou do evento, mas a corrida foi realizada conforme o programado.

A morte de Rodríguez acelerou o desenvolvimento do HANS, dispositivo acoplado ao capacete e preso ao cinto de segurança que reduz significativamente o efeito chicote em casos de acidentes. O HANS foi adotado oficialmente pela CART, e posteriormente passou a ser usado também pela F1 e por todas as principais categorias de automobilismo do mundo.  

Greg Moore – Fontana (31 de outubro de 1999)

Apenas três corridas mais tarde, uma nova fatalidade ocorreria na CART. Na etapa final do campeonato, disputada no superspeedway de Fontana no Dia das Bruxas, uma batida brutal vitimou o jovem canadense Greg Moore.

Na verdade, os problemas para Moore começaram um pouco antes. O piloto sofreu um acidente enquanto andava com sua scooter nas dependências do circuito, o que resultou em uma fratura no quarto metacarpo de sua mão direita. A equipe pela qual ele competia, a Forsythe, chegou a colocar o veterano Roberto Moreno de sobreaviso para entrar como substituto, mas não foi necessário: Moore utilizou uma tala que imobilizava sua mão e o permitia guiar somente com o polegar e o indicador, evitando a sobrecarga no dedo fraturado.

A limitação maior seria na troca de marchas durante os pitstops, já que os carros da CART ainda contavam com alavanca de câmbio. Contudo, isso não seria grande problema: Moore foi aprovado pelos médicos da CART e foi liberado para correr. Como ele não havia participado da classificação, o canadense iniciaria a prova da 27ª e última posição.

Naquela época, as corridas realizadas em ovais superspeedways contavam com um recurso adicional nos carros: o “Hanford device”, que era como se fosse uma asa extra acoplada ao aerofólio traseiro. O objetivo principal era reduzir a velocidade de uma forma geral, tanto com a redução da pressão aerodinâmica como com o maior arrasto nas retas, o que também facilitava o uso do vácuo para ultrapassagens. Um efeito colateral, em contrapartida, era que a asa extra provocava maior perturbação do ar, o que gerava maior turbulência – algo especialmente traiçoeiro em condição de corrida e em velocidades tão altas. 

Durante a corrida, o primeiro susto. Na quarta volta, Richie Hearn escapou de traseira na saída da Curva 2, foi desgovernado rumo ao muro interno e bateu com força. O piloto nada sofreu, mas ressaltou que perdeu o controle daquela maneira “por conta da turbulência provocada pelos carros que vinham à sua frente”.

Quando o carro foi removido e a bandeira verde foi novamente dada, na décima volta, Moore já havia subido para 15º e tentava ultrapassar mais quatro carros na linha externa. Porém, foi quando sofreu uma escapada de pista parecida com a de Hearn, exatamente no mesmo local. Ocorre que Moore estava mais rápido e pegou um desnível na parte da grama, o que fez com que seu carro decolasse e batesse no muro em um ângulo incomum. O Forsythe #99 ainda capotou várias vezes, e na hora já dava para perceber que a situação era extremamente grave.

O canadense chegou a ser transportado ao hospital de Loma Linda com severas lesões internas e na cabeça, mas foi declarado morto às 13h21 pelo horário local, com a corrida ainda em andamento. As ações na pista não foram interrompidas: a organização de prova apenas colocou as bandeiras do circuito a meio mastro e cancelou as celebrações após a bandeirada, no evento em que Juan Pablo Montoya obteve a virada sobre Dario Franchitti para se sagrar campeão.

A análise do acidente de Moore

De acordo com a CART, o ângulo do impacto com o muro foi um grande fator agravante para o desfecho trágico, já que toda a carga de energia foi transferida para a cabeça e o corpo de Moore, resultando em uma desaceleração de 154 G. No entanto, a lesão na mão que Moore enfrentava não foi considerada um fator determinante para o acidente, já que pouco antes o piloto relatava pelo rádio que não sentia incômodo algum.

O acidente que matou Greg Moore (as imagens são fortes)

A mudança mais imediata como consequência da morte de Moore foi que Fontana teve a parte interna da pista asfaltada em 2000, para evitar que os carros decolassem em caso de uma escapada semelhante. 

Este foi apenas um breve resumo de um período triste para a CART, o que resultou na perda de dois talentos promissores. Rodríguez tinha fechado para competir pela equipe Patrick na temporada de 2000, enquanto que Moore já havia assinado com a Penske para correr ao lado de Gil de Ferran – a vaga que seria sua foi parar nas mãos de Hélio Castroneves. 

O desafio pela segurança continuou dando as caras no automobilismo de fórmulas nos Estados Unidos, o que foi visto sobretudo no grave acidente de Alessandro Zanardi, nas mortes de Tony Renna e Paul Dana, na IRL, e nas fatalidades envolvendo Dan Wheldon e Justin Wilson, já na Indy reunificada. De qualquer maneira, a categoria continuou progredindo intensamente neste quesito, tudo para proteger a vida de todos os competidores e honrar o legado de nomes como Rodríguez e Moore.

Confira mais detalhes em nosso vídeo especial:

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