Henry Surtees e o acidente que mudou os carros de fórmula
Por muitas vezes, o automobilismo tira de seus acidentes lições importantes para melhorias a serem aplicadas no futuro. As categorias estudam minuciosamente os fatores que resultaram em tal cenário, e implementam mudanças para evitar que isso se repita. Um dos casos mais notórios em que isso aconteceu foi no acidente fatal de Henry Surtees, na antiga F2, em 2009.
O inglês, de 18 anos, perdeu a vida graças a uma circunstância bastante infeliz, mas isso foi o ponto de partida para os estudos que mudaram para sempre o visual dos carros de fórmula. O episódio de Surtees resultou em mudanças irreversíveis para os monopostos.
Antes de tudo, é importante contextualizar que aquela F2 de 2009 era diferente da F2 que existe atualmente. A F2 que conhecemos hoje, na época, era a GP2, que já desempenhava o papel de principal categoria de base da F1. Essa outra F2 tinha uma proposta diferente.
Em época em que a FIA tinha como principal bandeira a redução dos custos, a ideia era criar uma categoria de base que fosse mais acessível financeiramente. Todos os carros eram idênticos – projetados e fabricados pelo departamento de engenharia da Williams, e usando um motor turbo 1.8 litro, construído pela Audi, e que poderia chegar a aproximadamente 400 cv.
2009 foi a primeira temporada desta nova versão da F2, e, entre os 25 participantes do grid, estava Henry Surtees, inglês de 18 anos de idade. O nome que soa familiar não é coincidência: Henry era filho de John Surtees, campeão da F1 em 1964, e tetracampeão mundial de motovelocidade nas 500cc.
Nas primeiras três rodadas duplas do ano, Surtees conquistou uma pole position em Brno, mas não teve resultados de destaque nas corridas. A quarta rodada aconteceria na clássica pista de Brands Hatch, um dos palcos históricos da F1. E as coisas começaram bem para Surtees, com um terceiro lugar na bateria de sábado, o seu primeiro pódio naquele ano.
O acidente de Surtees
No domingo, dia 18 de julho de 2009, foi realizada a oitava bateria do ano. Surtees partiu da sétima posição, mas caiu para o fundo do pelotão quando rodou no começo da prova. Ainda na nona volta, Jack Clarke, que vinha na nona posição, escapou da pista na curva Westfield e bateu.
Como o impacto foi de traseira na barreira de pneus, o carro de Clarke perdeu todo o aerofólio, e a roda traseira esquerda foi arremessada em direção à pista. Vários carros que vinham atrás conseguiram passar pelo local sem problemas, com exceção de Surtees.
O inglês, que estava a pouco mais de 160 km/h, foi atingido em cheio no capacete pela roda de Clarke, e deu para perceber na hora que ele havia perdido a consciência. Surtees passou reto em direção à barreira de proteção, e, depois de bater, continuou acelerando, o que mostrava que o piloto estava desacordado, com o pé ainda apoiado no pedal. Diante da gravidade da situação, a prova foi interrompida em bandeira vermelha.
Surtees foi estabilizado pela equipe médica do circuito, antes de ser transportado de helicóptero a um hospital em Londres, a cerca de 40 km de distância de Brands Hatch. Ele chegou a ser internado na UTI, mas horas mais tarde foi declarado o seu falecimento devido às severas lesões cerebrais provocadas pelo impacto da roda.
O organizador da F2, o ex-F1 Jonathan Palmer, desabafou que a notícia foi “o pior momento que teve em 35 anos de envolvimento com o automobilismo”. Porém, reforçou que sua prioridade dali em diante seria aproveitar a ocasião como um aprendizado para aumentar a segurança dos carros.
Vale lembrar que Palmer também tinha seu filho, o futuro piloto da F1 Jolyon Palmer, competindo na F2. O jovem Palmer, inclusive, estava logo à frente de Surtees no momento do acidente, e escapou por pouco da roda de Clarke.
Estudos e mudanças nos carros de fórmula
Os carros da F2 seguiam padrões de segurança da F1 de quatro anos antes, de 2005. Entre as soluções aplicadas estavam os cabos de reforço entre o chassi e as rodas, o que evitavam que os pneus se soltassem com tanta facilidade em termos de batidas.
Outro recurso era a proteção lateral alta no cockpit, o que, em tese, deixava o capacete ainda mais protegido. Mesmo com estes recursos, a tragédia de Surtees expôs a maior vulnerabilidade dos carros fórmula: a proteção ao capacete em impactos frontais, sobretudo causados por objetos externos.
Isso porque, apenas seis dias depois da morte do inglês, houve na F1 o acidente de Felipe Massa na Hungria, quando o brasileiro foi atingido por uma mola no capacete, em história que já detalhamos por aqui. Ou seja, a partir deste momento, o automobilismo passaria a estudar seriamente uma maneira viável e tecnicamente segura de proteger a cabeça do piloto de qualquer impacto frontal. Isso mudaria de forma significativa o perfil de um carro de fórmula.
Na verdade, a ideia de deixar o cockpit “mais fechado” não era algo totalmente novo. Houve experimentos nesse sentido sendo realizados na própria F1 que vinham desde os anos 50. No entanto, todas as soluções testadas eram de olho em melhorar o desempenho do carro, e não em segurança. Então, desta vez, era um desafio diferente.
Em 2011, a FIA deu início a um intenso trabalho de pesquisa e desenvolvimento sobre como ela poderia aumentar a proteção frontal. Várias propostas diferentes foram consideradas: desde barras de proteção que passavam à frente dos capacetes até o fechamento total do cockpit. Até houve uma solução brasileira que foi apresentada diretamente a Charlie Whiting, o diretor de provas da F1.
Algumas ideias foram experimentadas na pista, mas ainda havia limitações de segurança e de visibilidade para os pilotos. Depois de muitas considerações e testes de impacto, a ideia escolhida para a F1 foi o halo, introduzida oficialmente a partir da temporada de 2018.
Inclusive, durante a apresentação da novidade, a FIA fez questão de ressaltar que o acidente de Surtees em 2009 foi um dos principais motivadores para o desenvolvimento do halo. Em seus estudos de simulação, a entidade concluiu que a peça teria um efeito positivo em Surtees caso estivesse implementada na F2 em 2009.
Inicialmente, o halo causou grande estranheza com o público, já que foi uma ruptura drástica ao componente visual dos carros de fórmula. Porém, com o passar do tempo, ela se mostrou crucial para proteger os pilotos em diversas situações de perigo. Com alternativa adotada em boa parte das categorias de monopostos, hoje se tornou inimaginável ver um carro deste tipo sem alguma solução aplicada para aumentar a proteção frontal.
E o halo foi um dos legados indiretos deixados por Henry Surtees. Nos anos seguintes à sua morte, a sua família criou a Henry Surtees Foundation, destinada a auxiliar pessoas com lesões cerebrais e físicas causadas por acidentes no esporte ou nas ruas.
E, até hoje, há o troféu Henry Surtees dado pelo BRDC, o clube de pilotos de corridas britânicos, dado para os jovens talentos que se destacam. É uma maneira de enaltecer a memória de Henry Surtees, figura que teve, mesmo sem querer, uma importância fundamental para a mudança dos rumos do automobilismo.
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