Nika Lauda participa de demosntração de carros antigos da F1 em 2014 com sua Ferrari de 1976
(Foto: Studio Colombo/Ferrari)

Lauda e o acidente na F1 em Nurburgring que mudou sua vida

Niki Lauda é amplamente conhecido pelo público dentro e fora da F1 como uma das figuras mais notáveis que já passaram pela categoria. O austríaco, famoso por seu perfil meticuloso e perfeccionista, fez história tanto dentro da pista como fora dela, com títulos como piloto e também como dirigente.

E uma das características mais reconhecidas de Lauda foi a sua superação. No GP da Alemanha de 1976, o campeão mundial sofreu um acidente gravíssimo no “Inferno Verde” de Nurburgring, o que colocou a sua saúde em sério risco, mas foi o ponto de partida para uma das maiores voltas por cima que a F1 já viu – tanto que isso foi até parar no cinema.

Naquele momento, Niki Lauda era a principal estrela da F1. Campeão mundial em 75, ele havia acabado de encerrar um jejum de títulos da Ferrari que durava 11 anos. O seu estilo era conhecido por sua habilidade para acertar carros, frieza para tomar decisões, e uma pilotagem que esbanjava técnica.

E, em 76, ele tinha como principal rival o inglês James Hunt, que, pela primeira vez, competia em uma equipe de ponta na F1. Ele entrou na McLaren na vaga deixada em aberto por Emerson Fittipaldi, campeão pela equipe em 74, mas que resolveu apostar no projeto de uma escuderia brasileira com seu irmão, Wilsinho, na Copersucar Fittipaldi.

Mas, apesar da velocidade de Hunt, tudo indicava que seria um ano tranquilo para Lauda. Nas primeiras nove das 16 etapas da temporada, o austríaco da Ferrari venceu cinco corridas e subiu no pódio em outras três. Assim, ele somava 61 pontos, mais do que o dobro do segundo colocado naquele campeonato, Jody Scheckter, e também com boa margem para Hunt, o terceiro.

Só que a décima etapa marcaria uma reviravolta na história do campeonato e na própria vida de Lauda. O GP da Alemanha seria realizado ainda na versão original de Nurburgring, um dos circuitos mais desafiadores e perigosos da história da F1.

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O contexto do GP da Alemanha de 1976

Os 22 km de curvas sinuosas renderam a Nurburgring o apelido de “Inferno Verde”, o que também desafiava a organização e a segurança. Era praticamente impossível cobrir, de forma plena, todos os metros do circuito com fiscais. E, por conta disso, um socorro médico poderia demorar vários minutos até chegar ao local de um acidente.

Para piorar, a pista também era bastante ondulada, o que fazia os carros decolarem em alguns trechos, além de ser estreita e quase sem nenhuma área de escape, com guard-rails bastante próximos. Só para se ter uma ideia, só no ano de 76, Nurburgring presenciou três tragédias, sendo que duas aconteceram poucas semanas antes do GP de F1.

Todo este cenário chegou a fazer com que Lauda incitasse um movimento de boicote à prova – protestando contra a pouca segurança e a estrutura da pista, na falta de médicos, helicópteros de resgate e equipamentos. O tema chegou a ser debatido antes do GP, mas os pilotos decidiram seguir com a programação da corrida por uma margem de apenas um voto.

Assim, no dia 1º de agosto, os carros disputariam pelas curvas de Nordschleife, mas a corrida começou com um atraso de meia hora por conta da chuva. Na pole estava James Hunt, com Lauda completando a primeira fila.

O acidente de Lauda

Quando foi dada a largada, a maioria dos pilotos começou a prova ainda com pneus para pista molhada, mas, logo depois, a situação já era diferente. Ao fim do primeiro giro, e lembrando que cada volta por lá levava cerca de sete minutos, vários pilotos já pararam no box para colocar pneus de seco.

Um deles foi Lauda, que voltou para a pista atrás de vários carros mais lentos. Mas, ainda na segunda volta, quando se aproximava da curva Bergwerk, o seu carro sofreu uma falha na suspensão, balançou para a esquerda e escapou de vez para o lado direito da pista, batendo a cerca de 200 km/h.

O impacto fez com que o capacete saísse da cabeça de Lauda e caísse em seu colo no cockpit. A batida rompeu o tanque de combustível da Ferrari, o que provocou um grande incêndio, sendo que o carro ainda foi arremessado de volta para a pista.

Dois pilotos que vinham logo atrás, Brett Lunger e Harald Ertl, não conseguiram desviar e bateram nos destroços da Ferrari. Lauda ficou por quase 1 minuto dentro do cockpit em chamas. E, como ele ficado sem capacete na batida, o seu rosto ficou totalmente exposto ao incêndio. Ertl pegou um extintor de incêndio de um fiscal, mas não teve sucesso em sua tentativa de apagar as chamas.

Mas uma das figuras mais importantes na história foi o piloto Arturo Merzario, que chegou a entrar no meio do fogo para soltar o cinto de Lauda, mas tinha dificuldades com o piloto se debatendo.

Quando o austríaco perdeu a consciência por conta da inalação de fumaça, seu corpo relaxou, e Merzario então conseguiu não só abrir o cinto de Lauda, como também o puxou sozinho para fora do carro – sendo que nem ele mesmo, com seu porte físico franzino, sabe como conseguiu fazer aquilo.

Nisto, outros pilotos estacionaram seus carros junto ao acidente, já que a pista ficou bloqueada e ninguém conseguia passar. John Watson e Emerson Fittipaldi ficaram juntos de Lauda à beira da pista, enquanto o socorro médico não chegava, e Merzario chegou a fazer massagem cardíaca e respiração boca a boca no piloto, pensando na oxigenação de seu cérebro.

Niki Lauda faz demonstração em 2014 com a Ferrari 312T de 1976
Niki Lauda faz demonstração em 2014 com a Ferrari 312T de 1976 (Foto: Studio Colombo/Ferrari)

Atendimento e recuperação

Quando os médicos finalmente chegaram, Lauda foi levado ao Hospital Militar de Koblenz, mas, teve de ser transportado a uma outra clínica para ter um melhor tratamento.

Lauda havia sofrido severas queimaduras no rosto e nos pulmões por conta da inalação da fumaça quente. Além disso, também respirou toxinas resultantes da queima de materiais da construção do carro, então, por isso, o seu quadro clínico era bastante delicado.

Para se ter uma ideia, Lauda chegou a receber uma extrema-unção de um padre. Em seu tratamento, ele precisava que seus pulmões fossem constantemente drenados do líquido inflamatório através de um tubo, em um procedimento bastante doloroso.

Além disso, seu rosto ficou desfigurado, com queimaduras por toda a cabeça. Ele perdeu parte da orelha e teve suas pálpebras lesionadas, o que até dificultava o fechar dos olhos para dormir.

Mas, com o tempo, o cenário foi melhorando. Seus pulmões iam se recuperando, o que fez com que a taxa de oxigenação de seu sangue voltasse a progredir quatro dias depois do acidente, sendo que o piloto também passou por duas transfusões. Aos poucos, Lauda começou a fazer fisioterapia, e enfim foi liberado do hospital, passando a fazer exercícios físicos.

O incrível retorno de Lauda às pistas

De forma quase inacreditável e sob questionamentos de todos os lados, Lauda colocou na cabeça que queria retornar para correr já no GP da Itália, que aconteceria apenas 43 dias depois de seu acidente.

A princípio, nem mesmo a Ferrari acreditava em seu retorno tão rápido. Prova disto é o fato de que Enzo Ferrari mandou a equipe fechar contrato com Carlos Reutemann apenas algumas horas depois do desastre em Nurburgring, tendo tentado antes atrair Emerson Fittipaldi.

Lauda convenceu a equipe de lhe permitir realizar um teste na pista de Fiorano, alguns dias antes da corrida em Monza. Um capacete especial foi produzido por conta da dificuldade do piloto tirar e colocar o aparato com tantas queimaduras no rosto ainda cicatrizando. Além disso, ele perdeu 10 quilos, o que deixou o macacão bastante largo.

Segundo Daniele Audetto, um dos principais dirigentes da Ferrari na época e que estava presente no teste, Lauda deu algumas voltas bastante lentas, mas ganhou ritmo aos poucos. No final, ele completou 60 voltas, o que afastaria qualquer dúvida de sua condição física, e ainda chegou a ficar próximo do recorde da pista.

Assim, ele convenceu a esquipe de que poderia retornar para a etapa da Itália, o que faria com que sua ausência por conta do acidente de Nurburgring durasse apenas duas corridas.

Em Monza, em seu retorno triunfal, Lauda surpreendeu a todos ao ser o piloto mais rápido da Ferrari na classificação, à frente de Clay Regazzoni e de seu “substituto” Carlos Reutemann. Na corrida, recebeu a bandeirada em quarto, o que o fez ser tratado pela torcida italiana como um herói.

A luta final pelo título entre Lauda e Hunt

O resultado de Monza ainda mantinha Lauda na ponta do campeonato, mas James Hunt, que despontava como seu maior concorrente na luta pelo título, teve uma sequência de vitórias no Canadá e nos Estados Unidos que o colocaram como força no páreo.

Na etapa decisiva, no Japão, debaixo de uma forte chuva, Lauda desistiu na segunda volta por conta das condições inseguras. A Ferrari ofereceu ao austríaco a opção de declarar à imprensa que seu carro tinha sofrido um problema técnico, mas o piloto preferiu dizer a verdade. Hunt terminou em terceiro, resultado suficiente para lhe dar o título mundial por um ponto.

Toda essa história acabou indo parar nas telas de cinema, com o filme “Rush”, que popularizou a rivalidade entre Lauda e Hunt, e fez com que as duas figuras se tornassem ainda mais notórias até para um público que nem acompanha F1 tão de perto.

Lauda sacramentaria a sua grandeza com mais dois títulos, com o bi em 77 e o tri em 84. Porém, ele ainda passou um longo tempo lutando contra as consequências de seu acidente, com diversas cirurgias plásticas no rosto, inclusive uma com o médico brasileiro Ivo Pitanguy.

Em 2019, tendo já passado por dois transplantes no rim e um nos pulmões, Lauda faleceu aos 70 anos de idade, e foi enterrado vestindo o macacão da Ferrari que ostentou de 74 a 77.

Já o velho circuito de Nurburgring nunca mais foi usado pela F1, que só retornou ao local oito anos depois, em uma versão da pista mais adequada aos padrões de segurança mais modernos, com 4,5 km de extensão.

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