Carlos Reutemann: o último grande ídolo argentino na F1
A Argentina foi uma das grandes protagonistas no início do Campeonato Mundial de pilotos da F1, nos anos 50. Juan Manuel Fangio se notabilizou como o primeiro grande dominador da categoria com cinco títulos entre 1951 e 57. Junto dele, também correu José Froilán González, responsável pela primeira vitória da história da Ferrari. Mas na idade moderna, apenas mais um piloto se destacou: Carlos Reutemann.
O último grande ídolo internacional do país (que segue com um automobilismo interno muito forte, mas deixou de exportar seus grandes nomes), morreu em 7 de julho de 2021, aos 79 anos, após meses de internações e variações do estado de sua saúde. Reutemann sofreu complicações de um câncer no fígado e não resistiu. Seu falecimento foi confirmado pela filha, Cora Reutemann, pelas redes sociais.
Nascido em 12 de abril de 1942 na província de Santa Fé, Reutemann chegou à F1 em 1972 e competiu com sucesso por 10 anos, conquistando um total de 12 vitórias, seis pole positions e um vice-campeonato mundial, por apenas um ponto, em que ficou atrás de Nelson Piquet, em 81. Ele pilotou quase que por toda sua carreira em equipes grandes e tradicionais como Brabham, Ferrari, Lotus e Williams.
Reconhecido por ser um homem muito educado, o argentino era uma pessoa introspectiva em uma época em que os pilotos da F1 ainda eram vistos como grandes playboys. Inteligente e bastante talentoso, ele também manteve relacionamentos complicados pelos times onde passou, com certa dificuldade de entrosamento, e apesar de sempre ser considerado um potencial campeão, algo sempre lhe faltava a cada temporada que passava.
O início da carreira de Reutemann se deu nas competições offroad em seu país, de Fiat, em 1965. Ele rapidamente passou para os autódromos e se destacou em competições de turismo e na F2 argentina. Em 1970, ele se mudou para a Europa e passou a correr na F2 em um Brabham da equipe formada pelo Automóvel Clube da Argentina, que tentava promover novos talentos.
Em sua seguinda temporada no Velho Continente, ele terminou o campeonato da F2 em segundo, atrás de Ronnie Peterson, outra futura estrela da F1. Com tal desempenho, ele chamou a atenção de Bernie Ecclestone, que tinha comprado a Brabham, e o contratou para estrear na F1.
Primeiro vencedor do GP do Brasil e carreira de altos e baixos na F1
Reutemann estreou no Mundial em 72 e apesar de ter marcado apenas três pontos durante o campeonato, teve dois momentos de destaque na categoria. O primeiro aconteceu em casa, quando conquistou a pole position para o GP da Argentina. Apesar de terminar a prova apenas em sétimo, mostrou talento em sua primeira participação na F1.
Algumas semanas depois, ele conquistou uma vitória que não entra nas estatísticas oficiais, porém, tem um peso considerável não só em sua carreira, mas também para o automobilismo brasileiro. Em 30 de março, como forma de realizar um evento teste para entrar no calendário do Mundial, Interlagos sediou o primeiro GP do Brasil de F1 da história, em prova não válida pelo campeonato.
A corrida não contou com boa parte dos principais pilotos do grid da época, porém, tinha na pista diversos brasileiros que conheciam bem o circuito paulistano, como o campeão daquela temporada, Emerson Fittipaldi, com sua Lotus. Reutemann largou na segunda posição e acabou causando uma decepção considerável para o público local, que esperava o triunfo de algum dos pilotos locais, ao levar a honra da inauguração do lugar mais alto do pódio em São Paulo.
Em 73, ele conquistou três pódios e, em 74, teve sua primeira temporada mais forte na F1, com três vitórias e quatro resultados entre os três primeiros. Mas a falta de um carro mais competitivo pesou para conseguir uma constância de resultados melhor diante de McLaren, Ferrari, Lotus e Tyrrell e conseguir brigar além de um sexto lugar no campeonato.
No ano seguinte, apesar de conquistar apenas uma vitória, Lole, como era conhecido, conseguiu conduzir a Brabham a um campeonato mais sólido, com seis pódios, e terminou em terceiro na classificação geral, atrás de Lauda, da Ferrari, e Fittipaldi, da McLaren.
Em 1976, a Brabham fazia um campeonato bastante fraco e Reutemann teve 10 abandonos nas primeiras 12 provas (duas por acidentes e oito por falhas mecânicas). Nas duas provas em que completou, o argentino terminou em quarto no GP da Espanha e 11º na França. Frustrado, ele negociou com Ecclestone para que pudesse deixar o time para substituir Lauda na Ferrari na fase final da temporada.
O austríaco tinha sofrido um grave acidente no GP da Alemanha, retratado no filme Rush. Sua recuperação, no entanto, foi mais rápida que o esperado e ele conseguiu retornar ao cockpit apenas com 40 dias de tratamento de suas queimaduras. Sendo assim, a Ferrari alinhou um terceiro carro para Reutemann em Monza, mas ele não participou do restante do campeonato, esperando pela oportunidade como titular no ano seguinte.
Amplamente superado por Lauda em 77, Reutemann se tornou, no entanto, o líder da Ferrari em 78, após o austríaco deixar a equipe. Só que naquele ano, o campeonato foi totalmente dominado pela Lotus, com seu revolucionário modelo 79. O argentino ainda conquistou quatro triunfos, o bastante para garantir o terceiro lugar no campeonato.
No ano seguinte, ele aceitou o convite para trocar a Ferrari pela Lotus para assumir a vaga deixada por Peterson, que sofreu um acidente fatal no ano anterior. Só que a equipe inglesa não acertou no carro e Reutemann ficou fora da briga pelo título, vendo sua antiga escuderia, Ferrari, levar o caneco com Jody Scheckter, com o companheiro, Gilles Villeneuve como vice.
Descontente, Reutemann mais uma vez mudou de equipe em 80 e foi para a Williams, que estava em ascensão. No acerto, no entanto, ele aceitou colocar no contrato que seria segundo piloto e teria como prioridade ajudar o companheiro, Alan Jones, a conquistar o título. Ele terminou na terceira posição do campeonato enquanto Jones realmente foi campeão.
No mesmo ano, ele surpreendeu muita gente ao subir no pódio do Rali da Argentina, em etapa válida pelo WRC (Mundial de Rali), com um Fiat 131 Abarth, na terceira posição.
A grande polêmica de Reutemann na Williams e a perda do título
A temporada de 1981 acabou ficando marcada como a grande chance que Reutemann teve de conquistar o título mundial. A conquista, no entanto, acabou escorregando entre seus dedos, principalmente por conta de uma batalha interna na Williams.
A equipe inglesa mais uma vez tinha o melhor carro do grid. E para não dar chance ao azar, Frank Williams queria todo o time trabalhando mais uma vez para Jones e não deixar seus pilotos dividindo pontos.
Na segunda etapa, em Jacarepaguá, Reutemann liderava à frente do companheiro quando recebeu a ordem da equipe para abrir passagem ao inglês com uma sinalização “Jones-Reut”, mostrando como deveria ficar a ordem de chegada. Só que o argentino resolveu ignorar a placa e seguiu em frente para conquistar a vitória. O caso abriu uma guerra interna no time. “Sempre corri para vencer. Se for para entregar uma vitória, prefiro largar o carro na grama e ir para minha fazenda na Argentina”, bradou o hermano. “Sua atitude mostrou que não posso mais confiar nele”, reclamou de volta Jones.
Na prova seguinte, na Argentina, torcedores foram ao autódromo de Buenos Aires com placas “Reut-Jones”, na ordem contrária a que a Williams mostrou no Brasil.
Só que a briga interna fez justamente o que Williams temia. Enquanto seus pilotos se digladiavam na pista (e fora), Nelson Piquet, com total atenção da Brabham, cresceu na tabela de classificação. Reutemann chegou à etapa final, em Las Vegas, um ponto à frente do brasileiro, enquanto Jones já estava fora da briga.
Reutemann marcou a pole position logo na classificação de quinta-feira (a corrida ocorreu num sábado) e parecia imbatível no circuito improvisado dentro do estacionamento do Caesar’s Palace. Um acidente bobo na sexta, contudo, fez o time trocar o chassi de Lole. Com o novo monoposto, seja por problemas na caixa de câmbio do carro ou por que velhos fantasmas passaram a assombrar o argentino, o fato é que seu rendimento caiu muito na corrida.
No final, ele terminou apenas em oitavo e perdeu o título para Piquet, que ficou em quinto, por um ponto. O vencedor da prova? Jones. Depois da bandeira quadriculada, Reutemann tentou fazer as pazes com o companheiro, que já tinha anunciado a aposentadoria. “Que tal enterrarmos o passado, Alan?”, disse na frente de diversas testemunhas. “Enterrar o passado? Só se for no seu rabo, camarada”, recebeu como resposta.
Essa história é contada em mais detalhes em outro artigo aqui do Projeto Motor.
Aposentadoria de Reutemann e empreitada política
Reutemann até iniciou a temporada de 82 pela Williams, mas sentiu que não poderia seguir com seu relacionamento com a equipe inglesa quando Argentina e Reino Unido abriram a Guerra das Malvinas. Ele então deixou a categoria no ano em que a Williams levaria mais um título, com Keke Rosberg.
O argentino voltaria a fazer sucesso com nova participação no WRC em 1985 em etapa do rali de seu país, terminando novamente em terceiro, agora pela Peugeot.
Sua popularidade era tanta em que em 1991, ele se elegeu governador de sua província natal, Santa Fé. Depois, ele foi eleito para mais um mandato entre 1999 e 2001, e chegou a ser considerado um presidenciável na abertura do século, mas declinou a possibilidade. Em 2003, ele conquistou uma vaga no senado argentino, cargo que ocupava até sua morte após quatro reeleições.
Nenhum argentino voltou a vencer uma corrida ou sequer marcar pontos na F1 desde a despedida de Reutemann.
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