Em tempos que um público jovem está se apaixonando pela F1 muito por conta de produções recentes que mostram os bastidores da categoria, como Drive to Survive da Netflix e pelo aumento das postagens nas redes sociais, o novo livro de Reginaldo Leme, “Muito Além do Grid”, lançado em dezembro de 2024, se torna um produto essencial para o fã do campeonato.

Leme é praticamente sinônimo de cobertura da F1 no Brasil. E se as novas gerações acostumadas a vê-lo basicamente como um comentarista que dá seus pitacos do estúdio, é importante saber que ele é sem dúvida nenhuma o repórter mais importante da cobertura da F1 no país.

Suas jornadas in loco começaram em 1972, ano do primeiro título brasileiro com Emerson Fittipaldi. Isso mostra muito a importância que ele ganhou através de seu trabalho pelo jornal Estado de S. Paulo e mais tarde pela Globo no período de glórias do automobilismo nacional na F1.

Durante décadas, ele foi responsável não só pelos comentários nas transmissões de TV e colunas de jornal, mas também pelas entrevistas e grandes reportagens, em um tempo em que as vitórias de Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna tomavam espaço de destaque na imprensa nacional até mesmo em cima do futebol.

Em 1992, Leme ainda criou o Anuário AutoMotor, uma publicação sobre cada temporada da F1 e do automobilismo em geral de alta qualidade mesmo em comparação com seus pares de outros países. O nível de excelência das imagens, texto e dados transformou a publicação em item de coleção para os fãs brasileiros.

Importante ressaltar, porém, que se a F1 é o lado mais importante e chamativo da carreira de Leme, seu currículo é bem mais vasto no jornalismo. Ele abraçou coberturas internacionais de vários esportes, foi a três Copas do Mundo, duas Olímpiadas e incontáveis eventos das mais diversas modalidades pelo mundo.

Um dos melhores exemplos está já no capítulo 3 do livro, em que Leme fala sobre sua passagem no Estadão e que conta sobre como teve a chance de cobrir o milésimo gol de Pelé, em novembro de 1969 no Maracanã.

A história é envolta em curiosidades pelo fato dele ainda ser um repórter bastante inexperiente na época, e ter conseguido a oportunidade após um sorteio que parecia que lhe tinha deixado sem chances de estar presente na ocasião.

Desde 2020, Leme está na Band, atual detentora nos direitos de transmissão da F1, pela qual ele também tem a oportunidade de acompanhar outras categorias que estão no leque na emissora, como a Stock Car.

O livro de Reginaldo Leme

Só por todas essas credenciais que contamos, ler um livro publicado por Leme já seria algo quase que obrigatório para qualquer fã brasileiro de automobilismo.

Só que o mais interessante dessa nova publicação é que se ele poderia escrever uma grande reportagem sobre qualquer história da F1, a opção foi talvez de algo ainda mais interessante e único: a sua vida profissional, passando por eventos importantes e também suas histórias e relacionamentos nos bastidores.

Ninguém poderia contar essa história. Como repórter com tamanha experiência e oportunidade de ter vivido tantos momentos não só do esporte, mas do jornalismo brasileiro, Leme colocou nas páginas de “Muito Além do Grid” a sua ótica de várias ocasiões em que viveu.

E isso sem perder o senso de importância da postura jornalística e interesse público das histórias de bastidores e fatos, sem em nenhum momento cair na armadilha de fofocas e revelações bombásticas que não contribuiriam com algo realmente relevante.

E isso já vemos como, logo no primeiro capítulo, quando ele explica, antes mesmo de falar sobre sua infância e começo de vida no jornalismo, como aconteceu sua famosa briga com Ayrton Senna e a enorme influência que o caso teve em sua carreira.

Afinal, sem poder entrevistar o grande nome do esporte do país na época, foi assim que ele foi deslocado de repórter para comentarista. Isso sem contar a relação estremecida com o próprio Galvão Bueno, narrador da Globo na maioria esmagadora das etapas do Mundial.

Imagine, como ele conta no livro, ter que ouvir de torcedores durante uma cobertura de uma partida do Campeonato Brasileiro a frase “você se deu mal, cara! Brigou com o Senna, agora ele é tricampeão e você se fodeu cobrindo futebol.”

Mais para frente no livro, vamos entender como foi sua reconciliação com Bueno, ao lado de quem recebeu uma homenagem pela cobertura em mais de 500 GPs da própria F1 em 2013, e principalmente com Senna, após dois anos de muita tensão, “para curtir o tempo que ainda teríamos juntos”.

É claro que essa intriga entre Leme, Senna e Galvão é uma das que mais chamam a atenção do público, já que fazem parte de um momento tão importante do esporte e do jornalismo brasileiro, com personagens tão icônicos. Mas Leme consegue passar pelo caso dando a importância devida e sem tirar em nenhum instante o prazer que o leitor tem em conhecer outras histórias tão deliciosas.

O caso do fio de microfone que quase causou uma tragédia com Raul Boesel na entrada dos boxes, o final de semana da morte de Senna, os bastidores do surgimento de tantos pilotos como Rubens Barrichello e Felipe Massa, a entrevista com Nelson Piquet pós-acidente em Indianápolis mesmo afastado do automobilismo da Globo, o icônico furo jornalístico do Singapuragate, a negociação para trocar a F1 na Globo pela Indy no SBT e por aí vai.

Isso tudo sem contar o extra da história de vida de um dos jornalistas esportivos mais importantes do Brasil nas últimas décadas. No delicioso capítulo 20, por exemplo, ele descreve a importância da música em sua vida, incluindo sua relação próxima com diversos nomes do rock nacional (até pelo fato de seu irmão, Dinho Leme, ter sido baterista de Ronnie Von, Erasmo Carlos e da banda Mutantes, de Rita lee) e até de suas passagens com George Harrison.

“Ah, mas eu já conheço essas histórias todas”. Sim, se você está aqui no Projeto Motor, provavelmente é um grande fã de automobilismo e já deve ter ouvido falar ou lido algo a respeito de tudo isso. Só que nunca de uma forma tão detalhada pelo ângulo de um jornalista que viveu com enorme protagonismo nos bastidores de todos esses momentos.

Por isso, “Muito Além do Grid” de Reginaldo Leme se transforma não só em um livro sobre automobilismo, bastidores de uma cobertura jornalística ou uma simples autobiografia, mas uma bela de história que é um deleite de ser lida.

“Muito Além do Grid”
Por Reginaldo Leme
Editora: Oficina 259
Formato: 16 cm x 23 cm
Páginas: 436
Disponível: livrarias e no site da AutoMotor Esporte