Interlagos 1991: como Senna quebrou tabu no Brasil só com a 6ª marcha
A vitória de Ayrton Senna no GP do Brasil de 1991 é uma das mais famosas da carreira do piloto. E por vários motivos. Uma conjunção de fatores fez com que aquele triunfo se tornasse algo muito especial para os fãs brasileiros do piloto e os que gostam da F1 em geral.
Não é exagero dizer que Senna, na naquele 24 de março, começou a criar uma aura que transpôs o seu status de grande piloto para se tornar um ídolo de seus compatriotas. Ele já era bastante reverenciado naquele momento, importante dizer, com dois títulos mundiais e 27 vitórias no Mundial, sendo algumas bastante marcantes como o GP do Japão de 1988 ou Portugal em 1985.
Só que a partir daquela prova em Interlagos, ele passou a ser idolatrado. Foi a vitória que o alçou a herói nacional. Infelizmente, essa visão em torno de seu nome ficou até exagerada, com fãs ardorosos que não aceitam muito bem as críticas ou o fato de que outros pilotos possam talvez ter-lhe superado. É realmente uma pena que o legado de Senna tenha sido essa divisão tão radical na cabeça de alguns de seus seguidores.
De qualquer forma, para quem consegue curtir automobilismo e admirar os seus grandes nomes, não existe dúvida nenhuma de que a vitória de Senna no GP do Brasil de 1991 foi uma de suas grandes atuações, que entrou na lista de triunfos impossíveis do piloto.
McLaren x Williams
Para começar, vale aqui colocarmos o contexto daquela prova. A etapa de Interlagos foi a segunda do campeonato de 1991. Senna venceu a primeira, em Phoenix, com alguma sobra. Na classificação, meteu 1s3 no segundo colocado do grid, Alain Prost, de Ferrari, e na corrida, liderou todas as voltas até a bandeira quadriculada.
A Ferrari dava sinais de que, ao contrário do que aconteceu em 1990, não seria páreo para a McLaren na nova temporada. Algo de interessante, no entanto, parecia começar a surgir nos boxes da Williams. Riccardo Patrese e Nigel Mansell saíram na segunda fila, e o italiano até chegou a assumir a segunda colocação em certo momento da prova, mas ambos abandonaram com problemas mecânicos.
No Brasil, em um traçado mais convencional do que o urbano de Phoenix, o novo modelo FW14 da Williams começou a mostrar suas garras. Era um carro que contava com uma aerodinâmica mais refinada, câmbio semiautomático, suspensão reativa e controle de tração. Dispositivos que a McLaren ainda não tinha. Além disso, o novo motor Renault V10 mostrava uma força incrível para bater de frente contra o V12 da Honda, só que com dimensões menores e consumindo menos combustível.
O problema é que com tantas novidades, o carro da Williams tinha sérios problemas de confiabilidade, especialmente no começo da temporada. Como já explicamos em outro artigo aqui no Projeto Motor, a temporada de 1991 se tornou um grande embate entre a constância da McLaren (aliada a um Senna mais maduro do que em outros anos) contra uma incrível Williams que sofria com suas falhas mecânicas.
E na classificação do GP do Brasil, a Williams já mostrou que poderia pressionar mais Senna ao colocar Patrese em segundo, apenas 0s3 atrás do brasileiro, e Mansell em terceiro.
Primeira fase da prova: Senna x Mansell
A primeira parte do GP do Brasil se resumiu a Senna sendo pressionado pelo bom ritmo de Nigel Mansell. O inglês ultrapassou o companheiro de equipe na largada e não saiu do encalço do brasileiro nas primeiras voltas.
Depois de um bom ritmo inicial de Senna, que levou a diferença a 2s8, a vantagem despencou e na volta 21 passou a ser de menos de 1s, com Mansell chegando a passar a 0s7 da McLaren do dono da casa.
De olho na possibilidade de ganhar a posição no box, a Williams chamou Mansell para seu pit na volta 25. Só que a parada foi um desastre. A começar, os mecânicos se enrolaram um pouco e terminaram a troca de pneus com quase nove segundos. Depois, o câmbio da Williams, já mostrando sua fragilidade, deu uma engazopada (a falta de sutileza de Mansell nos paddles não ajudava muito) e o Leão deixou sua posição de pit perdendo 14s5 parado no box.
Para aproveitar o problema do rival, Senna parou na volta imediatamente depois e a McLaren fez um bom trabalho liberando o brasileiro da troca de pneus em apenas 6s9, que para época era um tempo dentro da média geral. Após as duas paradas, Senna, que tinha menos de 1 segundo de vantagem antes, respirava com margem de 8s sobre o rival.
Problemas dos rivais e o drama de Senna
Mansell voltou de seu problema no pit voando e diminuiu a diferença nas voltas seguintes até ficar a 2s9 na 42ª passagem. Tudo indicava que o ataque seria iminente. Só que da volta 44 a 49, a diferença de repente explodiu de novo, com Senna abrindo 8s5 em um curto espaço de tempo.
O inglês chegou ao box da Williams na volta 50 e fez a troca. Ele estava com um furo em um dos pneus, que estava perdendo pressão nas voltas anteriores, e lhe tirou rendimento. Senna ganhava assim um imenso respiro de 34 segundos na liderança.
Mansell retornou forçando ao máximo sua FW14 e em nove voltas diminuiu a desvantagem para 18s9 na volta 59. Na abertura da 60, as câmeras então mostraram que ele tinha rodado no “S do Senna”. Ele tentou retornar, mas logo estacionou seu carro na entrada da “Curva do Sol”. O câmbio de sua Williams tinha quebrado e ele estava fora da corrida.
O segundo colocado agora era Riccardo Patrese, com a outra Williams, a longínquos 40s9 a apenas 12 voltas do final da corrida. Parecia que a vitória estava no papo. Só que não foi bem assim. A partir deste momento, Senna passou a viver um drama que marcaria a sua atuação para sempre.
A caixa de câmbio de McLaren de Senna começou a sofrer problemas e aos poucos as marchas não engatavam. O tempo de volta de Senna que era de 1min22s350 na volta 50 subiu para 1min24s033 na 60, quando a falha começou a aparecer. A cinco passagens do final, quando ele só tinha a sexta marcha, chegou a 1min28s621. Para se ter ideia, nesta mesma volta, Patrese virou 1min22s320. Vendo a possibilidade real de vencer, o italiano apertou o ritmo e chegou a virar na casa de 1min21s. Em apenas seis voltas, a diferença entre eles despencou de 40s4 para 14 segundos.
Senna, no entanto, reagiu. Ele conseguiu se achar na pilotagem apenas com a sexta margem, tirando um pouco de velocidade de onde parecia não existir mais na sua McLaren. Para sua extrema sorte, do outro lado, a transmissão problemática do FW14 também começou a dar sinais de desgaste na Williams de Patrese, que passou a ter dificuldade em algumas mudanças de marcha nas últimas três voltas.
Na 68ª, a três passagens do final, Senna conseguiu melhorar seu ritmo para 1min25s881. Na penúltima passagem, ele virou 1min25s177 contra 1min24s711 de Patrese, segurando um pouco a queda da diferença. Essa reação, combinada com a perda de ritmo do italiano por conta dos problemas na Williams, foi essencial para a vitória.
Isso tudo, com a garoa começando a cair em Interlagos e o público já começando a pegar capas de chuva. Quando Senna e Patrese abriram a última volta, separados por apenas 3s6, era difícil saber quem receberia a bandeira quadriculada na frente.
O brasileiro se segurou e cruzou a linha de chegada apenas 2s9 à frente de Patrese. Ao tirar o pé para pegar uma bandeira do Brasil para celebrar, os giros da McLaren em sexta marca caíram e o carro apagou na “Reta Oposta”. Senna também sentiu o esforço que fez para segurar o carro nas curvas em marcha alta e não conseguiu sair do carro, precisando ser resgatado pelo carro médico.
No pódio, o visível desgaste de Senna chamou a atenção. Era a primeira vitória dele no GP do Brasil e o público fez muita festa nas arquibancadas de Interlagos. Foi, sem dúvida nenhuma, mais um dos grandes momentos que marcou a carreira desse emblemático piloto na F1.
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