Confiabilidade do MP4-6 x Tecnologia do FW14. A briga do tri de Senna
Em 1991, Ayrton Senna conquistou um simbólico tricampeonato pela McLaren, que o colocava definitivamente entre os grandes da história. Até a década de 90, antes dos multicampeões Michael Schumacher, Sebastian Vettel e Lewis Hamilton, conquistar o terceiro título mundial era considerado um grande feito na F1.
E apesar dos enormes números que as duas gerações seguintes conseguiram, a lista de tricampeões, com Jack Brabham, Jackie Stewart, Niki Lauda e Nelson Piquet, mostra que a façanha ainda não é para qualquer um.
Além desse simbolismo, a temporada de 1991 marcou ainda um dos anos mais consistentes de Senna na F1. Com um carro confiável, o brasileiro cometeu poucos erros, soube colher pontos importantes quando não tinha condição de vencer, e bateu assim Nigel Mansell e sua Williams FW14, carro que seria base para o modelo supercampeão dos dois anos seguintes.
Somado ao desempenho sólido de Senna, a McLaren e a Honda tiveram um grande mérito de abrir a temporada com um conjunto que já era rápido e ao mesmo tempo tinha boa confiabilidade. É verdade que o brasileiro enfrentou problemas mecânicos no triunfo do GP do Brasil, mesmo assim, o pacote piloto e MP4-6 funcionou bem para vencer as quatro primeiras corridas do ano e abrir uma vantagem que seria essencial no campeonato.
Quando a Williams se acertou com seu carro, que carregava inovações tecnológicas importantes, mas que mostraram vários problemas nas primeiras provas, o modelo se mostrou mais veloz do que o da McLaren. Da sexta à 14ª etapa, a Williams venceu sete de nove corridas. A vantagem de Senna para Mansell na classificação caiu neste período de 33 para 8 pontos na nova prova e depois subiu de novo para 16.
Essa variação aconteceu muito por conta dos muitos problemas de confiabilidade da Williams e uma resposta técnica importante da McLaren, da Honda e até mesmo da Shell, fornecedora de combustíveis, que recolocaram Senna na briga em momentos importantes.
MP4-6 x FW14
Depois de sofrer alguma pressão da Ferrari na temporada anterior, a McLaren resolveu fazer uma evolução um pouco mais ousada de seu modelo MP4-5B. A base do carro ainda era a mesma, mas o projetista Neil Oatley apostou em alguns redesenhos para melhorar a aerodinâmica, recebendo a contribuição de Henri Durand, ex-Ferrari contratado na metade de 90.
Para começar, o MP4-6 teria que ser quatro centímetros mais longo do que seu predecessor para acomodar o novo motor da Honda, que pela primeira vez apostava em umaV12 de 3,5 litros, partindo para a terceira configuração diferente de seu propulsor em um período de quatro anos (vinha do V6 turbo de 1,6 litro em 1988 e do V10 aspirado de 3,5 litros de 89 e 90).
A Honda acreditava que poderia aumentar a potência para pelo menos 720 cavalos e dar mais força para o conjunto. Seria uma resposta ao V10 da Renault, que já vinha conseguindo gerar cerca de 700 cavalos. Só que a nova configuração trazia alguns problemas, pois além de ser maior, ainda trazia um peso extra considerável e aumentava também o consumo. Isso criou dificuldades para a McLaren, que viu Senna ter pane seca em duas provas durante a temporada, em Silverstone e Hockenheim.
Na pré-temporada, o novo motor foi encaixado em um adaptado MP4-5C. Senna e Berger andaram e não se mostraram convencidos. O brasileiro se sentou com engenheiros da Honda e pontuou suas preocupações quanto à relação peso-potência e consumo. Os japoneses começaram a trabalhar imediatamente para levarem uma evolução do propulsor para a quarta etapa do campeonato, em Mônaco.
Além deste ponto, o MP4-6 tinha um desenho de porção frontal mais fluido do que o antecessor, incluindo um reprojeto de asa dianteira e bico. O modelo também era mais rígido e tinha menos elementos em sua estrutura básica. Mas a grande mudança foi na suspensão, com uma alteração do posicionamento do sistema das molas do amortecedor para o alto da zona à frente do cockpit em vez de ser colocado verticalmente ao lado dos pés do piloto, como era feito até 1990.
Na Williams, as novidades também eram muitas. O motor Renault mostrou uma enorme evolução durante a temporada de 1990 e os franceses estavam bastante confiantes em ter um propulsor ainda melhor para 91. A equipe também investiu em um carro bastante remodelado em relação do FW13, com um projeto assinado agora por Adrian Newey, uma estrela em ascensão das pranchetas após um bom trabalho na March/Leyton House.
O novo modelo era mais estreito e com uma aerodinâmica muito mais refinada. Além disso, começou a aparecer com alguns recursos eletrônicos importantes que a McLaren não tinha, como suspensão reativa (em desenvolvimento desde 1987), controle de tração e câmbio semiautomático. Alguns destes itens, no entanto, se tornaram dor de cabeça durante 1991 por ainda estarem em estágio inicial de desenvolvimento, mas pagariam grandes dividendos em 92 e 93.
Entre os grandes problemas, estava no sistema de câmbio, com baixa confiabilidade. A transmissão deixou Mansell e Riccardo Patrese na mão por diversas vezes durante o ano, incluindo nas duas primeiras etapas, em Phoenix e Interlagos.
A Williams, no entanto, mostrou que poderia incomodar já no GP do Brasil, com Mansell andando na cola de Senna durante boa parte da prova até abandonar. Senna, Patrese e Berger também sofreriam problemas na transmissão, com a do brasileiro travada na sexta marcha nas sete voltas finais, mas com os três conseguindo chegar até o final.
A evolução do campeonato e como Senna segurou Mansell
Depois de vencer as quatro primeiras corridas, parecia que Senna teria um campeonato tranquilo, podendo administrar sua enorme vantagem na classificação. Para se ter ideia, neste momento, ele tinha 40 pontos enquanto o segundo colocado, Alain Prost em sua problemática Ferrari, tinha 11. Mansell e Patrese somavam até então apenas seis pontos, com um segundo lugar para cada, atrás ainda de Berger, com 10.
Só que a partir da quinta etapa, em Montreal, a coisa começou a virar, com a Williams começando a se achar com o FW14. Patrese cravou a pole, com Mansell em segundo, com 0s4 de vantagem para Senna, em terceiro. O inglês pulou na frente já na largada e liderou 68 das 69 voltas da corrida.
Neste tempo, ele viu seus principais rivais terem problemas. Patrese sofreu um furo de pneu e precisou de um pit stop extra. Senna teve uma falha no alternador e abandonou. A transmissão da Ferrari de Prost também quebrou. Assim, tudo indicava para uma vitória fácil. Só que na última volta, acenando para a torcida, Mansell deixou o giro do motor cair demais e isso causou uma queda da pressão do combustível. A Williams do inglês apagou a poucos metros da linha de chegada. O inglês entregava de bandeja a vitória para um surpreendente Nelson Piquet, da Benetton, e abria mão de dez pontos que fariam muita falta mais para frente.
Mesmo assim, a Williams finalmente mostrava a que veio. E isso ficou claro nas corridas seguintes com uma sequência de vitórias no México, com Patrese, França, Grã-Bretanha e Alemanha, com Mansell. O inglês começava a ameaçar Senna no campeonato e o brasileiro clamou internamente por uma reação da McLaren.
A Honda e a Shell se mexeram para entregar um motor mais potente e controlar o problema de consumo de combustível. Senna conseguiu uma pole muito importante na Hungria, circuito que largar na frente sempre foi um primeiro passo para a vitória. Seu companheiro, Berger, sairia apenas em quinto, atrás das duas Williams e da Ferrari de Prost.
Na largada, Patrese, segundo do grid, até saiu melhor, mas consciente da necessidade de manter a ponta, Senna fez uma manobra agressiva para cima do italiano na primeira curva, chegando a travar a roda dianteira esquerda, e segurou a liderança. A partir daí, o brasileiro passou praticamente toda a prova segurando a dupla da Williams e conquistou a vitória.
Na corrida seguinte, na Bélgica, Senna mais uma vez saiu na frente, mas, desta vez, em um circuito de alta e com muitos pontos de ultrapassagem, não teve chance de segurar Mansell. Mas a sorte sorriu para o brasileiro quando o inglês abandonou na volta 22 com problemas elétricos. O piloto da McLaren seguiu na ponta, mas ainda sofreria alguma pressão nas voltas finais ao enfrentar novos problemas na transmissão, repetindo o drama que enfrentou nas etapas de Interlagos e Imola.
Mesmo assim, Senna segurou a vitória e conseguiu aumentar sua vantagem no campeonato para 22 pontos em relação a Mansell, seu perseguidor mais próximo agora, restando apenas mais cinco etapas para o final do campeonato.
A Williams voltaria a dominar as próximas provas, mas Senna receberia um novo presente no GP de Portugal. Na parada para a troca de pneus, a equipe liberou Mansell antes da roda traseira direita estar devidamente presa. O inglês deixou a posição de box da Williams e parou no final do pit lane. Ele até conseguiria retornar, mas foi desclassificado porque recebeu assistência dos mecânicos já na saída dos boxes.
Mesmo com Patrese vencendo a prova, Senna abriria mais seis pontos de vantagem com o segundo lugar e partiria para seu primeiro match point.
Na Espanha, Mansell teve um dos domingos mais brilhantes de sua carreira, com lindas ultrapassagens sobre Senna e Berger, enquanto o brasileiro, por lado, teve provavelmente seu pior desempenho no ano, com erros e uma rodada que o deixou em uma decepcionante quinto lugar.
Na etapa seguinte, em Suzuka, a Honda fez um esforço para levar mais uma evolução de seu motor para tentar garantir o título do brasileiro mais uma vez na pista de sua propriedade. E deu certo. Os carros da McLaren se mostraram tão velozes quanto os da Williams no traçado japonês e conquistaram toda a primeira fila, com Berger à frente de Senna.
Como Mansell precisava vencer a qualquer custo, a estratégia foi de deixar o austríaco escapar na liderança enquanto o brasileiro teria a responsabilidade de segurar o rival. O inglês, com sua conhecida impaciência, cometeria um erro na abertura da décima volta, e passaria reto na saída da curva um quando estava colado em Senna.
O título estava garantido e Senna se tornava assim o mais novo tricampeão mundial de F1. Após ultrapassar Berger, ele abriria a porta de volta na reta final para deixar o austríaco conquistar a vitória. Duas semanas depois, o brasileiro ainda venceria um encurtado GP da Austrália, interrompido após apenas 14 voltas por conta da forte chuva.
A campanha de 1991 terminaria com sete vitórias para Senna, cinco para Mansell, duas para Patrese, uma para Berger e uma para Piquet. A partir de 1992, o jogo viraria radicalmente para a Williams, mas aí é outra história.
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