Ferrari azul: a relação da marca com a cor referência dos EUA
A Ferrari anunciou que irá correr o GP de Miami de 2024 com uma pintura especial com tons de azul. Pode parecer estranho e meio maluco para o time que tem a cor vermelha tão forte e presente em toda sua trajetória, porém, a história mostra que o projeto de marketing tem mais sentido que do que parece.
Antes talvez explicar o azul, talvez seja interessante relembrar porque a Ferrari corre de vermelho. Acontece que tanto na era nos Grande Prêmios pré-F1 como nos primeiros anos do Mundial, em 1950, as equipes normalmente corriam provas internacionais com cores que representavam seus países.
Os times britânicos competiam de verde, os alemães se dividiam entre branco e prata, os carros de organizações francesas eram pintados de azul, os americanos, de branco com faixas em azul, os japoneses, de branco com um sol em vermelho, enquanto os brasileiros utilizavam um amarelo pálido, que pode ser visto na primeira equipe do país na F1, a Bandeirantes, cuja história já contamos aqui no Projeto Motor.
Você já deve ter percebido para onde isso vai. As escuderias italianas utilizavam vermelho em seus carros. Isso valia não só para a Ferrari, mas também para Alfa Romeo, Maserati, Lancia, entre outras.
A ideia das cores nacionais começou a perder força nos anos 60 e finalmente foi deixada de lado no final daquela década com a regulamentação que permitiu que os carros fossem pintados com cores dos patrocinadores.
A Ferrari, no entanto, seguiu com seu tradicional vermelho (chamado de “Rosso Corsa”, ou “Vermelho de Corrida, em italiano), que com o tempo deixou de significar “Itália” no automobilismo para ser uma referência direta à marca de Maranello.
A relação da Ferrari azul com os EUA
O conceito das faixas em azul anunciado para o próximo GP de Miami tem raízes na história da Ferrari nos Estados Unidos. A ideia é marcar os 70 anos (ainda por fazer) das importações de modelos da empresa para o país.
Lembra que dissemos que o branco com listas em azul eram as cores das equipes americanas em corridas internacionais? Mas a homenagem não é apenas uma referência a um símbolo americano pura e simples, mas a uma ligação da empresa com o país: a NART (Time de Corrida da América do Norte, em inglês).
A equipe americana foi fundada pelo empresário Luigi Chinetti, importador de carros da Ferrari nos Estados Unidos, para promover a marca no país em diversas provas locais. O time chegou inclusive a competir na Europa, mas com carros comprados em uma operação semioficial e licença americana.
Chinetti era um ex-piloto e amigo próximo de Enzo Ferrari dos tempos que ambos correram pela Alfa Romeo. No final dos anos 40, após passar o período da II Guerra morando nos Estados Unidos, ele chegou a um acordo com Ferrari para se tornar representante comercial da empresa de Maranello nos Estados Unidos.
Ele abriu a primeira concessionária da Ferrari nos Estados Unidos em Manhattan, em Nova York, em 1947. Chinetti tinha um grande talento comercial e para fazer contatos. Para se ter ideia, o mercado americano cresceu tão rápido, que a Ferrari chegou a produzir um modelo com foco no país: a 340 America, um V12 projetado por Aurelio Lampredi que batia os 240 Km/h.
E como a ideia era não só vender carros de rua, mas também de competição para pilotos-cliente, ele teve a ideia de abrir a NART. Com o tempo, mesmo que um negócio independente, a equipe se tornou um braço importante da Ferrari.
Para se ter ideia, o time venceu corridas que faziam parte do Mundial de Esporte-Protótipos (atual WEC), como os 2.000 Km de Daytona, e na Europa, sagrou-se campeã das 24 Horas de Le Mans de 1965. Algumas vezes com carros em vermelho, várias também em azul e branco.
E daí vem a parte interessante desta história. Em 1964, Enzo Ferrari se revoltou com o Clube do Automóvel da Itália (ACI), que se recusou a homologar seu novo modelo 250 LM para Le Mans e provas do Mundial de Endurance. Ele então anunciou que não iria mais competir pela Itália de vermelho. E cumpriu, em parte, sua promessa.
Nos GPs dos EUA e do México, as duas últimas daquela temporada, a Ferrari competiu com inscrições como equipe NART e licença dos Estados Unidos. E os carros foram pintados de branco com faixas em azul, como representantes de um time americano.
O resultado esportivo foi bom para a marca, pois com dois segundos lugares, John Surtees conquistou o título mundial superando Graham Hill (em uma das decisões de título mais polêmicas da história).
Os tons de azul
No comunicado da Ferrari para o GP de Miami, o time aponta que irá utilizar dois tons diferentes de azul em sua pintura especial. E aqui é importante destacar que a cor azul não ficou marcada apenas pela relação com os Estados Unidos ou a Nart, mas também por ter sido escolhida para o macacão de diversos pilotos entre os anos 50 e 70.
A marca então batizou os tons que promete colocar em seu carro. O Azzurro La Plata (Azul La Plata), referência a cor da Argentina (nacionalidade do primeiro vencedor de uma etapa da F1 pela Ferrari, José Froilán González) e a cor de macacões utilizados por diversos de seus ídolos, em especial por Alberto Ascari, em 1952 e 53, e passando por Surtees, Lorenzo Bandini e Niki Lauda.
O Azzurro Dino (Azul Dino, nome em referência o filho de Enzo Ferrari) é mais escuro e parecido com o que a Nart utilizava, mas também foi a cor do macacão de muitos pilotos da equipe entre 1974 e o final dos anos 80.
A pintura especial com “tons em azul” mesmo será relevada apenas na semana do GP de Miami, marcado para o próximo dia 05/04. Essas duas cores passarão também a fazer parte do “universo de cores da Ferrari” tanto para modelos de rua como de competição.
Ferrari amarela? E verde?
Sim, se você procurar nos arquivos, vai descobrir que o azul não foi a única cor utilizada pela Ferrari na F1. Porém, isso nunca aconteceu com o time oficial no Mundial.
O brasileiro Chico Landi ficou famoso por correr com Ferrari adquiridas por ele como independente tanto em provas no Brasil como na Europa de Fórmula Libre (categoria de monopostos que utilizava carros de F1 e outras competições). Nessas participações, ele normalmente competia com seus modelos em amarelo.
Na F1, o belga Jacques Swaters, que comerciava carros da Ferrari em seu país, também resolveu fazer algumas participações em 1953 com o modelo 500 pintado de amarelo em referência a Bélgica. No entanto, ele não correu pela Scuderia Ferrari, mas sim com inscrições independentes sob o nome de “Ecurie Francorchamps”.
O caso ainda mais extremo, no entanto, pode ser considerado das Ferrari modificadas utilizadas pela Vanwall. Durante a década de 50, o dono do time britânico, Tony Vandervell, fazia toda uma preparação nos modelos 375 da marca italiana, trocando inclusive peças importantes, para competir em provas da Fórmula Libre.
Desta forma, ele se sentia livre o bastante para pintar seus carros da cor verde da Grã-Bretanha.
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