Mastercard Lola nos treinos do GP da Austrália de 1997
(Reprodução)

Fiasco histórico: a curta trajetória da Mastercard Lola na F1

Em 1997, uma nova equipe surgia cheia de ambição na F1. A Lola era uma construtora de prestígio no automobilismo e tinha um grande projeto embalado por patrocinadores de renome.

Porém, a equipe durou apenas uma corrida, sendo que ela nem sequer conseguiu se classificar para a largada. No que seria sua segunda participação, o time desapareceu antes mesmo do início das atividades do final de semana.

Para entendermos o que aconteceu com a Mastercard Lola vale a pena revistarmos todo o contexto do projeto. E isso acomeça por entendermos que a Lola tem um dos nomes mais respeitados da história do mundo das corridas.

Fundada na década de 50 pelo engenheiro Eric Broadley, a construtora produziu chassis vencedores em diversas modalidades do esporte a motor, como em provas de rali, endurance e da Indy.

E também houve passagens pela F1, em épocas diferentes. Ao longo dos anos, a Lola se envolveu em parcerias com a Honda, Embassy Hill, Haas e Larrousse, e isso só para citar algumas. A última aliança havia sido em 1993, quando se associou à Scuderia Italia, equipe que sempre andava no fundão naquele ano.

E, depois de tantas passagens apagadas, a Lola ainda mantinha vivo o desejo de alcançar o sucesso na F1. Mas, em vez de engatar parcerias com outras equipes, desta vez ela traçaria o plano com uma abordagem diferente: criar a sua própria escuderia, e ser a responsável por gerenciar toda a operação de forma independente.

Em 1994, a Lola construiu um protótipo de F1 que chegou a ser testado em pista, mas o projeto não conseguiu emplacar de primeira por falta de dinheiro.

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A aceleração do projeto Lola

A Lola tentou de todas as formas viabilizar a sua entrada na categoria no final dos anos 90, e inclusive contou com o suporte da extinta equipe Pacific, que ajudou a estruturar o plano. Naquela altura, a fabricante tinha como meta realista uma entrada na F1 na temporada de 98.

Mas, no meio do caminho, surgiu um fator que mudou toda a linha do tempo. A Lola fechou uma parceria com a empresa de serviços financeiros Mastercard, que seria a principal patrocinadora da nova equipe.

Mas este não seria um acordo convencional. Em vez de simplesmente pagar dinheiro à Lola, a Mastercard criaria uma espécie de clube de membros por meio de seus cartões de crédito. Os fãs que ingressassem neste clube pagariam uma taxa anual, em troca de benefícios como autógrafos dos pilotos, uniformes da equipe, e até eventos com os membros da Lola.

A Mastercard projetava que a adesão chegaria na casa de centenas de milhares de membros, o que levantaria cerca de US$ 10 milhões por ano à equipe. Era algo que a empresa considerava que revolucionaria o marketing esportivo.

Mas havia um porém. Para a Mastercard, seria fundamental que a equipe já entrasse no grid em 97, e não em 98 como era originalmente programado. Isso porque a Mastercard havia patrocinado a Eurocopa de 96, e estaria na Copa do Mundo da França, em 98. Então, ela precisava que a F1 fosse a sua grande ação de marketing naquele ano de intervalo.

Assim, no dia 5 de novembro de 96, a Lola oficializou a sua entrada na F1 já na temporada de 97, criando a Mastercard Lola. O plano seria utilizar um motor V10, fabricado pela própria Lola, mas enquanto este projeto não estivesse pronto, a nova equipe contaria com um motor V8 da Ford, o mesmo que havia sido usado pela modesta Forti Corse em 96.

Quanto aos pilotos, a Mastercard tinha preferência por um nome europeu e um sul-americano. Os escolhidos foram o italiano Vincenzo Sospiri, que era admirado por Michael Schumacher por seus feitos no kart, e o brasileiro Ricardo Rosset, que tinha corrido na F1 em 96. Já o também italiano Andrea Montermini seria o piloto de testes, e focaria no desenvolvimento do motor V10 da Lola.

A dura realidade da pista

Cerca de três semanas antes do começo da temporada, a Lola lançou o modelo T97/30, que seria o seu carro para a temporada. A equipe traçou como objetivo imediato marcar pontos e derrotar a Stewart, a outra escuderia novata em 97, e projetava lutar pelo título da F1 em um intervalo de quatro anos.

Mas, na prática, as coisas não seriam tão simples. Devido ao curto prazo de preparação, a Lola não teve tempo de fazer testes em túnel de vento para desenvolver o modelo, então ela teve de aplicar o conhecimento que tinha de outras categorias, como a CART.

O programa de testes também foi curto: houve tempo apenas para um treino em linha reta, e dois dias de testes em Silverstone. O carro apresentou diversos problemas de motor, chegou a pegar fogo com Sospiri, e teve repetidas falhas no câmbio para reduzir as marchas.

Quando chegou o GP da Austrália, na abertura da temporada, a Lola estava destinada a um fim de semana de dificuldades. Em Melbourne, o T97/30 apresentou um excesso de arrasto, falta de aderência nas curvas, e até tinha dificuldade de se manter em linha reta, o que mostrava que toda a aerodinâmica estava comprometida.

A transmissão também apresentou diversas falhas, tanto que a Lola chegou a cogitar reverter para um câmbio manual, o que acabou não acontecendo.

E, para piorar ainda mais as coisas, a Lola temia a regra dos 107%, existente na F1 desde 1996. Ela dizia que um carro só poderia largar na corrida caso conseguisse um tempo dentro de 107% em relação à pole position.

Em Melbourne, esta marca seria a de 1min35s624. Sospiri e Rosset ficaram muito longe deste tempo, sendo que o brasileiro fez sua volta com o câmbio preso em quarta marcha. Ou seja, na primeira corrida da ambiciosa Mastercard Lola, os dois carros nem chegaram perto de sequer se classificar para a corrida.

Clip com participação da Lola nos treinos do GP da Austrália de 1997

O chefe, Eric Broadley, confiava que o episódio havia sido algo isolado, e que na segunda corrida do ano, no Brasil, a Lola conseguiria largar. A equipe ainda participou de um teste coletivo em Silverstone, onde experimentaria modificações na suspensão, mas de novo foi afetada por problemas.

Só para se ter uma ideia, Rosset foi quase 10s mais lento do que o melhor tempo da sessão. Além disso, o carro foi pela primeira vez colocado em um túnel de vento, e os resultados mostraram que seu desempenho era semelhante ao de um modelo de F3000, o que dava uma dimensão da dificuldade técnica enfrentada pelo time.

O capítulo final da Lola na F1

A equipe enviou o seu equipamento para o Brasil, e se preparava normalmente para participar do evento, quando explodiu a bomba. A Lola anunciou que encerraria suas atividades “por motivos financeiros e técnicos”, e que estava imediatamente fora da F1.

A reviravolta foi tão repentina que Rosset ficou sabendo da novidade quando já estava no paddock em Interlagos, sendo que foi ele que contou a notícia ao parceiro Sospiri.

Acontece que as finanças da equipe estavam planejadas da seguinte forma. Inicialmente, seria responsabilidade da própria Lola bancar as operações, o que ela fez por meio de um empréstimo. Apenas depois chegaria o dinheiro vindo da Mastercard, através de seu clube de membros.

Só que o programa de F1 estava exigido valores muito mais altos do que o originalmente planejado. E, quando veio o primeiro depósito da Mastercard, no valor de US$ 300 mil, foi insuficiente. Ainda por cima, quando se deparou com o fiasco de Melbourne, a Mastercard decidiu encerrar o patrocínio, o que fez todo o programa ruir.

O episódio ficou marcado como um dos maiores fracassos de uma equipe na história da F1. E aquilo deixou uma grande ferida na Lola. A fabricante ficou com dívidas na casa de 6 milhões de libras, e entrou em recuperação judicial em maio de 97.

Meses depois, a empresa passou para as mãos de um novo proprietário, que chegou a tentar trazer a Lola de volta à F1 para a temporada de 2010, mas a sua candidatura não foi aceita. Já a Mastercard permaneceu na F1 por mais um tempo. Ainda em 97, a empresa fechou um acordo com a Jordan, de quem foi parceira até 2001.

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