Senna e Prost protagonizaram em 90 mais um acidente decisivo para o título

Choque em Suzuka de 90 ofuscou temporada mais legal da “Era Senna”

O que te vem à cabeça logo que alguém pergunta sobre a temporada 1990 da F1? É a disputa hercúlea entre Ayrton Senna e Alain Prost pelo título, não? Sendo mais preciso ainda, é certamente o momento em que o brasileiro joga o carro sobre o francês e, num ato de revanche, define a parada em Suzuka, colocando ambos para fora do GP do Japão logo após a partida. Correto?

Não há como pensar naquele campeonato, definido há exatos 25 anos em favor do então ás da McLaren, sem lembrar da vingança contra o arquirrival da Ferrari. Foi um desfecho quase dantesco para mais um capítulo da epopeica saga envolvendo os dois melhores pilotos da época. Uma cena que mostrava ao mundo que o duelo “Senna vs. Prost” estava acima de qualquer limite físico, esportivo e ético.

Se, por um lado, a decisão de 21 de outubro de 1990 em solo japonês entrou para a história como uma das mais emblemáticas da F1, é preciso dolorosamente admitir que ela também ofuscou, resumindo a um acidente proposital, o campeonato mais legal da chamada “era Senna” (o período em que o brasileiro efetivamente postou-se como o nome mais forte da categoria, entre 1988 e 93).

Ao usar a expressão “mais legal”, estamos dizendo que 1990 foi o ano mais equilibrado do período. Em 88 e 89 a McLaren dominou a F1 praticamente sozinha; em 91 a diferença dela e da Williams para as demais era significativa; já em 92 e 93 foi a vez de a escuderia de Frank Williams e Patrick Head alcançar “um planeta” de distância sobre as adversárias.

O mesmo não ocorreu na estação de 90: embora Ferrari e McLaren estivessem um passo à frente, Williams e Benetton encontraram meios de incomodar as favoritas e lutar por vitórias em diversas oportunidades. A oscilação entre as quatro grandes do grid, em resumo, foi muito maior. Há explicações técnicas para isso:

Os carros concorrentes

Dominante em anos anteriores, a McLaren perdera o talentoso projetista Steve Nichols para a Ferrari. Confiante de que o chassi MP4-5 ainda tinha lenha para queimar, a esquadra de Woking pediu que Neil Oatley prontificasse atualizações pontuais no modelo, e foi o que houve: asas foram remodeladas; radiadores laterais, alargados, a fim de melhorar a refrigeração do motor Honda; a carenagem recebeu módulos de fibra de carbono e kevlar mais leves e rígidos; a suspensão dianteira teve a geometria alterada; a caixa de transmissão manual foi revisada.

Como resultado, o chassi ganhou velocidade e seguiu competitivo, porém com respostas mais imediatas e um tanto ariscas. Por ter no RA100E da Honda (um V10 3.5 a 72°) o motor mais forte do grid (a potência variou de 690 a 710 cv ao longo da campanha), além de entre-eixos maior (2,94 m), o carro era excepcionalmente bom em pistas de alta velocidade.

Ferrari 641 não conquistou nenhum título, mas certamente ganharia nove entre 10 prêmios de carro mais belo do ano

Entretanto, a diferença para a concorrência caiu de maneira fulcral: Nichols ajudou a evoluir a bem-nascida Ferrari 641. O modelo, vanguardista na utilização de transmissão automatizada de dupla embreagem, do chamado “bico de pato” e de sidepods com entrada de ar posicionada quase junto aos braços da suspensão dianteira em 89, ganhou tomada de ar acima da cabeça do piloto. O propulsor 036, um V12 a 65°, rendia bons 680-690 cv, mas era pesado (139 kg) e beberrão. Prost trabalhou muito para melhorar o equilíbrio do conjunto, deixando-o com excelente desempenho quando já desgastado e com menor volume de combustível, o que explica as várias atuações em que o francês saiu de trás no grid para passar por cima dos oponentes na fase final dos GPs.

A Benetton possuía, talvez de forma disparada, o melhor monobloco da grelha: desenhado por Rory Byrne, o B190 também adotou entrada de ar superior e apresentou um nariz de base alta, tendência que seria seguida por toda a F1 nos anos sequentes e que possibilitaria, em 91, a criação do famoso “bico tubarão”. Faltava motor: o Ford Cosworth HBA4 gerava meros 660 cv. Entretanto, o equilíbrio do bólido era tanto que Nelson Piquet se deu ao luxo de correr com o mínimo de asa em circuitos como Adelaide, registrando, durante o warmup, a maior velocidade final na reta Brabham (287 km/h). Imagine se esse carro tivesse um propulsor melhor…

Por fim, a Williams aperfeiçoou o FW13, criado por Enrique Scalabroni e que debutou no fim de 89, para fazer um bom casamento com o promissor Renault RS2 V10 (a 67°), de 670-680 cv. Embora pouco prestigiado, o carro já continha as bases para os hegemônicos FW14B e FW15C: além do nariz elevado, por exemplo, o FW13B já era projetado para receber suspensão ativa. O item só não foi inserido em 90 porque problemas de desenvolvimento atrasaram o projeto.

A ordem de forças

Com leve superioridade pendendo ao lado da McLaren, muito por causa do motor, 1990 viu uma saudável troca na ordem de forças entre essas quatro escuderias. É fato que Senna poderia ter tido vida mais tranquila se não batesse com Satoru Nakajima no GP do Brasil ou rodasse sozinho em Silverstone, mas o fato é que o número de triunfos de cada time ao fim das 16 rodadas mostra exatamente o que cada participante tinha a oferecer: seis da McLaren (EUA, Mônaco, Canadá, Alemanha, Bélgica e Itália); seis da Ferrari (Brasil, México, França, Inglaterra, Portugal e Espanha); duas da Benetton (Japão e Austrália); e duas da Williams (San Marino e Hungria).

Além disso, é preciso frisar que, diferentemente de 88, 89, 91 e 92, temporadas de tirar o fôlego na batalha pelo título, porém repletas de corridas muito chatas, 90 foi um ano formado por eventos bastante divertidos: a batalha entre Senna e o surpreendente Jean Alesi pela vitória em Phoenix, o chuvoso GP do Canadá, a brilhante recuperação de Prost no Hermanos Rodríguez, o disputado GP da Inglaterra, a briga de Senna com Alessandro Nannini em Hockenheim, o sofrido triunfo de Thierry Boutsen na Hungria e a clássica fechada de Piquet sobre Mansell na Austrália são alguns dos momentos de destaque. Este duelo entre Mansell e Berger no México é outro:

https://www.youtube.com/watch?v=V2g1yrGputA

Senna, Prost, Mansell e Piquet: o crepúsculo do “quarteto de ferro”

O retorno do veterano tricampeão brasileiro à boa forma, aliás, foi outro ponto alto da temporada. Num misto de consistência, oportunismo e competência para voltar a vencer após três anos, Piquet conquistou, já perto do fim da carreira, um inesperado terceiro posto no Mundial, atrás apenas dos dois postulantes ao título. Dá para afirmar, portanto, que 1990 foi a última estação em que foi possível ver o “quarteto de ferro” dos anos 80 – Senna, Prost, Piquet e Mansell – disputar simultaneamente posições no pelotão de frente com certa frequência.

Tudo isso acabou ofuscado por um lance definido em poucos segundos. Um choque que, além de “punir” a falha de Prost no ano anterior, manchar (mesmo de leve) a aura de Senna e colocar um asterisco ao lado do merecido bicampeonato conquistado pelo brasileiro, colocou aquele Mundial realizado há duas décadas e meia em destaque na História da pior forma possível. Uma pena. Uma temporada tão legal não marecia terminar resumida a um episódio tão controverso.

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