O pavoroso acidente de Martin Donnelly explicado em detalhes
O acidente de Martin Donnelly na Espanha, em 1990, rendeu uma das imagens mais chocantes da F1. O carro partido ao meio deixou o piloto estendido no chão, completamente desacordado, e traçava um cenário que parecia trágico. Porém, de forma surpreendente, Donnelly sobreviveu, e o episódio permanece um dos mais intrigantes que a categoria já viu.
A F1 mantinha um olhar atento na questão da segurança. Por um lado, a categoria estava há mais quatro anos sem acidentes fatais, o que era um recorde para a época, desde a perda de Elio de Angelis em um teste em Paul Ricard, em maio de 86. Em contrapartida, alguns acidentes assustadores naquela época causaram lesões em diferentes graus nos pilotos, como o de Nelson Piquet em Imola, em 87, ou as batidas de Philippe Streiff e de Gerhard Berger, em 89, e isso só para citar alguns.
Também neste período, Martin Donnelly tentava ganhar seu espaço no cenário do automobilismo internacional. Nascido em Belfast, na Irlanda do Norte, o piloto foi terceiro colocado na F3 Inglesa em 86 e 87, venceu o importante GP de Macau, e foi novamente o terceiro no campeonato da F3000 em 88. Foi quando ele começou a bater na porta da F1. A sua estreia na categoria aconteceu no GP da França de 89, e a entrada em definitivo se deu em 90, quando foi titular da Lotus.
Ao longo daquela temporada, Donnelly, aos 26 anos, fazia frente ao companheiro de equipe, o veterano Derek Warwick, e começava a construir sua reputação no grid. Como o piloto era sondado por outros times, como Tyrrell e Jordan, a Lotus exerceu sua prioridade contratual e renovou com Donnelly para a temporada de 91. A assinatura se deu na manhã do dia 28 de setembro, a sexta-feira anterior ao GP da Espanha, disputado no circuito de Jerez de la Frontera.
O acidente de Donnelly em Jerez
Naquela época, a F1 realizava duas sessões de classificação: uma hora de atividades na tarde de sexta, e mais uma hora na tarde de sábado, com o grid definido com os tempos combinados.
Quando faltavam oito minutos para o fim da sessão de sexta, Donnelly se aproximava da Curva 14, realizada à direita e em alta velocidade. Mas sua Lotus teve uma quebra na suspensão dianteira esquerda, o que o impediu de contornar a curva e o fez passar reto. Como a área de escape era curta, o piloto bateu no guard-rail a estimados 268 km/h, o que resultou em uma desaceleração de 42 G. O impacto foi tão violento que o carro se partiu ao meio: a porção traseira ficou parada a alguns metros do local da batida, enquanto a dianteira se despedaçou quase de forma integral. Donnelly, ainda preso ao seu banco, foi arremessado em direção à pista e caiu imóvel, o que desenhou um perturbador cenário que parecia trágico.
Pierluigi Martini, da Minardi, estacionou seu carro logo atrás de Donnelly para evitar que ele fosse atropelado, já que o resgate médico ainda demorou alguns minutos para chegar. Quando iniciou seu atendimento, o médico da F1, Sid Watkins, abriu a viseira do capacete de Donnelly e se deparou com um tom de pele azulado, o que indicava uma possível asfixia. O piloto havia engolido sua língua, então o trabalho inicial visava liberar suas vias respiratórias.
Quando isto aconteceu, o foco se voltou às pernas de Donnelly, que estavam completamente deformadas e com fraturas expostas. Uma delas chegou a perfurar a artéria femoral, o que resultou em um sangramento. Donnelly foi levado ao centro médico do circuito, e pouco depois foi transportado a um hospital em Sevilha, a cerca de 90 km da pista.
Chegando lá, o piloto foi submetido a uma cirurgia e até sofreu uma parada cardíaca, mas foi estabilizado. Também houve o risco de uma amputação em sua perna esquerda, o que posteriormente foi descartado graças à insistência de Sid Watkins. O saldo da batida foi uma concussão cerebral, fraturas na face, clavícula e pernas, além de lesões internas e lacerações no pulmão. E não acabou por ali: nos dias seguintes, Donnelly enfrentou problemas pulmonares e renais, e foi colocado em um período de coma que durou por cerca de sete semanas.
Impacto na F1 e questões sobre o acidente
Naturalmente, todo este drama deixou o paddock da F1 em choque. Roberto Moreno, que poucas horas antes havia sido eliminado do evento durante pré-classificação, testemunhou a batida de perto e pensou que o acidente teria consequências fatais. Já Ayrton Senna mostrou uma enorme preocupação. Ele foi até o local para acompanhar o resgate, e depois até chegou a refletir se todos os riscos da F1 valiam a pena. Quando a sessão foi reiniciada, ele voltou ao carro, anotou o recorde do circuito e fechou o dia com a pole provisória.
Mas, sobre a dinâmica do acidente em si, a pergunta que ficava era: por que o carro se partiu ao meio daquele jeito? Bem, houve algumas hipóteses. Donnelly guiava o Lotus 102, cujo projeto era amplamente baseado no Lotus 101, o modelo de 89. Mas houve adaptações importantes de uma temporada para a outra. Donnelly e Warwick tinham estrutura física maior do que Nelson Piquet e Satoru Nakajima, os pilotos do ano anterior. Então, para que eles conseguissem guiar sem que seus joelhos ficassem batendo na beirada do cockpit, a Lotus modificou a estrutura dianteira para proporcionar mais espaço.
Outra mudança importante foi no motor: a equipe deixou de lado os V8 da Judd para adotar os V12 da Lamborghini, um motor mais espaçoso, mais pesado e que também necessitava de um tanque de combustível maior. Ou seja, todas as adequações deixariam o conjunto mais pesado, então, para aliviar o peso, foi usada uma estrutura bem fina no chassi – e aí, por isso, ele teria se partido daquela maneira no impacto.
Curiosamente, Donnelly considera que foi esta característica que salvou sua vida, já que, com o carro se despedaçando, a energia gerada no impacto foi dissipada em vez de se concentrar somente em seu corpo.
Depois do acidente, a F1 aumentou a exigência nos testes de impacto nos carros para 91 e ainda mais para 92. Já o circuito de Jerez só receberia a F1 de novo em 94, e com um traçado diferente. No ponto do acidente de Donnelly foi construída uma chicane, batizada de Ayrton Senna, o que reduzia a velocidade no local, além de haver a ampliação da área de escape.
A lenta recuperação de Donnelly
Donnelly só deixou o hospital em fevereiro de 91, quase cinco meses após a batida em Jerez. Em seguida, fez tratamento de fisioterapia na Áustria, na mesma clínica em que Niki Lauda se recuperou de seu acidente em 76. O piloto ainda tinha esperanças de voltar à F1, mas as sequelas do acidente persistiram e impediram que ele competisse novamente em carros de fórmula.
O norte-irlandês ainda manca com sua perna esquerda e tem dificuldades para dobrá-la, sendo que houve um grande susto em 2019. Ele se envolveu em um acidente de moto durante um evento de caridade, o que lhe rendeu uma nova lesão e até gerou risco de amputação por se tratar de um local ainda delicado.
Mesmo assim, Donnelly teve alguns marcos importantes em sua trajetória na recuperação. Em 93, realizou um breve teste na F1 com a Jordan em Silverstone. Já em 2011, no festival de Goodwood, voltou a guiar o Lotus 102, o mesmo modelo no qual quase perdeu sua vida. Porém, o que o fez desapegar de vez da ideia de competir novamente na F1 foi o acidente fatal de Senna, o mesmo homem que acompanhou tão de perto o seu resgate em Jerez. Segundo Donnelly, sua boa vida e sua família valiam mais do que a carreira na categoria.
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