O acidente que encerrou a carreira de Burti como titular da F1
O GP da Bélgica de 2001 contou com o acidente que marcou para sempre a vida de Luciano Burti. O piloto brasileiro bateu forte no início daquela corrida, o que gerou preocupações e lhe rendeu uma grave lesão na cabeça.
Isso representou o fim de sua trajetória como piloto de corridas na F1, mas em contrapartida também resultou em importantes melhorias de segurança.
Luciano Burti pavimentou seu caminho rumo à F1 no automobilismo inglês. Apadrinhado pela lenda Jackie Stewart e por sua equipe no automobilismo de base, o paulista teve uma grande vitrine com o vice-campeonato da F3 Britânica em 1999, inclusive terminando à frente da futura sensação da F1, Jenson Button.
E foi com Stewart que Burti teve seu contato inicial com a F1. Em 98 e 99, fez seus primeiros quilômetros oficiais na categoria, sendo que ele se tornou piloto de testes em tempo integral em 2000, quando o time já havia sido comprado pela Ford e se tornado Jaguar. E, naquele ano, viveu as ocasiões que selaram a sua promoção ao grid da categoria.
Burti fez sua estreia na F1 no GP da Áustria, quando substituiu Eddie Irvine, que ficou de fora da corrida com uma inflamação no intestino. Pouco depois, garantiu sua vaga definitiva como titular para 2001, depois de um mano a mano com Dario Franchitti, astro do automobilismo americano.
Burti na F1
Apesar da grande oportunidade na F1, as coisas começaram a dar errado as coisas começaram a dar errado muito cedo para Burti. Primeiro, a pessoa responsável por sua contratação deixou a Jaguar antes da temporada começar, e em seu lugar entrou Bobby Rahal, que tinha uma visão bem diferente para a operação.
Assim, ainda no começo do ano, a Jaguar assinou contrato com o espanhol Pedro de la Rosa, que originalmente seria piloto de testes em 2001, para depois ser titular em 2002. Ou seja, já havia o cenário de que Burti não teria um futuro longo na Jaguar, então ele começou a olhar as outras possibilidades.
Na equipe Prost, o argentino Gastón Mazzacane sofria com mau rendimento, e também estava com sua vaga em risco. Assim, Burti estabeleceu contato com Alain Prost e seu sócio, Pedro Paulo Diniz.
Pouco depois, as mudanças estavam confirmadas. A partir do GP da Espanha, o brasileiro substituiria Mazzacane na Prost, enquanto De La Rosa assumiu o seu lugar na Jaguar.
Mas, ao chegar na Prost, Burti não encontrou um cenário dos mais promissores. A equipe tinha um ponto positivo com sua nova parceria técnica com a Ferrari, mas, tirando isso, ela sofria sérias dificuldades financeiras.
Para piorar, o brasileiro tinha um obstáculo particular: ele não conseguia se adaptar ao fato de o carro não contar com direção hidráulica, algo com o qual o novo seu parceiro, Jean Alesi, lidava bem melhor.
Então, as coisas não caminhavam bem para Burti. Ele até conseguiu se classificar à frente de Alesi em três etapas, mas, no geral, o rendimento do veterano francês era melhor. E, no decorrer da temporada, as dificuldades, tanto de desempenho e até para guiar o carro, começavam a ter um efeito em sua autoconfiança.
O grave acidente em Spa
Foi neste contexto que Burti chegou para o GP da Bélgica, a 14ª etapa da temporada de 2001. Naquela altura, ele já tinha ao seu lado um novo companheiro de equipe, o experiente Heinz-Harald Frentzen.
E, em uma classificação sob chuva, o alemão foi uma das grandes surpresas, e colocou o carro da Prost em uma improvável quarta posição no grid. Burti, em uma performance mais difícil, ficou apenas em 18º, sem conseguir abrir uma volta rápida quando a pista estava em melhores condições.
Na quarta volta da corrida, Burti atacava o ex-parceiro Eddie Irvine, que estava com o carro mais pesado e em uma estratégia diferente. Na curva Blanchimont, que não é conhecida como um ponto de ultrapassagem, o brasileiro tentou uma manobra, sendo que Irvine não esperava que Burti de fato mergulharia por dentro.
Então, Irvine colidiu com Burti, o que destruiu a asa dianteira da Prost. Sem sustentação aerodinâmica, o brasileiro passou reto, e ainda em alta velocidade, a estimados 260 km/h, bateu de frente na barreira de proteção. A desaceleração registrada no impacto foi de impressionantes 111G.
Inicialmente, a direção de prova acionou o safety car, mas pouco depois interrompeu as ações com uma bandeira vermelha, para a chegada do socorro médico. Com o impacto, o carro de Burti ficou completamente encoberto pelos pneus da barreira, sendo que o próprio Irvine, um amigo do piloto brasileiro, ajudou a remover aqueles pneus para desobstruir a cena para o resgate.
Burti foi retirado do carro e colocado na ambulância, e nessa altura os sinais já eram mais positivos. Burti chegou a ficar inconsciente, mas acordou com a chegada dos médicos e ficou bastante agitado.
Ao chegar no centro médico do circuito de Spa, Burti fez radiografias que descartaram qualquer fratura. Depois, foi transportado de helicóptero para o Hospital Universitário de Liege, a 40 km da pista, e foi sedado para passar por uma bateria de exames mais detalhados.
Uma tomografia verificou a presença de hemorragia cerebral e uma concussão, então os médicos o colocaram em coma induzido, para o cérebro naturalmente absorver este sangue. Além disso, Burti ficou com marcas no rosto, com inchaço e hematomas.
Pouco depois, a FIA se pronunciou sobre o acidente. Da a colisão em si, os comissários decidiram que se tratou de um “incidente de corrida”, portanto não aplicariam nenhuma punição aos envolvidos.
Já o presidente da entidade, Max Mosley, enalteceu as evoluções de segurança da F1. Ele lembrou que os monocoques passaram a ter uma proteção extra com uma camada adicional de Kevlar, como consequência do acidente de Michael Schumacher em Silverstone, dois anos antes. Esta adição, segundo Mosley, foi fundamental para manter a segurança de Burti, pelo menos do pescoço para baixo.
Como a região mais delicada era a cabeça, a recuperação foi cuidadosa. Burti acordou da sedação e deixou a UTI dois dias depois do acidente. Já no dia 10 de setembro, o brasileiro recebeu alta do hospital e continuou com sua recuperação em casa.
Porém, ele ainda sentia os efeitos da batida, especialmente por conta dos fortes remédios que ainda tomava para evitar convulsões, o que o deixavam com desorientação e problemas de memória.
Assim, Burti ficou de fora do restante da temporada de 2001, pois o perigo era que houvesse algum outro acidente, e um segundo impacto forte em sua cabeça tão pouco tempo depois da batida. Em seu lugar, entrou Tomas Enge, que terminou o ano no cockpit da Prost.
Pós acidente de Burti e evolução de segurança na F1
Burti nunca mais competiria na F1. A Prost decretou falência ao fim da temporada, sendo que Burti não tinha tempo, nem boa fase para encontrar uma outra vaga. No entanto, em seus tempos de Prost, conseguiu desenvolver uma boa relação com os engenheiros de motor da Ferrari que estavam com o time francês.
Assim, Burti fechou contrato para ser piloto de testes da toda poderosa Ferrari a partir de 2002. Só que tinha um problema: nem o próprio Burti sabia se já estava totalmente recuperado do acidente.
Sendo assim, ele voltou a um carro de corridas em um teste com um F3 em Brasília, o que mostrou que os reflexos estavam em dia. Já o retorno a um F1 aconteceu em janeiro de 2002, quando iniciou sua trajetória na Ferrari, e passou a fazer parte do time que enfileirou títulos até 2004. Mesmo assim, Burti reconheceu que levou cerca de dois anos para voltar totalmente ao normal.
A FIA usou o acidente de Burti para implementar mudanças em seus protocolos. Por exemplo, até então, a barreira de proteção era composta por quatro fileiras de pneus, que ficavam somente empilhados, sem que nada os mantivesse unidos.
Para evitar que os pilotos ficassem “soterrados”, assim como ficou o brasileiro, as barreiras passaram a contar com uma cobertura externa, que dificultava que os pilotos penetrassem a barreira e batessem com a cabeça nos pneus, como foi o caso de Burti.
Além disso, o acidente de Burti foi usado como elemento de estudo para o desenvolvimento do halo. Em suas simulações, a FIA concluiu que o utensílio, introduzido em 2018, teria um impacto positivo em Burti caso já estivesse implementado nos carros em 2001.
Já os capacetes antigamente costumavam contar com um buraco na região do queixo, que era feito para passar os tubos de rádio ou de bebidas. Isso deixava aquela zona mais frágil, e como a região foi severamente danificada no acidente de Burti, a prática de ter estes buracos passou a ser proibida.
Falando em capacete, a peça usada por Burti ficou em posse da FIA, mas em 2014, 13 anos depois do acidente, foi devolvida ao brasileiro, ainda com as marcas da batida. De acordo com o piloto, aquilo lhe traz uma memória positiva, já que, se não fosse por aquele capacete, a sua história poderia ter acabado naquela tarde em Spa.
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