A 2.606 metros em relação ao nível do mar, Hermanos Rodríguez á a pista de maior altitude do calendário da F1
(Foto: Pirelli)

Como a altitude afeta o desempenho de um carro de F1

Toda vez que um time de futebol vai jogar contra um adversário que tem seu estádio em uma cidade localizada em altitudes acima de 2 mil metros, fala-se muita da preparação e preocupação de como os jogadores comportarão em tal ambiente. Mas saiba que na F1 não é diferente.

A altitude afeta diretamente o desempenho dos carros. E não precisa ir tão alto. Em cidades como São Paulo, a cerca de 760 metros do nível do mar, ou Spielberg (GP da Áustria), a 660 metros, já acontece alguma interfere. No atual calendário, porém, a etapa em que esse efeito fica mais evidente é da Cidade do México, a 2.240 metros do nível do mar.

O mais curioso dessa situação é que não existe só uma consequência. Os efeitos são os mais diversos, tanto na questão aerodinâmica como na mecânica, e até no próprio piloto. E o regulamento também tem influência. Tanto que o desempenho dos carros no GP do México em relação a outras etapas no começo dos anos 90 era pior, enquanto dentro das atuais regras as velocidades são consideravelmente mais altas.

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O desafio aerodinâmico na altitude

A grande questão da altitude é que por conta da gravidade da Terra, o ar fica concentrado mais próximo do centro do planeta. Ou seja, quanto mais perto do nível do mar, a densidade é maior, pois existe mais moléculas em determinado volume. Por outro lado, quanto mais “subimos” nos distanciando desta faixa, como no alto de uma montanha, existe menos ar.

Até aqui, isso parece ciência de escola, não? Só que essa situação tem diversas implicações. Com o ar mais rarefeito, existe mais espaço entre as moléculas do ar. Isso significa basicamente uma pressão atmosférica menor. O carro de F1 precisa de ar para que seu projeto aerodinâmico funcione. O fluxo passa por asas, carenagem, defletores, assoalho e difusor, todas peças desenhadas para aumentar a pressão aerodinâmica dos carros. Na altitude da Cidade do México, por exemplo, todos esses dispositivos perdem mais de 25% de sua eficiência, pois menos ar passa por eles. Esse número pode variar dependendo do clima (se o ar está mais seco ou úmido).

E existe um lado bom e um ruim aqui. Como o ar é mais rarefeito, existe menos resistência. Ou seja, menos arrasto aerodinâmico nas retas, pois o carro precisa “furar” uma barreira menos densa de ar. Por isso, as equipes podem usar pacotes com ângulos das asas dianteiras e traseiras maiores, buscando mais pressão, que mesmo assim conseguirão boas velocidades de reta.

Por outro lado, se o pouco arrasto ajuda na reta, quando o piloto chega na curva, a conversa é outra. Para se ter ideia, as equipes utilizam no México praticamente a mesma configuração aerodinâmica de Mônaco, mas conseguem um efeito aerodinâmico menor do que o pacote de Monza, em que asas são colocadas em níveis bem baixos. Por isso, os pilotos sofrem com a falta de aderência, pois o pacote aerodinâmico não consegue gerar pressão suficiente pela falta de ar para empurrar o carro contra o solo.

Isso quer dizer que a aerodinâmica dos carros não importa no GP do México? Não! Um carro com maior refinamento nesta área consegue tirar aquela diferença necessária em uma pista em que os outros irão vão sofrer mais. Como em tudo na F1, é uma questão de encontrar o ponto ideal do acerto.

Existe mais uma questão aerodinâmica importante a ser apontada. Mesmo com a grande reta dos boxes do Hermanos Rodríguez, de 2.606 metros, a asa móvel e o vácuo não fazem tanta diferença. Preste atenção: não estamos dizendo que não fazem diferença, mas que têm efeitos menores. Isso porque o carro da frente também sofre menos resistência do ar, então, a diferença para o que vem atrás (teoricamente com menos arrasto) acaba sendo consideravelmente menor.

Motor e Turbo: o grande ponto na altitude

Se você já achou a questão aerodinâmica complexa, a interferência da altitude nas unidades de potência é tão grande quanto. E para explicar esse processo, é preciso entender o básico do funcionamento do equipamento.

O motor a combustão usa uma mistura de combustível com ar dentro do cilindro que ao entrar em contato com a faísca fornecida pela vela, explode e faz todo o sistema de pistão, biela e virabrequim iniciar o movimento que faz o carro andar. O ar é responsável por levar o combustível com mais velocidade para dentro do cilindro, além de carregar oxigênio, parte essencial na conta da eficiência energética.

O circuito Hermanos Rodriguez, no México, a uma altitude de 2,606 metros em relação ao nível do mar, em um dos grandes desafios técnicos para as equipes da F1
O circuito Hermanos Rodriguez, no México, a uma altitude de 2,606 metros em relação ao nível do mar, em um dos grandes desafios técnicos para as equipes da F1 (Foto: Simon Galloway / LAT Images /Pirelli)

Como você pode imaginar, como o ar é mais rarefeito em circuitos localizados em regiões mais altas, essa mistura de ar e combustível fica comprometida. Assim, o motor tem menos eficiência energética e perde potência. Em geral, a cada 100 metros que se sobe em relação ao nível do mar, os motores perdem 1% de potência. Então, podemos fazer a conta que no Red Bull Ring a perda é de 6,6%, em Interlagos, quase 8%, e no Hermanos Rodriguez, mais de 22%. São números consideráveis, principalmente no autódromo mexicano.

Só que essa conta vale basicamente para motores aspirados, que existiram na F1 até 2013. Nos últimos oito anos, a categoria adotou de forma obrigatória os turbos. E isso fez toda a diferença para o desempenho dos carros.

Isso acontece porque o turbo pega ar e injeta de volta no motor. Com menos resistência do ar, a turbina também consegue girar mais rápido. Desta forma, o sistema compensa de alguma forma a falta de ar na atmosfera. Isso faz com que os carros atuais da F1 sejam muito mais rápidos nas retas do Hermanos Rodríguez do que os que competiram por lá no começo dos anos 90.

Uma das melhores formas para entender como essa perda foi diminuída é uma comparação com Monza, o circuito que tem as maiores velocidades do calendário nas duas épocas. A 162 metros do nível do mar, o circuito italiano já apresenta uma perda de cerca de 1,6% de potência. Mesmo assim, é bem menor do que a que acontece na Cidade do México.

Em 1992, última edição do GP mexicano antes do retorno ao calendário na era turbo, Ricardo Patrese alcançou a velocidade máxima de 307,2 Km/h com sua Williams. O modelo era equipado com um Renault V10 de 3,5L aspirado. O traçado era diferente, menos travado, mas a reta tinha basicamente a mesma extensão e os carros entravam mais lançados saindo da Peraltada. Naquele mesmo ano, Jean Alesi bateu os 322,7 Km/h de Ferrari V12 de 3.5L aspirada.

No último GP do México realizado antes da pandemia, em 2019, Sebastian Vettel cravou 357 Km/h com sua Ferrari. Naquele ano, a velocidade mais alta em Monza foi da Racing Point de Sergio Pérez, com o motor Mercedes 1.6 V6 turbo, de 349 Km/h. Uma diferença brutal entre as eras dos aspirado e turbo.

Só que se o turbo ajuda por um lado, ele pode se tornar uma fraqueza do ponto de vista da confiabilidade. Como o ar é mais rarefeito a 2 mil metros de altura, a turbina precisa girar mais rápido para recuperar a mesma quantidade de ar do que no nível do mar e, assim, conseguir compensar a perda de potência natural do motor a combustão. Segundo projeções de algumas fornecedoras, a turbina, que normalmente gira a cerca de 100 mil RPM, passa a funcionar na casa dos 115 mil RPM.

Além do esforço extra, esse aumento também causa superaquecimento na peça. Obviamente é um estresse a mais para o equipamento, o que pode provocar quebras ou obrigar a opção por um mapeamento de motor menos exigente. Por isso, alguns motores conseguem andar pior ou melhor nesta situação, dependendo do projeto da turbina.

Refrigeração dos sistemas

A questão da altitude não para por aí. Com menos moléculas de ar na atmosfera para carregar o calor, a refrigeração do carro é um problema sério. Por isso, as equipes muitas vezes precisam trabalhar com configurações e mapas que não estressem tanto o motor, deixando o limite de RPM mais baixo.

Sistemas eletrônicos e outros que ficam por baixo da carenagem também podem sofrer problemas por não serem resfriados da forma correta. Por isso, as equipes muitas vezes precisam aumentar as entradas de ar de seus modelos e até mesmo abrir novas.

Interlagos, em São Paulo
Localizado na zona sul de São Paulo, Interlagos é a segunda pista de maior altitude da F1, entre 750 e 800 metros e relação ao nível do mar (Foto: Pirelli)

E claro, freios e pneus aqui são um ponto complicadíssimo de administração. Algumas equipes, inclusive, precisam usar dutos de refrigeração dos discos de freios adaptados para o desafio, como no GP do México.

Em outras pistas em que o calor é forte, mas que ficam mais próximas do nível do mar, esse problema é ainda mais grave por conta das consequências aerodinâmicas. Em um circuito como o da Cidade do México, como a aerodinâmica já está comprometida, a questão é “menos pior”. No entanto, merece atenção.

O piloto também sofre

E finalmente, chegamos à questão humana. Com menos ar para respirar e menos oxigênio circulando no corpo, pilotos e mecânicos sofrem maior fadiga. O ar mais rarefeito também causa aumento de pressão, o que pode resultar em dores de cabeça e enjoos. É o mesmo problema que atletas de outros esportes enfrentam em competições nesta situação.

E isso vale tanto para o esforço contínuo e de longo tempo dos pilotos durante a corrida, como aquele movimento tenso e rápido dos mecânicos no momento da troca de pneus, que exige concentração, reflexo e uma respirada profunda antes da ação.

Aqui, não existe muito o que fazer, a não ser uma intensa preparação física antes de ir para um local de altitude para o corpo estar preparado e conseguir manter o ritmo cardíaco mais baixo e controlado para exigir menos oxigênio na corrente sanguínea.

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