Anthoine Hubert morreu em acidente da F2 em 2019
(Foto: Colin McMaster/FIA F2)

Anthoine Hubert: investigação da FIA esclarece detalhes da tragédia na F2

A FIA divulgou as conclusões da extensa investigação que conduziu sobre o acidente que tirou a vida de Anthoine Hubert na etapa de Spa-Francorchamps da F2, em agosto de 2019. Informações importantes vieram à tona, o que ajuda a entender os detalhes que resultaram na tragédia.

Hubert, que tinha 22 anos e era membro do programa de pilotos da Renault, perdeu a vida em uma colisão múltipla nos instantes iniciais da etapa de abertura da rodada na Bélgica. Seu carro colidiu com a barreira de proteção na saída do complexo Eau Rouge/Raidillon, e posteriormente foi atingido em cheio pelo americano Juan Manuel Correa.

O francês teve seu falecimento confirmado poucas horas depois, enquanto que Correa passou duas semanas em coma induzido, enfrentou problemas pulmonares e foi submetido a diversas cirurgias para evitar uma amputação de sua perna direita.

Por questão de precaução e responsabilidade, a FIA evitou fazer coro a especulações e divulgar informações até que elas tenham sido completamente apuradas. Agora, em fevereiro, a entidade chegou a conclusões que traçam os acontecimentos de forma mais precisa – a versão original, em inglês, pode ser encontrada aqui.

Na última sexta-feira (7), a FIA detalhou: “A investigação incluiu entrevistas com aqueles envolvidos, inspeção das evidências físicas, análise do material em vídeo disponível, além de examinação dos dados da equipe de Registro de Dados e do Registro de Dados de Acidentes. O trabalho passou por uma revisão por parte do Grupo de Pesquisa da FIA, presidida pelo professor Gérard Saillant. As descobertas foram aprovadas pela Comissão de Segurança da FIA, que é liderada pelo presidente Sir Patrick Head, e foram apresentadas ao Conselho Mundial do Esporte a Motor.”

Por mais que a colisão em si que resultou na fatalidade tenha envolvido apenas Anthoine Hubert e Juan Manuel Correa, houve outros pilotos que participaram dos lances que culminaram na batida. Eles foram Giuliano Alesi, francês, e Ralph Boschung, suíço.

De acordo com a FIA, todo o lance durou 14s6. Alesi, o décimo colocado da corrida, perdeu o controle de seu carro na segunda volta de prova na subida da Raidillon, com uma “razoável probabilidade” (utilizando as mesmas palavras da FIA) de a causa ter sido uma perda de pressão em seu pneu traseiro direito. Alesi, filho do ex-F1 Jean Alesi, rodou e colidiu com a traseira na barreira de pneus 1s9 depois, e seu carro posteriormente foi jogado à pista, além de deixar detritos espalhados.

Anthoine Hubert na etapa de Spa em 2019
Anthoine Hubert na etapa de Spa em 2019 (Foto: Joe Portlock/LAT Images/FIA F2)

Boschung e Hubert, que vinham imediatamente atrás, jogaram seus carros para o lado direito da pista a fim de evitar o contato com os detritos de Alesi. Os dois queriam desviar de tal forma que chegaram à área de escape do lado oposto ao acidente. Tudo isso aconteceu antes do acionamento oficial da bandeira amarela – o que só veio a acontecer 1s8 depois do contato do carro de Alesi com a barreira de proteção.

A FIA aponta que, no processo, Boschung “reduziu de forma mais abrupta” do que Hubert, até porque o suíço era o piloto que vinha imediatamente atrás de Alesi. Por isso, Hubert teve de desviar ainda mais para o lado direito, mas ainda assim ele colidiu com o carro de Boschung. Isso quebrou a asa dianteira do carro de Hubert e provocou um furo no pneu traseiro do suíço.

O dano da asa dianteira prejudica intensamente a condução de um carro de fórmula. Hubert, que vinha a 262 km/h, não conseguiu segurar seu carro e foi descontrolado em direção à barreira de pneus do lado direito da pista. Segundo os dados da FIA, Hubert bateu em um ângulo de 40º, em uma velocidade de 216 km/h – o que gerou uma desaceleração de 33.7 g.

Depois do impacto, o carro de Hubert é jogado de volta ao traçado, rodando, e fica com o lado esquerdo virado para os carros que contornavam a curva e tentavam fugir da confusão. Jordan King, o 13º colocado da prova, consegue escapar, mas não acontece o mesmo com Correa, que vinha em 14º.

O americano, confirmou a FIA, passou por cima de detritos do carro de Alesi na saída da Raidillon, o que danificou sua suspensão e quebrou sua asa dianteira. Isso também deixou o carro de Correa inguiável. Para piorar, isso o colocou em rota de colisão com Hubert, que estava no topo da colina, de forma que Correa não conseguiria desviar. O impacto aconteceria 1s6 depois do americano encontrar os detritos.

A colisão entre Correa e Hubert se deu em um ângulo de 86º, ou seja, foi praticamente o que o mundo do automobilismo chama de “acidente em T”. No momento do impacto, Correa estava a 218 km/h, o que aplicou no americano uma força de 65.1 g.

Para Hubert, a situação era mais grave. Seu carro estava “virtualmente estático” antes do impacto (novamente parafraseando o relatório da FIA), então a colisão com Correa o fez acelerar, de forma abrupta, a 105,4 km/h, o que resulta em uma força de 81.8 g no corpo do francês. Hubert ainda colidiu mais uma vez com a barreira de pneus, foi arremessado de volta ao traçado e foi parar do lado oposto da pista.

A direção de prova reagiu: bandeiras amarelas duplas foram acionadas 2s5 depois do impacto, mas, passados mais 2s7, foi aplicada a bandeira vermelha, interrompendo imediatamente a corrida. O carro de Correa só pararia 2s6 mais tarde, de cabeça para baixo.

O cenário descrito pela FIA se assemelha muito à animação abaixo, publicada no YouTube no mesmo dia do acidente. A ressalva é de que o “BOS” que é mencionado na transmissão é Ralph Boschung, e não Dorian Boccolacci como descrito. 

Trabalho dos médicos em Spa-Francorchamps no resgaste de Hubert

A FIA também deu detalhes sobre a atuação dos médicos no resgate do acidente. Segundo as investigações, o grupo médico foi acionado 12s após Giuliano Alesi perder o controle de seu carro, antes mesmo de o carro de Juan Manuel Correa terminar de se arrastar pela pista após a batida em Anthoine Hubert.

Os fiscais tiveram de apagar um breve incêndio no carro de Correa, o que aconteceu 16s após a bandeira vermelha ser acionada, sendo que o fogo foi controlado em apenas 2s. Já o americano começou a ser atendido 1min09s depois da batida. Os responsáveis por remover os pilotos dos carros chegaram à cena 2min depois de tudo.

Diante de todo o cenário, a FIA concluiu que:

  • Uma cadeia de eventos resultou em um acidente prolongado e complexo, que envolveu quatro pilotos e, no fim, resultou em um acidente em T entre Juan Manuel Correa e Anthoine Hubert;
  • A dinâmica do impacto entre os carros em termos de velocidade e trajetória foi de tal forma que resultou em um nível extremamente alto de energia que foi transferido e dissipado, o que resultou a Anthoine Hubert um trauma ao qual não era possível sobreviver, e rendeu lesões muito sérias a Correa;
  • Não houve uma causa específica, mas foi possível identificar muitos fatores que aumentaram a gravidade do acidente;
  • A investigação concluiu que não houve evidência de que algum dos pilotos não tenha reagido de forma apropriada em resposta à bandeira amarela ou às circunstâncias na pista;
  • A reação dos fiscais e da direção de prova na sinalização e nos serviços de resgate foi considerada apropriada e boa.

Apresentados os resultados da investigação da FIA, alguns pontos podem ser observados. Todos estes tópicos acima, sobretudo os dois últimos, trazem à tona um lado desagradável do automobilismo: mesmo que não haja uma grande falha, seja humana, de tecnologia ou de procedimento, ainda assim existe o risco de um evento resultar em fatalidade. É algo que acaba, infelizmente, sendo inerente de uma prática que conta com carros andando em alta velocidade, próximos uns dos outros e em um circuito fechado.

Neste caso, foram pequenos incidentes que ocorreram de forma isolada, em uma fase da prova em que todo o pelotão ainda estava compacto, e cada ocorrência resultava em uma mais grave. No fim, mesmo que todos os pilotos e a direção de prova tenham agido dentro da normalidade, ainda assim o evento resultou na trágica perda de um jovem talento. 

A FIA utilizará a oportunidade para tentar ver as possíveis lições e extrair um aprendizado, mesmo que não haja uma brecha muito óbvia. De fato, as forças às quais o corpo de Anthoine Hubert foi submetido (primeiro de 33.7 g, depois de 81.8 g) criam uma situação que por si só desafia os limites do corpo humano. Mesmo assim, os estudos devem seguir para deixar todos os procedimentos e os carros atuais, que já possuem um grande nível de proteção, ainda melhores.

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