Ginny e Frank Williams
(Foto: F1/Reprodução)

Como a paixão de duas mulheres manteve a Williams viva na F1

Sempre que se falar das vitórias e títulos da grande equipe Williams, todos os fãs do automobilismo vão pensar em Frank, o fundador e principal rosto da história do time. E claro que isso é mais do que merecido: o ex-dirigente, que morreu no último 28/11, aos 79 anos, foi o líder e tomador de decisões. Mas duas mulheres, muitas vezes subestimadas por suas participações, também foram essenciais para a organização: Ginny e Claire Williams.

Sem essas duas, muito provavelmente a Williams nunca teria se tornado tão grande ou até sobrevivido na F1 até que pudesse ser vendida, como aconteceu em 2020, para um grupo de investidores com sede nos Estados Unidos.

Virginia Williams, mais conhecida como Ginny, foi companheira de Frank de 1970 até sua morte, em 2013, em decorrência de um câncer. Ela tinha uma vida estável e tranquila, e estava noiva de um piloto de F3. Frequentando o meio, acabou conhecendo durante Frank Williams, ainda um mecânico com sonhos de ser dono de equipe, competindo em corridas de base durante os anos 60.

Ela largou o noivo e se juntou a Frank. O livro “Um Tipo Diferente de Vida”, escrito pela própria Ginny, em 1991, e o documentário “Williams”, de 2017, falam e mostram de forma até chocante como foi a união desses dois. Frank nunca foi um marido realmente presente. Ele teve diversos casos enquanto viajava com sua equipe, e quando estava em casa, não era exatamente um companheiro ou, depois, um pai de primeira ordem. A equipe de corridas sempre esteve em primeiro lugar em seus pensamentos.

Ginny sempre foi absolutamente apaixonada por ele. E entendeu, apesar de lamentar em seu livro, essa ausência. Também fechou os olhos para as traições, provavelmente sob influência do pensamento machista sobre o papel do homem e da mulher em um casal que é imposto por boa parte da sociedade. Mas fez mais do que isso. Ainda no início do relacionamento, vendeu seu apartamento em Londres, único bem que tinha em seu nome, e deu o dinheiro para Frank investir na equipe.

Além disso, assumiu as responsabilidades de pagar as contas e negociar dívidas. Ela achava que Frank precisava estar focado apenas na parte técnica e na pista para aquela equipe um dia dar certo. Por isso, não queria que ele se preocupasse com o fato de que por muitos anos, eles simplesmente não tinham dinheiro para nada.

E a aposta deu certo. Ao final de 1976, a primeira equipe de Frank Williams acabou sendo vendida para o empresário canadense Walter Wolf, que mudou seu nome de Frank Williams Racing Cars para Walter Wolf Racing. Ele convenceu um de seus engenheiros, Patrick Head, a se juntar a ele para fundar um novo time, a Williams Grand Prix Engineering, que é a organização que temos hoje no grid.

Durante os mais de 40 anos juntos, Frank sempre deu ouvidos para os conselhos de sua esposa. Especialmente quando se referiam a pilotos. Uma história famosa dessa relação é que certa vez eles receberam um piloto para dormir em casa ainda nos primeiros anos da equipe. No dia seguinte, Ginny disse ao marido que aquele piloto nunca seria campeão porque não tinha um instinto matador. “Por que você achou isso?”, teria perguntado Frank. “Por que ele arrumou sua própria cama ao acordar”, respondeu.

E quem foi a responsável por encontrar um galpão para sede da nova equipe? Claro, Virginia Williams. O time se assentou em Didcot, e a partir daí só cresceu. Foi, no entanto, em 1986, que a equipe enfrentou um de seus grandes desafios. Frank Williams estava em um carro no sul da França, retornando de uma sessão de pré-temporada em Paul Ricard, quando sofreu um forte acidente.

Ele quebrou o pescoço e os médicos logo constataram que ele ficaria tetraplégico. Ao chegar ao hospital, Ginny recebeu a opção de desligar os equipamentos que mantinham Frank vivo naquele momento, mas, como a própria mesmo conta em seu livro, ela não se conformava com a possibilidade de perdê-lo.

Virginia Williams levanta a taça da vitória do GP da Grã-Bretanha de 1986 pela Williams
Virginia Williams levanta a taça da vitória do GP da Grã-Bretanha de 1986 pela equipe Williams (Foto: Williams)

Frank Williams realmente ficou sem movimentos das pernas e bastante limitado nos braços, mas se recuperou a ponto de voltar aos autódromos no mesmo ano para acompanhar uma vitória de sua equipe, com Nigel Mansell, em casa, no GP da Grã-Bretanha, em Silverstone. Coube a Ginny representar a equipe no pódio e receber a taça de construtores, em um momento que ficaria marcado na história da F1 pela expressão facial da mulher que tinha suportado tantas coisas, e sabia que muito mais vinha pela frente, mas sabia da importância daquele triunfo para a equipe e para sua família.

Claire Williams e a luta pela sobrevivência no grid

Em todo esse contexto, Virginia e Frank Williams criaram seus três filhos: Jonathan, Claire e Jaime. Frank nunca quis familiares trabalhando em sua equipe, mas acabou cedendo aos poucos com os acontecimentos do tempo. O mais curioso é que em um ambiente tão masculino e machista como o automobilismo, foi justamente sua única filha que trilhou o caminho ao topo da organização, mesmo sem a benção completa do pai.

Claire Williams se formou no curso de Política na Universidade de Newcastle e ao sair da faculdade conseguiu um emprego na assessoria de imprensa do circuito de Silverstone, ao final dos anos 90. Seu irmão mais velho, Jonathan, já trabalhava na equipe na época e, segundo a própria Claire, nunca gostou da ideia dela também integrar a empresa da família.

“Depois de cerca de três meses de lobby por parte do gerente de marketing na época, papai relutantemente concordou em me deixar assumir como teste de marketing”, contou a própria Claire à revista The Spectator em abril de 2021.

Ela começou também trabalhando na assessoria de imprensa, e aos poucos foi subindo na hierarquia do time, chegando a diretora de marketing e comunicações. Nesta época, inclusive, os Williams tinham um investidor ainda desconhecido no meio da F1, mas se tornaria em um futuro próximo um dos nomes mais importantes da categoria: Toto Wolff.

No GP da Espanha de 2012, após oito anos longe do degrau mais alto do pódio, a Williams voltou a vencer uma corrida, com Pastor Maldonado. Por coincidência, Ginny também estava na prova naquele dia, para uma celebração em conjunto com Frank e Claire nos boxes. Ela morreria menos de um ano depois.

Da esquerda para a direita na linha da frente: Claire Williams, Frank Williams, Ginny Williams e Toto Wolff, celebrando a vitória da Williams no GP da Espanha de 2012 (Reprodução)

Muitas pessoas próximas de Frank Williams dizem que a morte de sua esposa o deixou terrivelmente abalado e que ele nunca mais se recuperaria da perda. Tanto que apenas algumas semanas depois, já sem condições físicas e psicológicas de administrar o time há algum tempo, ele finalmente resolveu deixar o comando, apesar de seguir com o título do cargo. E Claire Williams acabou sendo escolhida como a nova chefe da equipe.

Jonathan, seu irmão, nunca escondeu que ficou frustrado em ver a promoção dela. Ao mesmo tempo, ele permaneceu fora dos holofotes das competições ao ficar responsável por conduzir o departamento de patrimônio e história da Williams, que restaura e comercializa carros antigos do time, além de administrar o museu e promover eventos.

Claire foi responsável então por iniciar uma reestruturação na Williams para criar uma empresa profissionalizada, e não dependente de um ente da família ou acionista principal para tomar as decisões. Colocou executivos para administrarem a empresa de um ponto de vista mais amplo enquanto ela focava na operação de corrida. E ainda ali, sempre tomou o cuidado de tentar se cercar de pessoas do meio.

Mesmo lutando em águas revoltas, muitas escolhas durante seu tempo deram certo. A mudança dos motores Renault para os Mercedes e a dupla formada pelo experiente Felipe Massa e o novato campeão da GP3 Valtteri Bottas (empresariado por Wolff) foram duas delas. Depois de sete temporadas consecutivas terminando entre sexto e nono no campeonato de construtores, a Williams ficou por duas vezes em terceiro em 2014 e 15. E ainda terminou em quinto nos dois anos posteriores.

Só que a falta de dinheiro começou a pesar quando a unidade de potência da Mercedes deixou de ser uma grande vantagem no pelotão intermediário por si só. Sem ter recursos para investir em desenvolvimento do chassi, o time voltou a andar para trás e teve que apostar no dinheiro de pais bilionários como Lawrence Stroll e Michael Latifi para sobreviver.

O fato de ser mulher e herdeira do time acabou sempre pesando nas críticas de fãs e parte da mídia. Talvez até mais do que sobre dirigentes e corpo técnico homens em posições semelhantes. Caso por exemplo de Paddy Lowe, engenheiro de sucesso na McLaren e Mercedes e que chegou na Williams em 2017 para se tornar acionista, mas fracassou em seu projeto de forma retumbante. Claire, no entanto, nunca baixou a cabeça quando precisou representar a equipe e enfrentar desafios internos.

Mas depois de anos lutando contra grandes empresários e montadoras na F1 financiando os adversários, ela percebeu que a Williams tinha dois caminhos a partir da virada da década de 2020: morrer nas mãos da família ou seguir em frente com novos proprietários.

“Temos que colocar nossa equipe em primeiro lugar. Sempre fizemos isso por quatro décadas em que corremos neste esporte. Essa equipe sempre foi nosso coração, o centro da nossa família. Sempre a colocamos em primeiro lugar, então, tomar essa decisão foi relativamente fácil neste sentido, pois queríamos garantir que a equipe tenha um futuro forte, que vá sobrevier, e que fará isso com grande sucesso”, declarou Claire no anúncio da venda da Williams para  o grupo de investimentos privados Dorilton Capital.

Assim como Ginny, Claire sempre lutou pela equipe Williams não só por ser a empresa da família, mas porque a equipe fazia parte do clã. Do lado bom, pelo sucesso e dinheiro que rendeu pelos anos para a família, e também pelo ruim, pela forma como em muitos momentos afastou Frank de casa, esposa e filhos. Elas lutaram e, se Frank Williams recebeu prêmios e é sempre reconhecido por seus feitos como proprietário de equipe de F1, elas também estiveram – não por trás, como diz o ditado – ao seu lado. E, em muitos momentos, como pilar principal da organização.

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