(Foto: Mark Sutton / LAT Images/Haas))

Constrangimento e polêmica: o calvário da Haas com patrocinadores na F1

A Haas, única equipe americana da F1, adota uma abordagem particular desde que entrou na categoria. O time não tem o histórico de fechar muitos acordos de patrocínio, sendo que as operações sempre tiveram um grande pilar financeiro nas empresas e fortuna de seu fundador. 

No entanto, uma tendência particular se apresentou na equipe em sua curta trajetória na F1. Os únicos patrocínios de grande porte da Haas acabaram por render muita dor de cabeça e problemas de imagem para a equipe, e cada um de um jeito diferente. Mas o que aconteceu?

A Haas, última equipe a entrar na F1 com uma estrutura criada do zero, se destacou desde o início pela eficiência em seu planejamento estratégico. Fundada por Gene Haas, empresário americano do ramo da automação e proprietário de um time na Nascar, a operação traçou logo no princípio uma estreita parceria técnica com a Ferrari, o que proporcionou um começo forte. Por exemplo, ela pontuou em três de suas primeiras quatro corridas na F1, em 2016, e terminou o Mundial de Construtores em uma forte quinta posição em 2018. 

No entanto, mesmo se tornando uma equipe sólida do pelotão intermediário, a Haas ainda precisava reforçar a sua situação financeira. O time competia na F1 sem a presença de grandes patrocinadores, sendo que a operação era bancada majoritariamente pelo próprio Gene Haas e suas empresas. Então, para 2019, a Haas teria pela primeira vez um patrocinador master: a Rich Energy Drink.

Foi um acordo que gerou desconfiança praticamente desde o anúncio. Afinal, tratava-se de uma obscura empresa de bebidas energéticas, cujos produtos eram raramente encontrados em lojas mundo afora – então, era difícil verificar publicamente sua procedência. Mesmo envolvida em tanto mistério, a empresa tinha um discurso ambicioso. Seu fundador, William Storey, expressava seus planos de rivalizar com a Red Bull não apenas no mercado de bebidas, mas também dentro das pistas. Tanto que, em meados de 2018, a Rich Energy tentou comprar o espólio da Force India quando esta entrou em recuperação judicial, só que teve sua oferta rejeitada. Contudo, isso não o fez desistir do plano de entrar na F1.

No GP dos Estados Unidos daquele ano, Storey foi a Austin como convidado da Williams, e teve um jantar marcado com Claire Williams para discutir um possível patrocínio. Porém, o empresário deu os canos na dirigente e foi negociar com a Haas, e um grande acordo foi firmado entre as partes pouco depois. A partir de 2019, os carros da equipe americana passariam a ser pintados de preto e dourado, cores da Rich Energy, sendo que o nome oficial da Haas passaria a ser Rich Energy Haas F1 Team.

Primeiros problemas para a Haas dentro e fora da pista

Depois de primeiros anos bastante promissores, a situação da Haas pouco a pouco saiu dos trilhos. Em 2019, o carro da tinha dificuldades com os pneus da Pirelli em condições de corrida, e era bem menos competitivo do que nas temproadas anteriores.

Pilotos da Haas em 2018, Romain Grosjean e Kevin Magnussen, ao lado do chefe da equipe, Guenther Steiner, e o proprietário da Rich Energy, William Storey
Pilotos da Haas em 2018, Romain Grosjean e Kevin Magnussen, ao lado do chefe da equipe, Guenther Steiner, e o proprietário da Rich Energy, William Storey (Foto: Haas)

As coisas ganharam um tom bizarro. Em julho, a Rich Energy publicou em seu Twitter que encerraria de imediato o contrato com a Haas devido à “performance ruim”, já que ela queria “bater a Red Bull”, mas ficou “atrás da Williams no GP da Áustria, o que era inaceitável”. Os acionistas da Rich Energy insistiram que aquele não era o real posicionamento da empresa, e que a conta havia tido sua senha modificada por Storey, que fez a publicação por iniciativa própria.

Enquanto isso, a conta no Twitter continuava ridicularizando a Haas, dando um caráter surreal e amador à história toda. Apesar disso tudo, o acordo de patrocínio durou por mais alguns meses e só foi rompido em setembro, dando um fim melancólico à primeira experiência da Haas com um patrocinador de maior destaque. 

E, além do arranhão que sofreu termos de imagem, tudo isso também teve um impacto no orçamento. Novamente sem um patrocinador, a equipe precisou de uma injeção financeira de Gene Haas e de suas empresas. Em 2020, com a chegada da pandemia, a Haas reconheceu que seu maior feito naquele ano foi sobreviver, já que o time ponderou seriamente não assinar o novo Pacto de Concórdia e sair da F1. Ou seja, de 2021 em diante, a equipe precisava urgentemente de um reforço em sua receita, e teve de recorrer a pilotos pagantes. Foi aí que entrou em cena a Uralkali.

O polêmico parceiro russo

Ao contrário da Rich Energy, que tinha um retrospecto obscuro, a Uralkali é bastante conhecida em seu meio, já que é uma das maiores empresas russas de fertilizantes de fosfato. Um de seus diretores não-executivos e principais acionistas é Dmitry Mazepin, pai do piloto Nikita Mazepin e que tentou de alguma forma abrir os caminhos de seu filho até chegar à F1.

Ele também tentou comprar a Force India em 2018, e entrou na justiça britânica quando sua oferta foi preterida, mas foi derrotado. Então, Mazepin pai viu uma oportunidade na Haas, o que seria valioso tanto para ele como para a equipe. Assim, um acordo foi fechado para começar em 2021, também com um patrocínio master, transformando o nome oficial da operação em Uralkali Haas F1 Team, e tornando Nikita Mazepin um de seus pilotos titulares.

Este acordo de patrocínio também gerou controvérsia. Primeiro, chamou a atenção o fato de que o novo carro da Haas passava a contar com a bandeira russa em sua pintura. Ao fim de 2020, bandeira, hino e o nome da Rússia estavam suspensos de eventos esportivos internacionais, o que incluía a F1, devido a um grande escândalo de doping – já explicamos essa história em um vídeo do Projeto Esporte, nosso canal dedicado a esportes em geral. Então, pensava-se que a pintura era uma forma de burlar esta punição. O assunto chegou a ser investigado pela FIA e Agência Mundial Antidoping, mas, no fim das contas, a pintura foi liberada. 

Outro fator que jogava grande polêmica sobre o acordo era o próprio Nikita Mazepin. Com um retrospecto controverso na base, que já contamos em outro vídeo por aqui, o russo esteve no foco da opinião pública quando postou nas redes sociais um vídeo em que assedia uma amiga. O piloto depois pediu desculpas e alegou que era só uma brincadeira, e a Haas condenou o vídeo e classificou o episódio como “abominável”. No entanto, ficou por isso mesmo. Durante o campeonato, o piloto foi bastante ofuscado na pista por seu parceiro de equipe, Mick Schumacher. Mas, por ter um grande aporte financeiro por trás, o russo permaneceu como titular da Haas. 

Só que aí chegamos a 2022. Com a escalada das tensões no Leste Europeu, incluindo o início dos ataques da Rússia ao território ucraniano, as coisas chegaram a uma situação bastante crítica. Mas como isso afetou a Haas? Bem, primeiro porque, como resposta à ofensiva militar russa, os Estados Unidos e a Europa se posicionaram em favor dos ucranianos, e impuseram uma série de sanções econômicas contra a Rússia.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, em reunião em janeiro de 2022 com o empresário Dmitry Mazepin (Foto: Uralkali/Divulgação)

E vai além disso: Dmitry Mazepin é um grande aliado de longa data do presidente russo, Vladimir Putin, o mentor da guerra na Ucrânia. Logo após o início do conflito, inclusive, Mazepin foi um dos empresários convidados pelo Kremlin para fazer reuniões com Putin e analisar o cenário ao lado de outras figuras de destaque para a economia do país. Para a Haas, uma equipe americana com operações na Inglaterra, ver uma relação tão íntima de seu principal patrocinador com o governo de Putin em plena guerra é uma situação para lá de complicada. 

A equipe tomou uma primeira atitude nos testes de pré-temporada em Barcelona, retirando de sua identidade visual qualquer menção à Uralkali e à bandeira da Rússia, usando uma pintura toda branca. Mas ainda não se sabe o que vai acontecer depois. A FIA, ao contrário do que fez outras entidades esportivas, permitiu que pilotos russos continuassem participando de suas competições, e baniu apenas as menções ao país. Porém, a federação britânica, por exemplo, proibiu a participação de russos em eventos no país, o que significaria que Mazepin não poderia participar do GP em Silverstone. 

Ainda há outras coisas que precisam ser esclarecidas, como se Uralkali conseguirá manter a capacidade de investimento com as sanções econômicas em vigor, ou até mesmo se não seria insustentável em termos de imagem a permanência de um patrocinador aliado de Putin em uma equipe americana. E é importante destacar que este é o panorama até o momento em que concluímos a produção deste vídeo. Os acontecimentos ainda estão em desdobramento, então vale ficar de olho no noticiário.

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