Nova morte em Spa incita discussão sobre a pista e protocolo da FIA
No último final de semana, o automobilismo internacional sofreu uma perda com a morte do piloto Dilano van ‘t Hoff, de 18 anos, durante uma prova da Freca (Fórmula Regional Europeia pela Alpine), categoria de base que estaria logo abaixo da FIA F3. O acidente aconteceu no circuito de Spa no trecho na saída da Raidillon.
O ponto é praticamente o mesmo onde morreu há quatro anos o francês Anthoine Hubert, em uma prova da F2 que acontecia durante a realização do GP da Bélgica de F1. Os dois acidentes tiveram diferenças importantes, mas chama a atenção a questão de ambos terem naturezas semelhantes com a de uma batida envolvendo vários carros e que algum volta para o meio do traçado e é acertado por outro competidor que vem atrás em alta velocidade.
A nova morte em Spa levanta questionamentos importantes. A primeira é sobre o circuito de Spa. Após uma longa investigação sobre o acidente de Hubbert, a qual o Projeto Motor já esmiuçou detalhes aqui, o autódromo passou por reformas importantes para tentar aumentar a sua segurança no trecho que se inicia com uma forte subida a partir da Eau Rouge, passa pela Raidillon e encaminha os carros para a longa reta Kemmel.
Todo esse percurso é feito em alta velocidade e com uma visão bastante limitada para os pilotos por conta do relevo e o muro e árvores próximas. É uma subida bastante íngreme em que os volantes estão contornando curvas em aceleração quase plena sem verem exatamente o que vem pela frente.
Por isso, em 2022, Spa recebeu a F1 com novidades. Entre as principais alterações, as áreas de escape que ficam por fora da Eau Rouge e depois da Raidillon foram aumentadas. Além disso, os muros que acompanham todo o complexo de curvas na subida tiveram seu ângulo bastante modificado dos dois lados da pista. A ideia era evitar com que os carros continuassem a bater no local e voltar para o traçado.
As curvas e o trajeto da pista em si não foram modificados na esperança de se manter intacto um dos trechos mais famosos e tradicionais de todo o calendário não só da F1 como do automobilismo internacional. Só que um ano após toda essa reforma, a morte de Van ‘t Hoff trouxe de novo assunto sobre a necessidade – ou não – de uma alteração do traçado belga, mesmo que se abrindo mão de uma sequência ícone do esporte a motor.
O acidente de Van ‘t Hoff em Spa
A dinâmica do acidente que terminou com a morte de Van ‘t Hoff lembra a de Hubbert, mas tem diversas diferenças importantes. Para começar, a pista estava molhada, o que além de diminuir a aderência dos carros em relação ao asfalto, também limita a visibilidade à frente por conta do spray de água lançado pelos veículos à frente.
A batida aconteceu logo após uma relargada, faltando apenas uma volta para o final da corrida. A prova tinha sido neutralizada com safety car justamente por conta da intensidade da chuva, que tinha apertado alguns minutos antes.
A transmissão da corrida não captou as imagens do acidente, porém, pouco tempo depois da tragédia, vídeos realizados nas arquibancadas de Spa começaram a circular o YouTube e redes sociais. É possível verificar que a confusão começou entre a saída da Raidillon e a tomada da Kemmel (uma pequena curva à direira), porém, o problema maior aconteceu mais para frente, já na entrada da reta Kemmel, onde os muros não passaram pela revisão de 2022 e estão mais próximos da pista.
Van ’t Hoff perdeu o controle de seu carro e se envolveu em um toque com outro piloto. Seu carro seguiu deslizando para o meio da reta, onde foi acertado com força pelo monoposto de outro competidor que vinha em alta velocidade logo atrás.
É uma diferença importante em relação ao acidente de Hubbert, que aconteceu no seco e logo na saída da Raidillon. Assim, apesar da natureza das duas tragédias serem praticamente a mesma (carros voltando para a pista e acertados em “T” por alguém que vinha atrás), o ponto exato e as condições da pista não eram as mesmas.
Stroll defende mudanças em Spa
Durante o GP da Áustria do último final de semana, Lance Stroll foi um dos pilotos mais vocais sobre a situação e se posicionou radicalmente a favor da mudança imediata do circuito de Spa para que não só a F1 como outras categorias possam continuar competindo no local.
“Não é justo o que aconteceu e aquela curva precisa ser revisada e alterada, pois perdemos dois jovens talentosos em cerca de cinco anos. Ela precisa ser modificada, apenas aquela curva. Estamos indo para lá em algumas semanas. É horrível o que aconteceu, perdemos um integrante da família do automobilismo”, declarou o canadense em coletiva no sábado (01), dia da morte de Van ‘t Hoff.
“Precisamos pensar seriamente sobre o que fazer com aquela curva, pois nunca é divertido passar por ali. Toda vez que passamos por ali, estamos colocando nossas vidas em risco. E hoje, vimos algo ruim acontecer, e não está certo”, continuou.
O piloto da Aston Martin ainda lembrou que a F1 irá correr em Spa em três semanas e que, junto com a categoria principal, também acontecem corridas de base da F2 e F3 em que os carros possuem menos pressão aerodinâmica e, assim, correm mais riscos de acidentes no local.
“Mesmo que esteja no seco, se alguém perde o controle do carro, é uma curva cega, você bate no muro e alguém vem atrás no meio da pista. O carro bate em você a mais de 300 Km/h e você está frito”, descreveu.
Chuva e o protocolo de relargada da FIA é criticado
Mais do que o traçado em si, vários pilotos da F1 chamaram a atenção para como a direção de prova lidou com a situação da relargada da corrida para apenas uma volta em condições adversas por conta da chuva e da pista já bastante molhada.
Fernando Alonso apontou que a visibilidade na chuva nos monopostos atuais é sempre um problema em circuitos de alta como Spa, pois hoje os pilotos ficam posicionados bastante afundados dentro do carro e com o olhar na linha do cockpit, diferente de até os anos 90, quando cabeça e até parte do tronco ficavam acima.
“Eu não sei realmente se é a pista ou apenas a velocidade e a visibilidade. Acho que o grande o problema é a visibilidade. Não é que não podemos pilotar na chuva, quando vemos tantas bandeiras vermelhas, adiamentos e os fãs frustrados em casa com coisas assim. Mas é como monopostos são hoje, e a visibilidade é ruim e não podemos pilotar em certos circuitos a certas velocidades”, explicou o espanhol ao site Motorsport.
O bicampeão ainda destacou que este tipo de problema não é específico apenas de Spa, mas que outros circuitos de alta velocidade também possuem a mesma questão, tanto no molhado como também no seco.
“Não sei se é um problema de Spa. Acho que Monza, se você encontra um carro no meio da reta, você não vai ver. Então, é uma questão de visibilidade baixa. E isso é algo que não podemos permitir de novo o que aconteceu hoje. Tem que ser a última vez.”
Ele admitiu, porém, que por mais que o trecho da Eau Rouge e Raidillon seja tão emblemático para a F1 e o automobilismo, seria a favor de uma mudança para o caso de uma melhora factual da segurança no local para os pilotos.
“Sim, claro [que seria a favor]. Ninguém quer ver qualquer acidente que é problemático ou perigoso”, disse Alonso ao jornalista britânico Adam Cooper. “Como eu disse, acho que temos esses circuitos de rua, se você bate em Baku, você sempre vai estar na pista. O circuito sempre vai te jogar de volta para o traçado, mas você está a 120 Km/h e a visibilidade é ok. Mas quando você está a 300, você não vê nada”, concluiu.
De olho em outro ponto importante do acidente de Van ‘t Hoff, Max Verstappen foi mais contundente sobre a decisão da direção de prova fazer uma relargada a uma volta do final da prova com chuva. Por isso, ele acredita que além do circuito, os protocolos da FIA nestes casos devem ser revisados também.
“É fácil culpar a pista, mas acho que temos que olhar para o quão molhada ela estava e esse tipo de coisa”, bradou o atual bicampeão da F1 na coletiva de imprensa na Áustria. “Temos que investigar o que podemos melhorar. Eu vi algumas imagens da corrida e estava muito molhado, então, acho que foi totalmente desnecessário reiniciar aquela corrida”, continuou.
“Você sabe que na relargada, com tanta água e spray, você não vê nada. O pessoal atrás não tem nada a perder, então, eles vão com tudo e então você tem esse tipo de acidente que não deveria acontecer. Temos que encontrar soluções. Temos que procurar como melhorar o spray e sempre nos mantermos atentos à segurança dos carros, mas no momento, é apenas uma enorme tristeza”, concluiu.
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