
O polêmico tanque que suspendeu a BAR da F1 em 2005
No ano de 2005, a equipe BAR esteve envolvida em uma controvérsia técnica devido ao tanque de combustível de seu carro, que contava com um compartimento especial.
A equipe foi acusada de usar gasolina como lastro, para disfarçar o peso mínimo de seu conjunto, o que resultou em muita discussão nos tribunais e uma suspensão de duas corridas.
Na primeira metade da década de 2000, a BAR – sigla para British American Racing – era uma equipe que estava em ascensão. E o potencial do time dava para notar pelos nomes de seus integrantes.
Além de ter o apoio oficial da Honda, ela contava com diversas figuras que brilhariam quando o time se tornaria Mercedes na década seguinte. No cockpit estava o futuro campeão mundial Jenson Button, e isso sem contar o novo diretor esportivo, Gil de Ferran, que se juntou à operação ao longo do ano de 2005.
A primeira fase de maior destaque veio um pouco antes, em 2004, quando o time anotou sua primeira pole position, e conquistou um total de 11 pódios na temporada, migrando de vez para o pelotão da frente. A expectativa, então, era dar continuidade a esta ascensão, e ser uma presença mais constante na luta por vitórias durante o ano de 2005.
Mas não foi o que aconteceu. Na disputa por desenvolvimento, o novo modelo da BAR foi ofuscado pelos ganhos de Renault, McLaren e até Toyota e a novata Red Bull, além de também andar atrás de Ferrari e Williams.
O time também sofria com a falta de confiabilidade de seu conjunto: nas três primeiras etapas do ano, a BAR acumulou abandonos e desempenhos apagados, e estava zerada na tabela de pontuação.
O imbróglio entre BAR e FIA
No GP de San Marino, a quarta corrida do ano, a sorte do time parecia que estava mudando. A BAR teve um fim de semana competitivo, sendo que Button andou entre os ponteiros para terminar em terceiro, obtendo seu primeiro pódio de 2005, enquanto Takuma Sato também anotou pontos com o outro carro, ao receber a bandeirada em quinto.
Porém, na inspeção dos comissários técnicos depois da corrida, deu-se início a uma longa novela. A dúvida que surgiu era se o carro de Button estava acima do peso mínimo exigido pelo regulamento.
Pelas regras, o peso do carro não deveria ficar abaixo dos 600 kg durante todos os momentos do evento – lembrando que este peso inclui o carro em si mais o do piloto trajando todo o seu equipamento.
O carro de Button foi pesado duas vezes depois da corrida. Na primeira, ficou normalmente acima do peso mínimo previsto pelo regulamento. No entanto, na segunda, os comissários retiraram cerca de 8 kg de combustível de um “compartimento especial”, que estava situado ao lado do tanque principal. Sem essa quantidade de combustível, o peso ficou 5,4 kg abaixo dos 600 kg mínimos.
Os comissários passaram cerca de seis horas analisando o caso, e concluíram que o sistema era legal e cumpria com o regulamento, o que confirmava os resultados de Ímola.
No entanto, em uma movimentação que causou surpresa, a própria FIA apelou da decisão, e quis levar o caso à sua Corte de Apelações em Paris para uma nova avaliação. A BAR inicialmente ficou espantada com o desdobramento, mas disse que, assim como conseguiu convencer os comissários de que não havia nada de errado com seu carro, pretendia fazer o mesmo perante a FIA.
A decisão da FIA, por mais que fosse incomum, tinha uma motivação bem clara. De acordo com a entidade, havia uma possibilidade que poderia passar sem ser detectada de que aquele compartimento especial ficasse vazio durante a corrida, ou seja, deixando o carro com peso abaixo dos 600 kg em vários momentos da prova.
Assim, a BAR teria vantagem competitiva, antes de encher o tanque de novo apenas para passar pela inspeção da pesagem. Desta forma, a FIA acreditava que a BAR agiu com “má fé” e “comportamento fraudulento”, criando um mecanismo com a “intenção explícita de obter vantagem ilegítima sobre a concorrência”.
Para a Federação, a BAR deveria ser excluída de toda a temporada de 2005, e receber uma multa de, no mínimo, 1 milhão de euros.
No Tribunal, a BAR argumentou que havia uma área cinzenta no regulamento, que não especificava que o peso mínimo do carro deveria desconsiderar o combustível. Ou seja, por sua lógica, ela poderia incluir o peso da gasolina como parte do peso do carro.
E, para explicar o conceito de seu tanque, a equipe revelou que o motor Honda precisava sempre ter, pelo menos, 6 kg de combustível para funcionar corretamente, então o compartimento servia para garantir que esta quantia nunca estaria em falta.
Inclusive, Jo Bauer, o delegado técnico da FIA, disse que sabia da existência deste compartimento desde o GP da Malásia, a segunda corrida do ano, então não se tratava de um segredo.
Mas, do lado da FIA, ainda havia dois grandes problemas com a lógica da BAR. Primeiro, porque a própria argumentação do time indicava que o carro só atingiria 600 kg se usasse combustível como lastro, uma interpretação que ia na contramão do espírito do regulamento.
Isso porque, desde 1994, quando o reabastecimento foi reintroduzido na F1, as equipes haviam sido instruídas a não contarem com o combustível para calcular o peso de seus carros, algo exposto desde a desclassificação de Christian Fittipaldi no GP do Canadá de 94, por estar com o carro abaixo do peso.
Segundo, porque ficava impossível de verificar que a BAR esteve, em todos os momentos da corrida, como pede o regulamento, com o carro com pelo menos 600 kg. De acordo com a entidade, isso ia na contramão do artigo 2.6 do Regulamento Técnico, que dizia que um dos deveres do competir é convencer os comissários de que as regras estão sendo cumpridas.
Consequências após o julgamento
Após longas argumentações, o veredito foi de que não era possível concluir, com base nas evidências que a BAR agiu de forma fraudulenta propositalmente, como alegou o protesto da FIA.
No entanto, a equipe agiu com “negligência” e “falta de transparência”. Desta forma, a BAR foi desclassificada do GP de San Marino, e foi banida dos dois eventos seguintes, na Espanha e em Mônaco.
Além disso, a entidade aplicou um efeito suspensivo no time, que o excluiria do Mundial por seis meses caso uma outra infração grave fosse cometida em um espaço de um ano.
Inicialmente, a BAR se disse “horrorizada” com a decisão, classificou a punição como “grosseiramente desproporcional”, e ameaçou apelar na Justiça Comum para reverter a punição.
Além disso, o time comentou que, caso soubesse de sua desclassificação altura da corrida em Ímola, que ela mesma iria protestar contra outros seis carros do grid que contavam com tanques semelhantes – ou seja, todos estes times também deveriam ter o combustível extraído em sua totalidade para passarem pela pesagem.
Mas, pouco depois, a BAR colocou um ponto final na história. Mesmo avaliando um prejuízo de 10 milhões de euros pelas corridas que ficou suspensa, a equipe disse aceitar a punição da FIA, admitindo que sua interpretação sobre o uso do combustível como parte do peso do carro estava errada.
Para o time, ficava esclarecido que, por regulamento, o conjunto carro mais piloto precisaria ter 600 kg, sem considerar a gasolina no cálculo. Com base nisso, a FIA também deu o tema como encerrado por seu lado.
Temporada mediana da BAR e venda para a Honda
Quando retornou às corridas, a partir do GP da Europa, a BAR manteve o mesmo conceito de seu tanque de combustível – a diferença é que precisou inserir os fatídicos 6 kg em forma de lastro convencional ao longo do carro.
De toda forma, a competitividade não foi um grande destaque de sua temporada, já que Button fez uma pole no Canadá, subiu no pódio apenas em Hockenheim e em Spa, e a BAR ficou apenas na sexta posição no Mundial de Construtores.
Apesar dos resultados apagados e do escândalo de Imola, os planos da BAR não sofreram grandes obstáculos dali em diante. Naquela altura, a equipe tinha como composição societária 55% sendo da British American Tobacco, e 45% sendo da Honda.
Em outubro daquele ano, foi anunciado que a Honda iria adquirir a totalidade da operação, o que a transformaria em Honda Racing a partir de 2006. Nos anos seguintes, viria a Brawn GP, em 2009, e desde 2010 a estrutura é conhecida como Mercedes.
Comentários